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Destinus entra na corrida do voo hipersônico à hidrogênio

The Eiger, a proptotype in the run up to hypersonic flight
"The Eiger" - um protótipo do Destinus em voo em outubro de 2022. Destinus
Série Hidrogênio verde, Episódio 2:

Já se passaram quase 20 anos desde que o Concorde fez seu último voo comercial, encerrando a primeira era de viagens supersônicas. Uma start-up suíça faz parte de uma nova geração de pioneiros da aviação que tenta reintroduzir as viagens de alta velocidade usando hidrogênio limpo. Mas o caminho a ser percorrido é longo e caro.

A meta é ambiciosa: desenvolver uma aeronave hipersônica para 400 passageiros que possa levá-los a qualquer lugar do planeta em meio dia.

“Um voo direto de Londres a Sydney levaria quatro horas, e planejamos que isso aconteça na década de 2040”, afirma Martina Löfqvist, chefe de desenvolvimento de negócios da start-up aeroespacial Destinus.

A Destinus foi fundada em 2021 em Payerne, no oeste da Suíça, por Mikhail Kokorich, um físico, inventor e empresário nascido na Sibéria. Kokorich se mudou para a Suíça e iniciou a Destinus depois de fundar e se demitir da empresa aeroespacial Momentus nos Estados Unidos (ver o infobox).

Mikhail Kokorich points to hydrogen promotion sign
Mikhail Kokorich, diretor-executivo da Destinus, acredita que o uso do hidrogênio é a melhor alternativa para as viagens aéreas de longa distância swissinfo.ch

A Destinus juntou-se à corrida para produzir um novo tipo de avião que está programado para voar mais rápido, atingir altitudes mais elevadas e ter um impacto ambiental menor do que as aeronaves convencionais, e abriu seu próprio parque de hidrogênio para desenvolver as tecnologias necessárias para que isso aconteça. A Destinus emprega 150 pessoas em filiais espalhadas pela Europa e espera que o projeto custe 1 bilhão de francos suíços (US$ 1,1 bilhão).

Contudo, o especialista em aeroespacial Eric Tegler, escrevendo para a revista Forbes, classifica as metas da Destinus como igualmente irrealistas em relação às da concorrência. “Seu cronograma, missão principal e caminho para a lucratividade mudam a cada ano, colocando-a em uma trajetória tão hiperbólica quanto hipersônica”, escreveu ele em fevereiro.

Recentemente, visitamos o novo Destinus Hydrogen Park, com 1.200 metros quadrados, em Payerne, anunciado como “o primeiro local de testes privado na Suíça para desenvolver tecnologias de hidrogênio para transporte e energia”, a fim de avaliar o projeto e compreender os desafios para os aviões movidos a hidrogênio. Vários desses desafios – incluindo o fornecimento de hidrogênio – são descritos no vídeo abaixo.

Por que alimentar aviões hipersônicos com hidrogênio?

Na cerimônia de inauguração do parque, a Destinus exibiu seu protótipo supersônico, o Destinus-3. Ele tem 10 metros de comprimento, uma envergadura de 3,5 metros e é um híbrido entre um avião e um foguete, e decola e pousa horizontalmente de aeroportos por meio de um motor a jato alimentado por hidrogênio. A ideia é que, ao atingir uma determinada altitude e velocidade, o avião mude para um motor “ramjet”, no qual o ar superaquecido é aspirado por um duto, misturado com combustível e inflamado. Isso o acelerará para Mach 5, uma velocidade hipersônica.

Destinus-3, the latest prototype
Destinus-3, o mais recente protótipo do avião hipersônico movido à hidrogênio. Destinus

Embora a aviação comercial produza apenas 2,5% das emissões globais de gases de efeito estufa, ela tem um impacto climático significativo devido ao voo em altitudes elevadas. Muitos outros modelos de aviões hipersônicos em desenvolvimento queimam combustível como os jatos tradicionais e têm uma considerável pegada de carbono. O hidrogênio seria um combustível alternativo mais limpo porque sua combustão não emite gases de efeito estufa.

Por que o hidrogênio é crucial para a transição energética

O hidrogênio é um combustível livre de carbono e pode ser usado como bateria para armazenar energia renovável. O desafio é conseguir extraí-lo de forma lucrativa do subsolo ou produzi-lo a partir de fontes renováveis, em grandes quantidades e a um custo aceitável.

