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“A missão da Google é organizar toda a informação do mundo”

Nélson Mattos durante conferência em Zurique
Nélson Mattos, durante uma conferência na sede da Google em Zurique. Keystone

Nelson Mattos é o único brasileiro nos altos escalões da Google. Como vice-presidente de engenharia do buscador para a Europa, Oriente Médio e África, ele chefia 500 engenheiros espalhados em doze capitais européias.

Em entrevista exclusiva dada à swissinfo nos laboratórios da Google em Zurique, ele fala sobre sua carreira, a estratégia da empresa e o futuro da Internet.

Onde se fabricava bebida no passado, hoje se programa o futuro. O moderno complexo de escritórios do recém-inaugurado “Centro Google de Engenharia para Europa, Oriente Médio e África”, mais conhecido como “EMEA”, foi construído no espaço ocupado por uma antiga cervejaria em um bairro não muito distante do centro de Zurique.

Para o visitante, o prédio lembra mais uma universidade. Jovens com mochilas coloridas entram e saem, uns até com roupas esportivas para correr no parque vizinho. A líder dos motores de procura não economizou para dar conforto aos seus funcionários: comida gratuita, salões de jogos, salas de estar imitando bibliotecas inglesas e vários espaços de reunião que mais lembram playgrounds coloridos.

Nesse ambiente aparentemente descontraído, Nelson Mattos recebe o repórter. Formado nos anos 80 pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em ciências da computação e com doutorado em Kaiserslautern, na Alemanha, ele vive há mais de 16 anos no exterior. Depois de passar pela IBM, onde chegou ao cargo de vice-presidente de tecnologias de usuários e informação no IBM Research, o brasileiro foi convidado pela Google para chefiar sua pesquisa européia em doze laboratórios espalhados por capitais tão diversas como Londres, Moscou, Tel Aviv, Irlanda, Munique ou Zurique.

Uma curiosidade de jornalista: qual foi o primeiro computador que você teve?

N.M.: O primeiro computador que eu trabalhei foi no período da ditadura militar, quando o Brasil estava tentando criar uma indústria nacional. Era um computador da Nixdorf, de tecnologia alemã e produzido no Brasil. Era um computador médio, pois ainda não existiam PCs. Ele rodava o basic, a linguagem principal de computação, e o assembler. Nessa época eu estava estudando na Universidade do Rio Grande do Sul.

Ao se formar, por que você saiu logo do Brasil?

N.M.: Eu saí do Brasil imediatamente ao terminar o mestrado. Foi em fevereiro de 1984. No final de março vim para a Alemanha com o objetivo de fazer o doutorado. O plano inicial era retornar ao Brasil depois de quatro ou cinco anos do doutorado. Mas ai eu recebi uma proposta de ficar trabalhando como professor na universidade alemã. Então eu pensei: por que não? Essa era uma oportunidade única de continuar pesquisando minha área. Era um trabalho excelente. A Universidade de Kaiserslauten havia recebido um financiamento do governo alemão para estender o meu trabalho de doutorado. Para mim foi uma oportunidade única de liderar um grupo enorme na minha área de pesquisa.

E ao terminar o doutorado quais eram as perspectivas de trabalho?

N.M.: Depois de três anos fazendo isso, eu e minha família já estávamos de malas prontas para voltar ao Brasil, onde eu já havia me inscrito para um concurso de professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis. Então eu recebi uma proposta de passar dois anos no laboratório de pesquisa da IBM na Califórnia que, na época, era o “must” da área de pesquisa em banco de dados. Eu e a minha esposa achamos que era uma idéia magnífica passar um ou dois anos fora a caminho do Brasil. Aconteceu que esses dois anos viraram dezesseis…

Em artigo na imprensa especializada li que você chegou a ter treze patentes no tempo da IBM. É verdade?

