Quando o grilo pula… na mesa
Alimentos à base de farinha de grilo Acheta domesticus acabaram de chegar no mercado europeu e, consequentemente, também no mercado suíço. Até agora, porém, o mercado de alimentos à base de insetos não decolou na Suíça.
No final de janeiro, alimentos à base de farinha de grilo chegaram às mesas da União Europeia. Não, não foi um erro de fabricação nem uma nova tendência culinária. A farinha de grilo doméstico (nome científico Acheta domesticus) desengordurado pode ser encontrada em pães, massas, barras energéticas e até mesmo em biscoitos. Mas nada de pânico: ela não substituirá as farinhas clássicas.
Trata-se de um setor novo, que atualmente está submetido a controles rigorosos: até agora, a única empresa autorizada a produzir esse tipo de farinha para a UE é a vietnamita Cricket One Co. Ltd.
Na Itália, há controvérsia: “Neste governo não haverá espaço para carne sintética e farinha de grilo. Nosso objetivo é defender os cidadãos da degeneração que é a ideia de que basta se alimentar, independentemente de onde e como os alimentos são produzidos. Não podemos aceitar isso”, declarou o ministro italiano da Agricultura e Soberania Alimentar, Francesco Lollobrigida (Fratelli d’Italia).
Na Suíça, faz vários anos que os insetos chegaram ao mercado (a Confederação foi um dos primeiros países da Europa a comercializá-los): sua venda foi autorizada em 2016 e os dois maiores distribuidores suíços começaram a vendê-los em 2017 (Coop) e 2018 (Migros). Nas prateleiras, é possível encontrar larvas-da-farinha, grilos e gafanhotos que “devem vir de criadouros que atendem aos rigorosos padrões de higiene exigidos pela legislação suíça e que, além disso, devem ter sido inspecionados pelas autoridades competentes no país exportador”, diz o site do Escritório Federal de Segurança Alimentar e Assuntos Veterinários (OSAV).
“Não estamos prontos”
Uma novidade pela qual os consumidores, no entanto, não demonstraram muito interesse, tanto que a Migros decidiu desistir desse nicho de mercado pequeno demais para ser interessante e tirou os insetos de suas prateleiras em 2021. Uma vez que “o impacto da novidade desapareceu, as vendas diminuíram rapidamente”, explica um dos porta-vozes da Migros, Tristan Cerf. Ainda é possível encontrar os produtos da Coop, mas não sabemos qual a sua popularidade: Caspar Frey, responsável pela comunicação da Coop com a mídia, escreve: “Em geral, não comunicamos os números de vendas de produtos individuais”. A demanda por produtos alimentícios à base de insetos, acrescenta ele, “é estável e o retorno dos clientes é positivo. Trata-se, todavia, de produtos de nicho. Desde seu lançamento, temos constantemente ampliado sua variedade e os adaptamos às necessidades dos clientes”.
Já no momento em que apareceram nas prateleiras das lojas, havia quem não estivesse convencido de que os insetos tinham um lugar na cozinha. Em 2017, o chef Andrea Vertarini declarou aos microfones da Rádio e Televisão Suíça italiana (RSI)Link externo: “Eles certamente terão um futuro na cozinha, mas não de imediato. Levará tempo para que entrem em nossa mentalidade. É uma discussão que teremos por muitos anos”. Uma situação que também é confirmada pela Migros: “Embora o potencial desses alimentos seja muito grande, eles não fazem parte da cultura alimentar suíça”, escreve Cerf, porta-voz da empresa. No momento não há planos para uma mudança de rumo: “Seguimos atentamente o mercado e as tendências alimentares e estamos constantemente desenvolvendo produtos que atendam às expectativas de nossos clientes. Observamos que os alimentos sustentáveis – e particularmente os produtos orgânicos e vegetais – são mais procurados”. E, justamente por causa dessa tendência, a Migros está expandindo cada vez mais a oferta de produtos vegetarianos e sobretudo veganos. Para estes últimos, a empresa criou uma marca especial “que atualmente goza de grande popularidade”.
Resumindo, há pouco espaço na mesa para o que os americanos chamam de “Creepy crawlers” (“rastejadores arrepiantes”). Aqueles em viagem talvez aceitem provar um escorpião frito comprado nas ruas de Bangkok, comer um gafanhoto temperado com suco de limão e pimenta para acompanhar uma tequila ou um mezcal bebido nas praias de Acapulco, ou ainda fazer uma força e experimentar, à sombra da Grande Muralha da China, carnudos bichos-da-seda fritos ou cozidos. Mas comê-los em casa, regularmente, (ainda) não é para nós. Trata-se, no entanto, apenas de uma questão de perspectiva: não é tão diferente de comer camarões, vôngoles ou ostras. Há quem torça o nariz ao descobrir que os franceses e italianos (mas não somente eles) comem escargot ou que as pessoas mais ricas do planeta, além das ostras acima mencionadas, são loucas por caviar. Aqueles que comem coelho olham com desconfiança para as populações que comem porquinho-da-índia, mas… onde está a diferença? Ambos são considerados animais de estimação por algumas pessoas.
Menos carne, mais grilos?
Mas voltemos ao tema dos insetos e da farinha de grilo. Por que ela é utilizada? O que há de especial nela? A farinha de Acheta domesticus parcialmente desengordurado contém uma quantidade mínima de gordura, ao mesmo tempo em que é muito rica em proteínas (60-70%), cálcio, vitamina B12, fósforo e ferro. Ela é, portanto, considerando as características citadas acima, uma excelente substituta para a carne, cujo consumo cada vez maior ao redor do mundo representa uma ameaça climática. A sua produção, todavia, tem um custo elevado: ainda é um produto com pouca demanda e somente sua produção e comercialização em massa será capaz de diminuir esses custos. No mercado da UE, encontram-se pães, bolachas, barras de cereais, misturas para panificação, biscoitos, massas, pizzas e sopas com farinha de grilo na composição. Mas nada de pânico: ninguém vai comer farinha de grilo sem saber. Sua presença será claramente indicada na embalagem e escrita em negrito na lista de ingredientes. Até porque não devemos esquecer que se trata de um alergênico que, enquanto tal, pode causar reações que vão desde “simples” erupções cutâneas até problemas respiratórios ou intestinais mais graves. Não se trata, portanto, de um substituto para a farinha.
Os curiosos e curiosas também poderão provar esses alimentos na Suíça porque, como o OSAV nos informa, “o pó de grilo doméstico parcialmente desengordurado foi autorizado para colocação no mercado e para consumo humano na UE e, portanto, também é automaticamente autorizado na Suíça. Ele está incluído na lista de novos alimentos da UELink externo”. Os novos alimentos (“novel foods”, em inglês) são regulamentados pela portaria do Departamento Federal de Assuntos Internos sobre Novos AlimentosLink externo, cujo anexo define as regras em vigor para grilos, larvas e gafanhotos, mas também – surpreendentemente, dado seu uso agora difundido – para sementes de chia.
Resta agora ver se na forma de farinha eles serão mais facilmente aceitos e se tornarão parte integrante de nossa alimentação. Não ver o inseto em sua forma original provavelmente ajudará.
Adaptação: Clarice Dominguez
Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Participe da discussão