O hidrogênio também está entre os principais temas da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em Dubai (COP28Link externo – 20 de novembro a 12 de dezembro).

O artigo faz parte de uma série que explora o potencial e as limitações do hidrogênio e o papel da ciência e da indústria na busca pelo combustível verde do futuro.

Mas a criação do combustível de hidrogênio não é isenta de emissões de carbono, pois a maior parte do hidrogênio é produzida pela queima de combustíveis fósseis. Somente quando energias limpas são usadas para produzi-lo por meio da eletrólise da água é que ele pode ser chamado de hidrogênio verde – o único tipo de combustível de hidrogênio verdadeiramente livre de emissões.

Searching for hydrogen southern Switzerland.
Geólogos buscam fontes de hidrogênio natural no sul da Suíça. RTS-SWI

Como o hidrogênio pode transformar a indústria e os transportes na Suíça

Löfqvist diz que a Destinus pretende usar hidrogênio verde em seus aviões, “mas isso não está amplamente disponível no momento e é bastante caro. Assim, a curto prazo, enquanto estivermos desenvolvendo e testando sistemas, compraremos o hidrogênio que estiver facilmente disponível e a um preço mais baixo”.

O hidrogênio verde custa cerca de 24 a 28 francos suíços (US$ 27 a 31) por quilo, enquanto o hidrogênio mais barato e prontamente disponível custa cerca de 18 francos suíços (US$ 20) por quilo. O elevado custo do hidrogênio é um obstáculo considerável para os voos hipersônicos movidos a hidrogênio.

No futuro, a empresa usará hidrogênio líquido em vez de gás, porque ele pode armazenar muita energia em uma pequena quantidade de massa. No entanto, ele ocupa quatro vezes mais volume em uma aeronave do que o combustível de jato, o que representa um desafio para o design do avião.

Os principais fornecedores de hidrogênio líquido estão na França e na Alemanha, o que exige que a Destinus o transporte até a Suíça. “Mas também é possível que obtenhamos hidrogênio gasoso e depois o liquidifiquemos nós mesmos”, acrescenta Löfqvist.

Busca por “petróleo” limpo também passa pela Suíça

Martina Löfqvist, Destinus senior business development manager
A executiva Martina Löfqvist revela detalhes sobre o ambicioso programa da Destinus. swissinfo.ch

Apoio da Espanha

A Destinus está construindo outra instalação de testes perto de Madri para desenvolver seus motores e recebeu subsídios para dois projetos no valor de 26,7 milhões de euros (29,48 milhões de francos suíços) do governo espanhol para ajudar a expandir suas capacidades de propulsão a hidrogênio.

Até agora, a Destinus arrecadou cerca de 65 milhões de francos suíços (US$ 72 milhões) em financiamento, muito aquém do “bilhão de francos suíços” que a empresa diz precisar para construir um avião hipersônico comercial movido a hidrogênio.

A Destinus precisa projetar seus aviões para voar a velocidades superiores a Mach 5 (cerca de 6.116 km/h ou 3.800 mph). A aeronave terá uma forma mista de “corpo ondulado”, sem nenhuma linha divisória clara entre as asas e o seu corpo principal. Esse design pode tornar a aeronave menos estável em baixas velocidades, um desafio que a Destinus precisa superar.

Os estrondos sônicos barulhentos eram uma desvantagem para o Concorde e a Destinus também devem levá-los em consideração. O estrondo ocorre quando se voa acima da velocidade do som, em velocidades supersônicas ou hipersônicas. Durante o cruzeiro supersônico e hipersônico, a Destinus planeja voar sobre áreas despovoadas, como mares ou desertos, a fim de evitar violar as regulamentações de ruído. Os engenheiros da Destinus afirmam que seus aviões serão silenciosos o suficiente para decolar e aterrissar em aeroportos convencionais.

Concorde, the first passenger plane to fly faster than the speed of sound
O Concorde tinha uma velocidade de cruzeiro Mach de 2,02 (2.154 km/h ou 1.338 mph). Creative Commons

E, assim como no caso do Concorde, existem regras que regem as forças-g máximas que um passageiro experimenta durante a aceleração, que a Destinus terá de observar. 