N.M.: Sim. Até entrar na Google, eu trabalhei a minha carreira toda com banco de dados. A maioria das minhas patentes é nessa área. Essa indústria se expandiu vertiginosamente nos últimos anos, sobretudo em áreas como “business intelligence”, “analytics” ou “content management”. A metade dos 16 anos na IBM foi especificamente dedicada a ela. Eu fui parte do grupo que desenvolveu o DB2 para plataformas baixas, ou seja, o grupo que criou o banco de dados da IBM em plataformas baixas para Unix e Windows. Mas depois disso saí e comecei a trabalhar em outras áreas dentro do ramo do que hoje em dia se chama “information management”, mas não especificamente em bancos de dados.

Na IBM você chegou ao cargo de vice-presidente de tecnologias de usuários e informação na área de pesquisa da IBM. Qual era o seu trabalho?

N.M.: Dos últimos seis anos de trabalho na IBM, eu ocupei cinco montando um “business” para a empresa: o portfólio de “informação e integração”, onde criamos vários produtos internos e fizemos várias aquisições como a da Accenture, um negócio de mais de um bilhão de dólares que foi costurado por mim. Foi no último ano na IBM que eu voltei para a pesquisa. Eu era responsável pela metade de toda a pesquisa nos laboratórios da IBM no mundo inteiro na área de software. Era a área de “information management”, “tecnologias web”, motores de busca e outros.

E como você foi parar na Google?

N.M.: Eu fui contatado pela Google, que mostrou seu interesse em que eu viesse para a Europa chefiar os centros de pesquisa e desenvolvimento na Europa, Oriente Médio e África. Obviamente, sendo Google, me chamou muito a atenção. É uma estrutura empresarial completamente diferente. O que também me chamou atenção foi a possibilidade de assumir um cargo de liderança fora dos Estados Unidos. Aí eu conversei com a empresa a acabei aceitando a proposta.

Na IBM você trabalhou intensamente em uma área da informática muito importante chamada “web semântica”. O que isso significa?

N.M.: Quando voltei a pesquisar na IBM, um dos projetos nessa área era o “WebFountain”. Ele também estava sob minha responsabilidade. A IBM tem vários projetos em web semântica. No caso do WebFountain, o objetivo era analisar todo o conhecimento que está disponível na Internet e, com isso, tentar descobrir tendências. Um exemplo: se você é um artista que lançou um novo CD e quer tentar descobrir o que os usuários pensam a respeito do trabalho. Se você conseguir analisar um grande volume de dados que está disponível em blogs, páginas da Internet, nos “chat rooms” e coisas do gênero, então você terá condições, de uma forma geral, de saber quais são as tendências, ou seja, o que está se falando sobre um determinado tema.

Trata-se então de uma tecnologia que cruza todas as informações disponíveis na Internet para tirar conclusões?

N.M.: Exatamente. O Fountain era um projeto que tinha, do ponto de vista de processamento de dados, a necessidade de avaliar um volume extremamente grande. Imagine a quantidade de dados que está hoje disponível na Internet…

Foi essa experiência e conhecimentos que tornaram você uma pessoa interessante para a Google?

N.M.: O negócio que eu montei para a IBM nos meus últimos anos de trabalho, o setor de informação e integração, começou a se expandir na área de busca e análise de dados não estruturais. A web é formada por dados não estruturais, ou seja, texto, vídeo, imagens ou “blogging”. Todos eles têm uma estrutura que não é rígida como nos sistema de bancos de dados relacionais. Então eu já comecei a trabalhar nessa área. Nós chegamos até a lançar pela IBM o “Information Integration Omnifind”, um produto na área de busca para o ambiente empresarial, não o ambiente de usuário final que a Google trabalha. Quando fui para área de pesquisa, então me envolvi ainda mais com o tema. Foi aí que eu comecei a me envolver tecnicamente com áreas em que a Google já trabalhava. Obviamente que a Google não está só voltada para a Internet, de uma maneira geral, mas dado o volume de dados encontrados na web, o volume de consultas só na parte de busca já é algo fenomenal. Primeiro, a quantidade e diversidade de dados e, segundo, o volume de consultas de usuários no mundo inteiro, que lançam milhões de consultas a cada segundo.

O cargo de vice-presidente de engenharia da Google para Europa, Oriente Média e África tem a ver com a estratégia de regionalização da Google?

