Ernesto Neto traz a Amazônia para estação central de Zurique
O espírito de Gaia, a mãe terra criadora de toda a vida, é o tema da megaescultura, assinada pelo artista visual carioca Ernesto Neto, que ficará exposta na estação central de trem de Zurique durante todo o mês de julho. A obra, que tem 2000 metros quadrados de área e pesa 1,5 tonelada, abrigará encontros entre acadêmicos, artistas e representantes de comunidades indígenas de diversas regiões do planeta.
Sob a copa imponente de uma árvore de 20 metros de altura feita de tiras coloridas de algodão orgânico, os 460 mil passageiros diários da estação central de Zurique terão a chance única de mergulhar no espírito da Amazônia. “GaiaMotherTree” (ou “GaiaMãeÁrvore”, em português) é o nome da escultura gigante produzida pelo renomado artista brasileiro Ernesto Neto, que ficará em exposição na estação central de Zurique entre o dia 30 de junho e 27 de julho.
O espaço reservado à escultura, no saguão da estação central, será ainda palco de encontros entre representantes do mundo da arte, da academia e de comunidades indígenas. Eles se reúnem em workshops, debates, visitas guiadas e cerimônias de canto e dança nos dias 30 de junho e 1 de julho. (Veja aquiLink externo a programação)
O projeto “GaiaMotherTree”, orçado em aproximadamente CHF 2 milhões, é liderado pela Fundação Beyeler e considerado o maior da instituição na área de arte pública. O cantão de Zurique entrou com uma contribuição de CHF 200 mil por meio dos fundos de loteria, fundos esses que são destinados a projetos únicos de impacto cultural ou social, sem fins lucrativos, regionalmente significativos.
Para o artista brasileiro, a ideia de construir uma grande árvore, ocupando uma área de 2000 metros quadrados, que abriga um espaço interno de encontro – para reflexão e meditação –, se encaixa na linha de trabalho que vem realizando nos últimos anos. Michiko Kono, curadora adjunta da Fundação Beyeler, explica que as características da obra de Ernesto Neto se enquadram bem na proposta de criação de um espaço de arte público, em que as pessoas que circulam pela estação são convidadas a interagir com a obra, explorando os diversos sentidos.
“Arte é a espiritualidade humana sendo colocada de forma material, simbólica no mundo”
“Primeiro, quando soube da ideia do projeto, tive essa visão da mãe árvore, da árvore que representa o espírito da terra. Depois a verdade dessa visão foi se consolidando. O ar que a gente respira é trazido pelas plantas. Elas, de alguma forma, são nossas mães. Com a força da luz do sol, elas realizam a fotossíntese, transformando o gás carbônico em oxigênio, fundamental para nossa vida”, explica o artista.
A visão de mundo dos Huni Kuin
Há cerca de 5 anos, Ernesto Neto tem se conectado com os povos da floresta, principalmente a comunidade indígena Huni Kuin, também conhecida como Kaxinawá. As tribos desta etnia habitam o estado do Acre, áreas do Alto Juruá, Purus e Vale do Javari, e leste do Peru, numa área que vai do pé da Cordilheira dos Andes até a fronteira com o Brasil. Com 7535 indivíduos, os Huni Kuin são a mais numerosa população indígena do Acre, de acordo com o censo de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desse encontro, muitos frutos têm sido gerados:
“A turma da floresta tem uma ligação muito mais profunda com a natureza. Inclusive, a palavra natureza, como algo que está fora de nós, seres humanos, nem existe nessa comunidade. Eles não veem essa separação. Cada árvore ou cada planta é uma entidade, e tem um espírito. Elas são como um sobrinho, um pai, um irmão. As plantas, os rios, as montanhas são nossos parentes. Tudo isso é um grande organismo. Na terra, tudo é humano. Tudo tem espírito. Tudo tem voz. Quem sabe essa árvore na estação central de Zurique nos ajude a pensar um pouco sobre essas possibilidades!”
Ernesto explica que ao participar das cerimônias desses povos, ao conhecer sua visão de mundo, se identificou. “Muitas ideias nas quais eu acreditava, eles também acreditam, e inclusive vão muito além. Para o povo Huni Kuin, a alegria é a cura. O canto vem para trazer a alegria, para limpar as ideias negativas, e trazer o amor, a generosidade, a irmandade, a fraternidade. Eu tive uma compreensão maior das coisas a partir do momento que encontrei o povo Huni Kuin. Para mim, isso é quase tudo na vida”, afirma.
Num momento em que o planeta sofre com o aquecimento global, o desmatamento, a poluição, entre outros, e a sociedade vive um descompasso dramático, com as brutais desigualdades e injustiças sociais, o papel da arte é buscar uma conexão com o que não se vê.
“O artista é uma espécie de pajé. Ele lida com o subjetivo, com o inexplicável, com aquilo que acontece entre o céu e a terra, com o invisível. Desse lugar, consegue trazer coisas. O artista tem uma voz. A arte trabalha na nossa espiritualidade. O artista estuda de tudo um pouco, para poder sentir esse vento, essa força. O que a gente vai ter em Zurique não sou eu. Eu sou um canal. Talvez um dia a arte nem leve o nome do artista.”
O Brasil encontra a Suíça
Do encontro da arte que nasce no Brasil com o público suíço, Neto busca aquilo que une os povos: “O Brasil encontra a Suíça em nossa humanidade, no fato de sermos todos filhos de Deus, da terra, desse ar, da natureza. Essas bandeiras suíças e brasileiras são fictícias. Dentro do Brasil existem tantas bandeiras. Acredito que a Suíça também. Portanto, temos que repensar qual o sentido dessas bandeiras, o sentido dessas fronteiras. E pensar numa bandeira global, a bandeira planeta terra. Essa nossa sagrada ilha, no espaço sideral, rodando em torno do sol. Vamos nos juntar, compartilhar a vida, o amor, a alegria, dançar, rir, dar cambalhota, chorar – chorar juntos, se for necessário. Sinto que essas palavras que falo não são só minhas. Sinto que essas palavras são da terra. Tenho ouvido essas palavras em outras mentes, outras vozes, outras culturas. ”
Ernesto Neto em Basileia
Além de “GaiaMãeÁrvore”, três obras de Neto estão em exposição na Fundação Beyeler, em Basel. “Nossa ideia é mostrar um pouco o percurso artístico de Neto, apresentando obras do início de sua carreira até o momento”, explica Michiko Kono. As obras “Colonia”, de 1988, e “paff puff and the eternal infinite”, de 1998, ficam em exposição até 12 de agosto. O obra “Altar for a plant”, de 2017, que fica nos jardins da Fundação Beyeler, estará em exposição até a metade do mês de setembro.
Instalação “GaiaMotherTree”
Onde: Estação central de trem, Zurique
Quando: 30 de Junho a 27 de Julho, 2018
Entrada gratuita
Assembleia “MotherTree”
Onde: Estação central de Zurique, espaço interno da escultura
Quando: 30 de Junho e 1 de Julho 2018
Entrada gratuita
Confira a programação: https://www.fondationbeyeler.ch/fileadmin/user_upload/Ausstellungen/Ernesto_Neto/Mother_Tree_20181306.pdfLink externo
ttps://www.fondationbeyeler.ch/en/exhibitions/ernesto-neto/Link externo
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