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O cálice envenenado do crescimento na Europa

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Após uma dupla recessão e um longo período de estagnação, a zona euro está finalmente a mostrar sinais de recuperação. A confiança dos consumidores  aumenta. As vendas a retalho e o registo de automóveis novos estão em alta. A Comissão Europeia prevê um crescimento de 1,3% para o corrente anoLink externo, o que não é mau à luz dos padrões europeus, podendo, no entanto, ser muito mau no que diz respeito à reforma da Europa.

Contudo, a desvalorização do euro é ainda demasiado recente para que a diferença possa já ser sentida. Os antecedentes históricos, sem esquecer a experiência do Japão com a queda do iene, sugerem que são necessários vários trimestres, ou mesmo anos, para que o impacto positivo da depreciação da moeda sobre as exportações líquidas se faça sentir.

Barry Eichengreen é professor de Economia na Universidade da Califórnia, em Berkeley;  professor de História e Instituições na Universidade de Cambridge e ex-conselheiro sênior de políticas do Fundo Monetário Internacional. Seu mais recente livro, Hall of Mirrors:The Great Depression, the Great Recession, and the Uses – and Misuses – of HistoryLink externo, acaba de ser publicado pela Oxford University Press.

Por conseguinte, tem de haver influência de outros factores. Um deles traduz-se no facto de a despesa e o crescimento estarem agora menos sujeitos à pressão da consolidação fiscal. O saldo orçamental estrutural primárioLink externo, a medida de “carácter orçamental” favorita do Fundo Monetário Internacional, registou uma diminuição adicional de 1-1,5% do PIB ao ano entre 2010 e 2012, mantendo-se depois praticamente estável. Os dois anos seguintes de política orçamental neutra produziam uma diferença positiva em termos de desempenho económico.

Além disso, por muito lamentável que seja a aplicação desigual das regras orçamentais da UE, a recente decisão da Comissão Europeia de conceder a França mais tempo para que reduza o seu défice orçamental para 3% do PIB é bem acolhida, visto que ocorreu no contexto de uma economia fraca.

O outro factor subjacente à recuperação é o progresso significativo que vários países europeus, como Espanha, registaram em termos de reforma estrutural. A regulamentação do mercado de trabalho foi suavizada e os custos de mão-de-obra unitários registaram uma descida. Este facto está a contribuir igualmente para melhorar a competitividade da Europa.

Um terceiro elemento impulsionador da recuperação é o facto de que os bancos e os mercados financeiros se encontrarem agora melhor isolados das perturbações da Grécia. Os bancos franceses e alemães conseguiram vender as obrigações do Estado grego que detinham, sobretudo ao BCE, que que agiu na qualidade de comprador de última instância. O BCE também prometeu apoiar os mercados de obrigações dos outros países, caso se verificasse um incidente na Grécia. Por conseguinte, a recuperação da Europa corre menos risco de ser prejudicada pela instabilidade em Atenas.

O quarto e último factor é o “pulo do gato morto” (dead cat bounce – expressão inglesa que se refere a uma ligeira e breve recuperação, NdT.).

O crescimento económico cura muitas feridas. Fortalece os balanços dos bancos, reduzindo o volume do crédito mal parado. Restringe os défices orçamentais do governo, aumentando as receitas fiscais e contendo a despesa da segurança social Ao elevar o denominador do rácio dívida/PIB, aumenta a confiança na sustentabilidade da dívida. E gera estes benefícios automaticamente, não sendo necessária qualquer outra acção por parte dos responsáveis.

Infelizmente para a Europa, o crescimento também reduz a percepção em matéria de urgência de acção onde esta é mais necessária, por exemplo, na Grécia. Com o resto da Europa em crescimento, os outros governos, acreditando encontrar-se numa situação económica mais forte, estão menos inclinados a um compromisso com a Grécia. Todos compreendem que o compromisso é preferível ao colapso das negociações, ao incumprimento desordenado e à saída forçada da Grécia da zona euro. No entanto, quanto mais confiante ficar o resto da Europa em relação à sustentabilidade da sua recuperação, mais duras serão as medidas adoptadas, e maior será a probabilidade de um desfecho desordenado.

De igual modo, quanto mais a recuperação e o crescimento sustentado fortalecerem os balanços dos bancos, menos urgência irão sentir os decisores políticos em colmatar as lacunas estruturais, como as garantias implícitas de que beneficiam os bancos estatais e as caixas económicas municipais na Alemanha, bem como os problemas dos bancos geridos por famílias, como o Banco Espírito Santo em Portugal.

E mesmo um crescimento de 2% não tornará sustentáveis os rácios de três dígitos da dívida /PIB da Europa. A Europa ainda precisa de uma reestruturação da dívida, embora os líderes do continente se recusem a reconhecer este facto. A recuperação económica apenas lhes permite adiar o inevitável dia do ajuste de contas.

Finalmente, há reformas mais ambiciosas (a união orçamental e a união política) que devem complementar a união monetária caso a Europa pretenda evitar uma crise semelhante no futuro. Se há uma lição retirar da recente situação de dificuldades na Europa, é a de que a união monetária sem união orçamental e política não funciona. No entanto, tendo em conta a forte oposição face a uma maior integração orçamental e política, os progressos implicarão negociações difíceis e polémicas. Por conseguinte, o crescimento da Europa sem estas medidas irá criar um incentivo para a sua exclusão.

O problema é que simplesmente muitas das condições que geraram a crise da zona euro se mantêm inalteradas. Se a Europa crescer agora sem tomar as decisões difíceis necessárias para abordar essas condições, é provável que, de forma correspondente, tais decisões também não venham a ser tomadas.

Nos países em desenvolvimento diz-se que os bons tempos são maus momentos para a reforma económica. Bem-vindos à Europa em desenvolvimento.

Ponto de vista

A nova série da swissinfo.ch acolhe doravante contribuições exteriores escolhidas. Tratam-se de textos de especialistas, observadores privilegiados, a fim de apresentar pontos de vista originais sobre a Suíça ou sobre uma problemática que interessa à Suíça. A intenção é enriquecer o debate de ideias.

As opiniões expressas nesses artigos são da exclusiva responsabilidade dos autores e não refletem necessáriamente a opinião de swissinfo.ch.



Tradução: Teresa Bettencourt

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