A outra face do euro
Introduzido em 1° de janeiro de 2002, a moeda única tornou-se em pouco tempo o símbolo mais evidente do grande mercado único e do processo de aproximação dos povos europeus.
Dez anos depois, o balanço é mais pessimista: o euro está no centro da pior crise europeia dos últimos 50 anos.
“O euro é o sucesso mais brilhante no processo de integração europeia”, escrevia em 2007 com uma ponta de orgulho a Comissão Europeia. Hoje essa afirmação parece um pouco pretenciosa, pois que a União Europeia atravessa o que pode ser definida como a “crise do euro”.
Porém, não se pode esquecer que, com a união monetária e a moeda única, a Europa em poucos anos deu um enorme passo à frente para esquecer os nacionalismos e as guerras do século passado e reunir os povos europeus em um grande projeto comum. Apesar da abertura das fronteiras e da livre circulação de pessoas, o euro foi o símbolo mais forte de uma nova era de cooperação econômica e social.
Os sucessos foram indiscutíveis. O euro deu peso econômico à Europa no cenário internacional, cada vez mais dominado por blocos. Hoje a moeda europeia é a segunda mais negociada nos mercados internacionais, com cerca de 40% das transações diárias. Um quarto das reservas monetárias são em euro.
São inegáveis as vantagens trazidas pela moeda única em uma zona de 330 milhões de habitantes: supressão do câmbio, agilização das trocas comerciais, transparência de preços, estabilidade monetária. Até a Suíça se aproveitou bastante do euro, pois suas exportações foram favorecidas enquanto o euro esteve bem mais forte do que o franco.
Ligação irreversível
Da mesma maneira que a face visível do euro era brilhante em época de crescimento econômico, sua face oculta aparece agora em tempos difíceis. A crise da dívida soberana tornou-se a crise do euro, com nuvens escuras no horizonte. As más línguas começam a questionar a união monetária.
“A união monetária é extremamente perigosa se não for construída de modo correto. Não é como a livre circulação de pessoas ou o acordo de livre comércio, para os quais é possível fazer correções”, observa
Tobias Straumann, professor de história econômica nas universidades de Basileia e Zurique.
“Com a união monetária são criados laços econômicos e institucionais muito fortes, quase irreversíveis. Basta cometer um ou dois erros e chegamos a uma situação catastrófica. É o que se vê agora: o projeto euro, que devia unir os povos, precipitou uma crise que está reativando os nacionalismos e as divisões.”
Muita pressa
Mas que erros foram cometidos? Para Tobias Straumann, a união monetária foi pensada muito grande e muito rápida: “Provavelmente não era preciso renunciar à moeda única. Mas a união monetária deveria ter sido construída muito mais lentamente, começando pelos países economicamente mais fortes, com a perspectiva de uma ampliação sucessiva.”
A introdução da moeda única não só não ajudou os países mais fracos, mas inclusive acentuou seus problemas. Eles se viram forçados a suportar gradualmente preços e salários mais altos. E, sobretudo, não puderam mais aproveitar do valor inferior de suas moedas para incrementar exportações. Com o euro isso não foi mais possível.
“A criação de um espaço monetário tão grande pode funcionar enquanto os países mais fortes puderam ajudar os mais fracos. É o caso da Alemanha: com os custos da reunificação, os recursos destinados ao fundo europeu foram canalizados para a região oriental. Sem essa compensação, os países pobres se consideram perdedores”, afirma o especialista.
Grande insegurança
Esses erros continuaram durante todos esses anos. Os países promotores da união europeia – Alemanha e França – não somente deixaram de controlar o respeito aos critérios de estabilidade fixados no Tratado de Maastricht (ver na coluna à direita), mas foram os primeiros a violar as regras. Por outro lado, os países mais fracos se aproveitaram das baixas taxas de juros do Banco Central Europeu para endividar-se, como a Grécia, ou para alimentar um frágil setor imobiliário, como a Espanha.
“Vários países viveram por muito tempo acima de seus meios e agora defrontam-se com dívidas impagáveis. A insegurança é muito grande, o que está provocando uma fuga massiva de capitais. Este fenômeno e consequente falta de liquidez são os problemas mais urgentes a resolver”, destaca Jan-Egbert Sturm, diretor do KOF (centro de pesquisa conjuntural do Escola Politécnica Federal de Zurique).
Novas regras de estabilidade dos balanços e sacrifícios nos Estados endividados, bônus do tesouro europeu, compensação financeira dos países mais fortes, ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI): os debates e as possíveis soluções para sair da crise ocuparão os países europeus em 2012. “O que conta é transmitir confiança à população e ao mercado financeiro, mesmo se serão ainda necessários alguns anos para sair da crise.”
Fim do euro?
Mas o que farão os países europeus para sair do túnel? Entre especialistas, dirigentes políticos e econômicos reina atualmente a incerteza e, hoje, se sucedem declarações que levam a pensar ao fim da atual zona euro.
“Os países em crise são obrigados a economizar, o que prejudica o crescimento e a perspectiva de pagar as dívidas. Por outro lado, os países mais fortes não querem o fim do euro, mas não fazem o necessário para salvá-lo. Se a situação continuar assim, estou pessimista”, reforça Tobias Straumann.
Jan-Egbert Sturm é mas otimista: “Temos pela frente anos muito difíceis, mais creio que o euro se salvará. O capital político investido, duas décadas de união monetária é muita coisa para ser abandonado pelos dirigentes europeus.”
Com a assinatura do Tratato de Maastricht, os membros da UE concordaram em 1992 em criar a união econômica e monetária para reforçar o processo de integração europeia e estimular o crescimento econômico.
Entre seus objetivos estavam a coordenação da política econômica, a introdução da moeda única e a adoção de uma política monetária comum, conduzida pelo Banco Central Europeu.
O Tratado de Maastricht visava ainda uma estabilização das contas dos Estados, com limitação do déficit a 60% do Produto Interno Bruto (PIB) e um déficit anual de 3% do PIB.
O euro tornou-se em 1° de janeiro de 1999 a moeda única de 11 países da União Europeia: Alemanha, França, Itália, Áustria, Holanda, Bélgica, Espanha, Portugal, Finlândia, Irlanda e Luxemburgo.
Nos primeiros três anos de existência, o euro existiu apenas como meio de pagamento e não tinha valor contábil, ao invés das moedas nacionais que continuavam a existir.
Em 1° de janeiro de 2002, a nova moeda europeia começou a circular fisicamente em cédulas e moedas, substituindo definitivamente as moedas nacionais.
Hoje a zona do euro compreende 17 países da EU: a Grécia o adotou em 2001, a Eslovênia em 2007, Chipre e Malta em 2008, a Eslováquia em 2009 e a Estônia em 2011.
Dois países, Dinamarca e Grã-Bretanha, obtiveram uma derrogação permanente da união econômica e monetária e não adotaram o euro.
A Suécia e sete novos membros do leste europeu que entraram na UE (Polônia, República Checa, Hungria, Bulgária, Romênia, Letônia e Lituânia) poderão aderir posteriormente à zona do euro.
Adaptação: Claudinê Gonçalves
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