Crise do coronavírus destrói sonhos de suíços do estrangeiro
A pandemia do novo coronavírus coloca a vida de muitos suíços do estrangeiro de cabeça para baixo. A crise nos países em que vivem obriga muitos deles, como Lotty Pfyl, a retornar antes do planejado para casa.
“Nunca estive em uma situação financeira tão ruim na minha vida”, lamenta Lotti Pfyl. Essa suíça de 60 anos já decidiu: em feveiro de 2021 arruma suas malas na Alemanha e retorna à Suíça. “Eu tive de admitir a mim mesmo que fracassei.”
De acordo com o sistema de monitoramentoLink externo do Departamento Federal de Estatísticas (BfS, na sigla em alemão), enquanto uma média de cerca de 25 mil suíços voltaram nos últimos cinco anos, no ano corrente esse número pode ser superado.
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O ministério suíço das Relações Exteriores (EDA, na sigla em alemão) já havia anunciado à imprensa que, em maio, já estava recebendo inúmeras chamadas nos consulados, na sede em Berna e até na secretaria de Trabalho da Basiléia. Eram suíços do estrangeiro manifestando desejo de retornar à pátria. Entretanto, a maioria regressa sem a ajuda de consulados. É o caso de Lotti.
Volta antecipada
Ela sonhava em uma vida independente em um vilarejo no norte da Alemanha. Lá, onde costumava passar suas férias de verão, criou um círculo de amigos. Depois planejou emigrar após a aposentadoria. Lotti estava convencida de que a modesta soma que seria retirada do fundo de pensão, somada à aposentadoria básica (AHV), permitiria ter uma vida mais confortável na Alemanha do que na Suíça. Pouco antes da virada do milênio se divorciou. Nesta época o fundo de pensão ainda não era dividido entre os cônjuges.
Entretanto, uma crise de burnout a fez mudar de ideia. Ela abandonou tudo na Suíça dez anos antes de se aposentar. A mãe de dois filhos adultos retirou seus ativos do fundo de pensão e utilizou o dinheiro para comprar uma grande casa com apartamentos de férias em uma região costeira no norte da Alemanha. Ela começou a renovar a casa e alugou os apartamentos. Também ganhava algum dinheiro adicional costurando.
Depois de quatro anos na ilha, teve que desistir do projeto de vida. “Foi um fardo muito pesado para uma pessoa sozinha.” Em três meses, Lotty conseguiu vender a propriedade e se mudou para o sul, em Husum (Oberpfalz), onde encontrou um emprego e passou algum tempo.
A suíça do estrangeiro tem três diferentes profissões: uma formação profissional como desenhista técnica, um diploma de contabilidade e um curso técnico de costureira. Com muita motivação, ela começou em fevereiro de 2020 seu novo emprego em uma fábrica de máquinas de costura. Depois veio a crise do novo coronavírus. Então, todas as suas esperanças foram por água abaixo…mais uma vez.
“Meu empregador não tinha mais encomendas para mim.” Mas Lotti Pfyl continuou positiva e candidatou-se a um emprego na Baviera. Depois de sua entrevista no verão, não obteve mais resposta. Até hoje.
Blog do retorno
Durante os próximos três meses, Lotti Pfyl compartilhará com a swissinfo.ch as experiências de retorno à Suíça. Ela nos dará uma visão de seu mundo de sentimentos, em forma de um blog pessoal.
“Então volte”
Com a segunda onda da pandemia no outono vieram as dúvidas. Faltava-lhe uma renda. Ela também quase não conseguiu se integrar em seu novo local de residência devido ao distanciamento social. “É pouco provável que isto mude num futuro próximo”, diz.
Pensamentos de retornar para casa se esgueiravam – e gradualmente se instalaram. Vez por outra, família e amigos da Suíça diziam ao telefone: “Então, volte para casa.” Lotti começou a pesquisar. “O que tenho que considerar ao regressar para a Suíça? Quais serão as condições? Onde posso obter apoio?”. Então entrou em contato com as autoridades diplomáticas e começou a procurar um emprego e um apartamento.
“Com 60 ninguém mais quer investir em você”
Uma tarefa difícil. “Aos 60 anos, quase ninguém mais quer investir em mim”, disse Pfyl. Mas descobriu rapidamente que iria receber ajuda quando voltasse. Isso a tranquilizou. O que a assustou, disse ela, foram as informações do consulado. “O consulado só ajuda se você vender tudo o que possui e levar consigo apenas o que cabe num carro”, conta e reage. “É um absurdo.”
“Eu preciso de móveis ou de um computador para procurar um emprego. Além disso, essas coisas são mais caras na Suíça”, afirma. Lutando contra as lágrimas, ela conta por telefone como está se sentindo. “Eu tenho que me superar todos os dias para não cair em um fosso, porque provavelmente dependerei de ajuda da assistência social.”
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Vergonha de receber ajuda
Enquanto o “horror” da assistência social impede muitos suíços no exterior de voltar, Lotty junta suas forças e coragem. Mas ela não se desanima. “Eu consigo!”, afirma convencida. Mesmo que isso signifique que terá de abrir mão do carro e espremer suas economias ao solicitar o auxílio. “Meu sonho foi despedaçado, agora é hora de seguir em frente.”
Desde o surto da pandemia, cada vez mais suíços querem regressar. A Organização de Suíços do ExteriorLink externo (ASO, na sigla em alemão) também observa isso: “Temos recebido um número crescente de chamadas pedindo informações sobre formas de retorno à Suíça. Cerca de 75 deles afirmam que irão depender da assistência social ao voltar”, diz Jézael Fritsche, porta-voz da ASO.
A ASO também possui o “Fundo KilcheLink externor”, criado para ajudar suíços que se encontram em dificuldade no exterior. Trata-se de uma pequena ajuda financeira, sob a forma de um empréstimo sem juros. “Esse fundo está sendo utilizado intensamente no contexto atual”, explica.
O EDA, que fornece apoio local aos cidadãos suíços do estrangeiro, escreve: “No contexto da pandemia de Covid 19, 56 casos receberam auxílio da assistência socialLink externo. O apoio foi concedido por um curto período como parte de um programa emergencial. Normalmente por três a quatro meses, mesmo que os critérios para a prestação de assistência social não tenham sido totalmente cumpridos.”
Assim, as representações fizeram vista grossa para um ou outro caso. Elisa Raggi, porta-voz de mídia do EDA, dá um exemplo: “Normalmente a assistência social no exterior só pode ser obtida após uma estadia de cerca de cinco anos. Nesta situação extraordinária fornecemos, por exemplo, apoio nos casos em que o prazo para receber assistência social não foi alcançado. Se a pandemia da COVID-19 durar mais tempo, um aumento no número de pedidos de apoio deve ocorrer”, completa.
No que diz respeito aos pedidos de repatriação – ou seja, quando aqueles dispostos a regressar não podem financiar por si mesmos o seu retorno – o EDA não recebeu um número acima da média este ano. Até 20 de novembro, 77 solicitações haviam sido recebidas; em 2019, o número total era de 79.
Enquanto isso, Lotty já comemora um pequeno êxito: encontrou um apartamento em Walzenhausen, um vilarejo no cantão de Appenzell Rodes exterior. Em fevereiro retorna então definitivamente ao país de origem. Ela está orgulhosa. “Estou apenas tentando organizar tudo da melhor forma possível”, conclui, ressaltando que está ansiosa para rever sua família, falar novamente o dialeto suíço-alemão e comer pratos típicos da região.
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