N.M.: O Google trabalha no mercado consumidor – se você olhar, todos os produtos da Google estão voltados para o usuário final como os produtos de busca, o “Google Maps” ou o “Google Earth”. Quem interage com esses produtos é o usuário final. Obviamente o usuário final é diferente em cada lugar do mundo. O tipo de consulta que os brasileiros fazem é diferente do tipo de consulta que os suíços fazem na Suíça. O comportamento dos russos ou chineses também difere. Por isso é importante que a Google tenha a percepção das diferenças que existem entre seus usuários. Por exemplo: a gente sabe que o adulto no norte da Europa lê, em média, três jornais por dia. Já na Suíça essa média é de um jornal por dia. Obviamente a maneira pela qual uma pessoa da Noruega utiliza a internet é muito diferente da maneira que um suíço utiliza.

É por isso que a Google desenvolve seus produtos em diferentes países?

N.M.: Sim. Desde o início, a Google tinha a visão de que para você poder criar produtos que são relevantes a cada usuário no mundo inteiro, é necessário ter engenheiros de desenvolvimento que tenham um bom conhecimento do comportamento e das necessidades de cada usuário. E isso é impossível de fazer se você tem todo o desenvolvimento centralizado na Califórnia. Afinal, o pessoal que está sentado na Califórnia vai obviamente entender muito bem as necessidades da população americana. Mas você acredita que eles entenderiam a necessidade dos brasileiros, dos chineses ou dos noruegueses? Obviamente que não! Por isso, já há bastante tempo, a Google criou essa estratégia de abrir centros de pesquisa e desenvolvimento em vários países do mundo.

Qual é o papel dos diferentes centros de pesquisa espalhados no mundo dentro da estratégia da Google?

N.M.: A idéia, quando se começou a criar esses centros, é que cada um deles teria duas funções: trabalhar em produtos e iniciativas que vão ter impacto global – por exemplo, o Google Maps, cujo grande parte do desenvolvimento é feito em Zurique, mas que é utilizado no mundo todo – e, finalmente, adaptar os produtos da Google, desenvolver novas extensões ou mesmo novos produtos que são específicos para um mercado local. Um exemplo disso é o “Google Transit”, uma extensão no “Google Maps” que permite obter informações sobre meios de transportes públicos para ir de um local ao outro, seja de ônibus, trem, metrô ou caminhando. Obviamente essa é uma extensão extremamente popular na Europa. Inclusive, recentemente, a gente lançou uma extensão que reúnes todos os dados das companhias de trens e bondes aqui da Suíça.

Mas por que alguns produtos da Google “pegam” em alguns mercados e outros não?

N.M.: Nós concluímos que muitas dessas extensões, feitas para um mercado local, podem ter aplicação em outros lugares. Se você pegar o “Transit”, que é extremamente utilizado em alguns países da Europa, ele também é utilizado nos Estados Unidos, sobretudo em grandes cidades com bons sistemas de transporte. Porém se você olhar as áreas rurais nos EUA, praticamente ninguém utiliza esse serviço.

Essa lógica explica por que o “Orkut”, uma rede social criada por um funcionário de vocês nos Estados Unidos, um informático turco, só ter sucesso no Brasil?

N.M.: Sim, esse é um bom exemplo. Trata-se de um produto que teve uma receptividade extremamente forte no Brasil, mas também na Índia. Essa situação cria um círculo de desenvolvimento interessante. Nesse caso, poderíamos falar no ciclo de desenvolvimento de produtos, algo que é extremamente curto na Google. Ele vai de dois a três meses. A idéia é lançar alguma coisa no mercado e ver como os usuários vão reagir. Pelo fato de trabalharmos diretamente com o usuário final, ao lançar um protótipo, algo simples, podemos saber imediatamente se ele está gostando ou não e o que está faltando para melhorar o produto. Isso cria novos requerimentos que são colocados no desenvolvimento. Em três meses eu posso lançar mais alguma coisa e satisfazer aquelas exigências. Com isso eu recebo mais feedbacks e assim continua a história.

Quer dizer que o próprio usuário termina participando no desenvolvimento dos produtos da empresa?

