Microempresários brasileiros lutam por um espaço no mercado suíço
O Itamaraty volta o olhar para os microempresários e lança uma campanha na Suíça para promover as iniciativas de imigrantes brasileiros. O exemplo de uma fabricante de pão-de-queijo mostra que é possível entrar no mercado suíço.
O Ministério das Relações ExterioresLink externo está atento aos micro e pequenos empreendedores brasileiros no exterior. Os consulados em Zurique e Genebra lançaram em maio a cartilha Como Empreender na Suíça, além de promover uma palestra sobre o tema. Em setembro, envia dois integrantes do Conselho de CidadaniaLink externo para a I Conferência sobre Micro e Pequeno Empreendedorismo Brasileiro no Exterior, que acontece entre os dias 13 e 15 daquele mês, em Brasília, e que tem como objetivo delinear políticas e linhas de ação em benefício desses grupos.
Dos 20 mil microempresários conterrâneos pelo mundo, 950 têm sede na Suíça. Apesar de não contar com uma população brasileira tão numerosa, ocupa o quarto lugar no ranking, atrás somente dos Estados Unidos (6 mil), Japão (1,5 mil) e França (1,3 mil). O Brasil tem cerca de 3,1 milhões de cidadãos em outros países. Na Suíça, onde vivem cerca de 20 mil brasileiros legalizados, o índice de microempresários registrados alcança 5% desse grupo.
O Itamaraty está ciente da expansão desse mercado e pretende formular ações para fomentar e apoiar os micro e pequenos negociadores no exterior. Como parte dessas medidas, foram lançados este mês, em Brasília, 16 guias, de 13 países, com orientações específicas de como iniciar um negócio em cada localidade. O material sobre a Suíça está incluído nesse pacote e está disponível no site do consulado. Para a Suíça foram definidas duas diferentes brochuras: uma para as regiões germanófonas e italófonasLink externo, incluindo o Principado de Liechtenstein; e outra para a parte francófonaLink externo. Os impressos trazem informações sobre providências exigidas ou recomendadas para abertura e gestão de negócio, questões como impostos a serem pagos, regras trabalhistas, benefícios aos quais os empreendedores têm direito em cada localidade, entre outras.
De acordo com a diretora do Departamento Consular e de Brasileiros no Exterior, a ministra Luiza Lopes, ao fazer o mapeamento das necessidades dos brasileiros, descobriu-se que grande parte desses empreendedores tem muita dificuldade em conseguir informações sobre a legislação pertinente. Em entrevista à imprensa por ocasião de lançamento dos guias, a diretora explicou que “dá muito trabalho ir atrás desse esclarecimento, disponível em idioma local e, dependendo do país, em língua que os brasileiros ainda não dominam.”
Língua é a maior dificuldade
O vice-cônsul Leandro Rocha de Araújo, explica que o Itamaraty e o Consulado do Brasil em ZuriqueLink externo têm como prioridade o apoio a esse público. O intuito é promoção de desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida, além de reduzir a precocidade no fechamento de empresas.
A ideia é que, após a conferência em Brasília, seja preparado um evento para toda a comunidade brasileira, no qual serão abordados temas como o resultado das políticas públicas definidas no encontro de Brasília, além de palestras sobre questões legislatórias, capacitação gerencial e outros pontos críticos enfrentados pelos empreendedores na Suíça. O vice-cônsul pretende, inclusive, organizar um mês de palestras, sempre nos fins de semana, cedendo espaço e convidando especialistas.
A opinião sobre a importância do movimento é compartilhada pela integrante do Conselho de Cidadania da Jurisdição de Zurique, Fernanda Pontes Clavadetscher, que foi uma das escolhidas para representar o país na Conferência sobre o tema em Brasília.
A advogada, que trabalha com a comunidade de língua portuguesa e presta informações jurídicas pela página de internet Saber DireitoLink externo, entende os desafios da comunidade. “O brasileiro é versátil e criativo, mas encontra inúmeras barreiras que atrapalham o resultado final. A língua é a primeira e a maior dificuldade, que passa pelo desconhecimento da documentação necessária, pelo qual tipo de firma abrir, até o desafio de como ampliar o negócio para o público local e não ter somente compradores brasileiros”, afirma.
O “mercado da saudade” poderia ser mais lucrativo
Feijão, pão de queijo, manicure, depilação, cabeleireiro e tapioca são alguns produtos e serviços dos quais muitos brasileiros sentem falta quando se mudam para outro país. Diante dessa demanda saudosa, alguns conterrâneos transformam a oportunidade em negócio. A isso dá-se o nome de “mercado da saudade”, segmento mais tradicional, especializado em comercializar produtos nacionais para as comunidades brasileiras no exterior.