Cronograma ambicioso

“O Destinus-3 voará com um motor turbojato movido a querosene pela primeira vez no final de 2024”, diz o fundador do projeto, Kokrich. “Em 2025, adicionaremos um pós-combustor movido a hidrogênio para atingir velocidades supersônicas”.

Destinus first flew this hydrocat model with hydrogen in May 2023
O Destinus voou pela primeira vez com hidrogênio usando o modelo hydrocat em maio de 2023. Destinus

O primeiro avião comercial da Destinus não será tripulado, mas Kokorich diz que eles poderiam usar os mesmos motores para construir uma aeronave para 25 pessoas. Löfqvist acrescenta: “Ele poderia voar de, digamos, Londres a Nova York em uma hora e meia. Portanto, será como o Concorde, mas um pouco mais rápido e totalmente movido a hidrogênio”.

Além disso, há o calor: o cone do nariz e as asas podem atingir temperaturas acima de 1.000 graus Celsius enquanto viajam a cinco vezes a velocidade do som. Quando esfriado para um líquido a 253 graus Celsius negativos, o hidrogênio pode ser usado para ajudar a pré-resfriar o ar para o motor e resfriar a fuselagem.

Concorrência nos EUA

A Destinus enfrenta uma forte concorrência de algumas start-ups que trabalham em voos hipersônicos. Os principais concorrentes são a Hermeus e a Boom Supersonic, nos Estados Unidos.  

A Hermeus está testando um novo tipo de motor para a Força Aérea dos Estados Unidos que, segundo ela, eventualmente atingirá a velocidade de Mach 5. Em 2022, ela anunciou uma rodada de financiamento de US$ 100 milhões (91 milhões de francos suíços) para desenvolver seu primeiro protótipo de aeronave. Sua captação de recursos é liderada pelo capitalista de risco Sam Altman, ex-CEO da OpenAI. A Hermeus funcionará com combustível de jato convencional.

O outro grande concorrente, a Boom Technology, usará combustível de aviação sustentável em seu jato Overture, mas não será capaz de igualar as velocidades almejadas pela Destinus. A Boom pretende lançar o Overture em 2026, com o primeiro voo planejado para 2027. Em novembro, a Boom anunciou que havia aumentado seu financiamento total para mais de US$ 700 milhões (631 milhões de francos suíços).

A United Airlines anunciou que comprará 15 modelos OvertureLink externo, programados para integrar a frota da United não antes de 2029.

The Overture in flight
Uma visão de futuro: o jato hipersônico Overture. Boom

Planos da Destinus viáveis?

Hansjörg Bürgi, editor-chefe da revista suíça de aviação Skynews.ch, diz que “levará anos, se não décadas, de testes antes que passageiros pagantes possam voar neles pela primeira vez, é o meu palpite”.

Especialistas em aviação concordam que muitos desafios relacionados ao armazenamento de hidrogênio, à cadeia de suprimentos e à infraestrutura precisam ser superados antes que as aeronaves movidas a hidrogênio possam tornar-se uma realidade no transporte de passageiros, um processo que, na melhor das hipóteses, levaria décadas.

Isso não impede que cientistas e empresários como Mikhail Kokorich sonhem alto. “É uma maratona e não uma corrida de velocidade”, enfatiza. “Nosso foco agora é gerar receitas para continuar financiando nossa ousada visão”.

Mikhail Kokorich, fundador da Destinus

Em 2011, Mikhail Kokorich fundou a primeira empresa espacial privada da Rússia, a Dauria. Kokorich mudou-se para os Estados Unidos em 2014 e solicitou asilo – que nunca recebeu – por causa de seu envolvimento com um movimento de oposição russo. Ele criou a Momentus, focada no desenvolvimento de espaçonaves capazes de limpar o lixo espacial. Em julho de 2021, ele e a empresa foram acusados de enganar investidores sobre sua tecnologia de propulsão e de minimizar as preocupações dos reguladores com a segurança nacional. Kokorich negou ter ocultado fatos importantes sobre seu trabalho, pediu demissão e mudou-se para a Suíça. Em 2021, ele fundou a Destinus para construir aviões hipersônicos e desenvolver tecnologias de hidrogênio.

Adaptação: Karleno Bocarro

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