N.M.: O fato de o Orkut ter sido bastante popular no Brasil fez com que a gente recebesse cada vez mais feedbacks da população brasileira. Isso fez com que ele se tornasse cada vez melhor para aquele ambiente no Brasil. Porém o Orkut não se tornou popular em outros países. Isso é um exemplo bem interessante, porque mostra a importância de você ter centros de desenvolvimento no mundo todo. Eu até diria que essa é uma das grandes diferenças entre a Google e outras empresas com centros de desenvolvimentos centralizados. Com isso temos condições de criar produtos específicos, que possam satisfazer as exigências de cada usuário e entender culturalmente o que aquela população precisa.

Assim como a Internet, a Google também parece ser uma empresa em constante transformação. Quais são os futuros desafios?

N.M.: Nosso objetivo, a missão da Google, é organizar toda a informação do mundo. Em segundo lugar, fazer com que essa informação esteja disponível a qualquer usuário e que seja útil para ele. Trata-se de um desafio, pois nem toda a informação no mundo é baseada em texto. O volume de imagens, vídeos e áudios que cresce na internet é algo fenomenal. Apesar de dispormos de produtos que já têm condições de buscar imagens, textos, etc com uma única consulta, ainda temos muitas desafios pela frente. No “universal search” da Google, por exemplo, com uma única consulta você pode receber resultados que são textos, páginas web, imagens, vídeos, áudios e assim por diante.

Na segunda parte da entrevista, Nelson Mattos fala sobre o desejo da Google de ser um “Oráculo”, segurança dos dados pessoais, a importância da Web 2.0, a criação de plataformas únicas para as redes sociais e telefones celulares e até o futuro da Internet. swissinfo também levanta a questão do “Google Apps”, que oferece gratuitamente serviços como processamento de textos e tabelas de cálculos. Seria o fim da Microsoft? Clique AQUI para ler.

swissinfo, Alexander Thoele

Google tem atualmente 12 centros de pesquisa e desenvolvimento na Europa.

Eles estão localizados em Londres, Aarhus (Dinamarca), Trondheim (Noruega), Lulea (Suécia), Cracóvia (Polônia), Moscou e St. Petersburg (Rússia), Haifa e Tel Aviv (Israel), Dublin (Irlanda), Munique (Alemanha) e Zurique (Suíça).

Nas suas operações na Europa, Oriente Médio e África, a Google emprega 2.500 pessoas.

Com 350 funcionários, o centro de pesquisas de Zurique já é o maior centro de pesquisas da Google fora dos Estados Unidos.
Dentre as especialidades da filial estão o desenvolvimento do Google-Maps, Gmail, a otimização do sistema de anúncios e também um papel central no desenvolvimento de novos produtos.

Ano de criação: 1998
Fundadores: Sergey Brin e Larry Page
Presidente: Eric Schmidt
Número de empregados: 16.805 (em 31 de dezembro de 2007)
Presença mundial: 33 filiais em 20 países
Volume de negócios em 2007: 16,59 bilhões de dólares
Lucros em 2007: 4,20 bilhões de dólares
Capitalização na bolsa: cerca de 135 bilhões de dólares
Serviços principais: motor de procura, atualidades (Google News), Gmail, YouTube, Picasa, Blogger
Parte do mercado mundial nos motores de procura: 58% (fonte: Nielsen NetRatings)

Google Inc. é o nome da empresa que criou e mantém o maior site de busca da internet, o Google Search. O serviço foi criado a partir de um projeto de doutorado dos então estudantes Larry Page e Sergey Brin da Universidade de Stanford em 1996. Este projeto, chamado de Backrub, surgiu devido à frustração dos seus criadores com os sites de busca da época e teve por objetivo construir um site de busca mais avançado, rápido e com maior qualidade de ligações. Brin e Page conseguiram seu objetivo e, além disso, apresentaram um sistema com grande relevância às respostas e um ambiente extremamente simples.

Uma das propostas dos criadores do Google era ter uma publicidade discreta e bem dirigida para que o utilizador perca o menor tempo possível, sem distrações. (Texto: Wikipédia em português)

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