Esse mercado sustenta famílias, emprega e gera renda vultuosa no exterior, dinheiro que em parte retorna ao Brasil: só ano passado foram enviados 2,46 bilhões de dólares. Apesar de ser um volume considerável, é importante chamar atenção para o fato de que essa cifra poderia ser muito maior se os brasileiros tivessem treinamento específico para lidar com questões culturais vividas em outros países e orientação sobre como empreender.
Segundo o vice-cônsul, os pontos mais críticos enfrentados pelos brasileiros passam por várias frentes. Ele confirma que a principal dificuldade é o baixo domínio do idioma, o que impede o empresário de oferecer o serviço ou de preencher um documento. Outra barreira é falta de conhecimento gerencial e administrativo, como contabilidade e fluxo de caixa; compreensão da legislação e procedimentos burocráticos, além de entendimento de aspectos culturais domésticos.
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Camponeses suíços apostam cada vez mais na natureza
De acordo com a dona da CEW Consultoria de Marketing, Ana Cristina Kolb, as características culturais brasileiras podem funcionar como empecilho na hora de tocar empreendimento no exterior. Para Ana Cristina Kolb, que é professora de escolas de Management e Hotelaria na Suíça, a primeira medida que deveria ser tomada ao abrir um negócio fora do país de origem é mudar o jeito de tocar a transação comercial. “É preciso se conscientizar de que não se está no Brasil e adaptar o serviço ou produto, mesmo que típico do nosso país, ao público internacional.
O “Bom Sabor” que conquista os suíços
A paranaense Gislaine Vilar Füllemann é um exemplo de empreendedora bem-sucedida na Suíça. Ela descobriu rapidamente que registrar o seu negócio de alimentação era a melhor estratégia para alcançar públicos mais variados. Com o nome já conhecido entre o público brasileiro, Gislaine queria desbravar mares nunca dantes navegados e levar suas coxinhas de galinha e pão de queijo aos suíços.
Gislaine se casou com um suíço e vive no país há quinze anos. Como os filhos eram pequenos e queria continuar a tradição de festas de aniversário, aprendeu a fazer salgadinhos e bolos e logo transformou o hobby em renda. Levou a sério e buscou profissionalização: registrou a empresa Bom SaborLink externo, se certificou frente ao Lebensmittel KontrolleLink externo, que é o órgão nacional de controle da comercialização de alimentos; e teve sua cozinha profissional aprovada pela inspeção sanitária suíça.
As medidas têm surtido efeito. A rede de supermercados DennerLink externo da cidade de Ulster, no cantão de Zurique, vende há oito meses pães de queijo, coxinhas, rissole de carne e bolinhas de queijo congelados Bom Sabor. Gislaine não sabe dizer a quantidade comercializada pelo supermercado, já que os números ainda são inconstantes. No entanto, no dia da entrevista da swissinfo.ch, disse estar preparando uma nova remessa de 2 mil unidades a serem entregues no Denner. Há 15 anos no mercado, Gislaine comercializa hoje até 20 mil salgadinhos por mês.
A legalização e pulverização da venda faz parte da estratégia de sair do gueto do mercado da saudade e levar produtos típicos a um público global. “Eu quero crescer e mostrar para o mundo que nossos quitutes são muito saborosos. Invisto na segurança do meu produto e trabalho em conformidade com a lei do local”, explica. Para isso, a empresária prioriza a utilização de ingredientes suíços, usando sempre queijos, frango e materiais locais. A profissionalização tem um alto custo, que é hoje seu maior obstáculo e vantagem ao mesmo tempo.
Rede de contatos entre brasileiros
A chave para entrar na rede Denner foi um contato antigo, a tão importante rede de conhecidos. “Quando se tem uma referência, fica tudo mais fácil”, conta Gislaine, que já vendia no açougue Carmelo, de Zurique. Mas a paranaense não quer parar por aí. A meta do ano é chegar a marca de 40 mil salgadinhos por mês e está trabalhando no lançamento de uma linha de pães de queijo para supermercados, em tamanhos e sabores diferentes.
Como ainda não está totalmente definido, a empresária prefere guardar segredo. Ela só revela que aposta muitas fichas no produto, que é o carro chefe por ser saboroso, leve, fácil para o cliente manipular e livre de glúten, pontos considerados importantes pelos consumidores. Quer fazer degustação em supermercados para poder apresentar à Suíça as delícias da culinária nacional. A outra parte do sucesso ela atribui ao seu incansável trabalho, que frita e assa sozinha inúmeros salgadinhos todos os dias.
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