Como surge uma multinacional suíça dos calçados
Encontrar Casper Coppetti é mais fácil durante uma caminhada ao longo do rio Limmat, em Zurique, em trilhas nas montanhas ou em um avião voando para São Paulo ou Tóquio. O cofundador da marca suíça de calçados "On", a que mais cresce no país, está sempre em movimento, preocupado em manter o ritmo em um mercado altamente competitivo.
Na entrada da empresa não há um balcão de recepção ou balanços anuais exibidos na prateleira. Quando o visitante chega na sede da On em Zurique vê no fundo do amplo escritório toalhas penduradas em armários de aço. Elas fazem o espaço parecer mais um vestiário do que uma empresa global em rápido crescimento.
O funcionário não precisa ser um corredor para trabalhar na empresa, mas é preciso se esforçar para participar dos encontros com clientes ou discussões com a gerência durante corridas ao longo do rio Limmat ou passeios de bicicleta na colina vizinha.
Desde que foi fundada, essa startup de Zurique agitou o mercado em uma indústria que, até então, era dominada por grandes multinacionais como Nike, Adidas e Asics.
Embora a On tenha perdido seu caráter de startup nos últimos sete anos, Coppetti considera a denominação de “multinacional” para a sua empresa uma má escolha. “Somos uma multinacional no bom sentido do termo”, rebate.
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Mais de 48 diferentes nacionalidades trabalham na empresa. A On tem filiais em países como Estados Unidos, Brasil, Japão, Austrália e Alemanha. Recentemente inaugurou uma na China. Por isso não é completamente incorreto denomina-la multinacional. Mas Coppetti ressalta que o principal esforço é trabalhar de uma forma diferente de outras multinacionais dos calçados: a On quer estar mais focada na qualidade dos produtos, em conhecer seus fornecedores e também em suas raízes suíças.
Quem são?
A On foi fundada em Zurique em 2010 por três amigos – Casper Coppetti, David Allemann e Olivier Bernhard.
Empregados: 400. Em comparação, o fabricante americano Nike tem 76.700 funcionários e o fabricante alemão Adidas, aproximadamente 57 mil.
Sede: Zurique. Seis filiais espalhadas pelo globo.
Crescimento: a On começou fabricando calçados no segmento de luxo, voltado à corredores. Porém seus produtos se tornaram populares entre um público que vai de jovens apegados à moda até atletas amadores de idades avançadas. Embora não seja ainda muito conhecida fora da Europa, seus calçados são vendidos em quatro mil lojas em 50 países no mundo.
Hoje a empresa domina 40% do mercado de calçados para corrida na Suíça e 10% na Alemanha. A On não fornece dados sobre o balanço financeiro, mas afirma que dobra as receitas a cada ano. O preço médio de um par de sapatos fica na faixa de 190 a 270 francos (US$ 195 e 278). A estratégia de crescimento da empresa é manter-se no segmento de luxo.
Raízes suíças
A Suíça não tem uma grande tradição em fabricar calçados de corrida. Porém Coppetti e seus parceiros de negócio – Olivier Bernhard e David Allemann – sabiam que estavam na direção certa quando, em 2010, patentearam uma tecnologia de amortecimento desenvolvida na Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH), um dos centros de pesquisa e ensino mais renomados da Europa.
O caráter suíço da empresa, ou “Swissness”, se tornou uma das marcas registradas da empresa. Cada um dos pares tem uma pequena bandeira vermelha com a cruz branca, uma garantia de qualidade e performance, explica Coppetti. Cada modelo é testado nas montanhas da região de Engadina, nos Alpes ao leste da Suíça, onde a companhia recentemente construiu uma cabana de montanha que produz zero resíduos, como sinal de reconhecimento à herança helvética.
Apesar do ambiente internacional, o estilo de conduzir os negócios em bastante suíço. A empresa não tem um presidente ou um fundador único. Ao contrário, são três fundadores profundamente envolvidos nas tarefas diárias.
A tomada de decisões é construída de baixo para cima, inspirado nos princípios da democracia direta na Suíça. Coppetti cresceu em uma parte do país, onde as pessoas votam levantando as mãos e qualquer eleitor ordinário pode solicitar mudanças nas leis. Ele explica que os funcionários na On são encorajados a compartilhar ideias e soluções, independentemente da posição que ocupam, sejam estagiários ou os próprios fundadores.
A localização na Suíça também traz suas desvantagens. As restrições de trabalho para estrangeiros sem passaportes de países da União Europeia (UE) se tornou um obstáculo para a empresa, revela Coppetti. A On tem mais de 60 vagas de emprego anunciadas no seu site. O empresário prevê que o número de empregados na sede em Zurique se quadruplicará nos próximos anos, quando irá se mudar para um novo escritório, com um espaço de 1.100 metros quadrados. Mas preencher essas vagas não será fácil, pois existem quotas de quantos funcionários sem passaportes de países da UE podem emigrar à Suíça.
“As leis atuais são uma desgraça e vergonha. Elas vão na direção absolutamente errada”, argumenta Coppetti. A empresa tem dificuldade até para obter vistos para o pessoal em nível de gerência que vêm dos Estados Unidos e precisam trabalhar em Zurique, conta.
Acelerando o ritmo
As multinacionais dos calçados têm um problema de má reputação, o que a On gostaria de evitar. Nos anos 1990, a exploração de mão-de-obra infantil e más condições de trabalho nas fábricas de sapatos colocaram em evidência as questões ligadas à transferência da produção para países mais baratos na Ásia e empresas de manufatura contratadas para pedidos de grandes lotes.
A Nike, em particular, sofreu fortes arranhões na sua imagem que levaram a uma reestruturação do sistema de monitoramento nas fábricas com o objetivo de melhorar as condições de trabalho. Em sequência, ela e outras grandes empresas do mercado de calçados esportivos se esforçam em melhorar a transparência e diminuir o número de fornecedores.
A medida que a On cresce, também enfrenta os mesmos problemas decorrentes da produção de larga escala, assim como outras multinacionais. Porém aproveita do conforto de poder aprender com os erros dos concorrentes.
A On admite que seus produtos “não foram fabricados na Suíça”, apesar de Coppetti não descartar completamente a possibilidade de iniciar uma produção futura no país. Como outras empresas no setor, o fabricante suíço também necessita de parceiros externos para a produção. Em grande parte, estão baseados no Vietnã, onde a On trabalha com três empresas.
Annabel Meurs supervisiona o mercado no Vietnã para a fundação FairWear. Ela afirma que uma marca precisa conhecer a fundo todas as fábricas onde os calçados são produzidos e os passos necessários para a finalização dos produtos. É uma forma de garantir que a fabricação ocorre sob condições justas e responsáveis.
Coppetti afirma que sua empresa se esforça em construir relacionamentos de longo prazo com cada um dos fornecedores. Na site fornece perfis de todos eles, dando aos clientes informações de base sobre onde e como os calçados são fabricados.
Sapato sustentável
A indústria de calçados é uma fonte considerável de resíduos e emissões de carbono. A maior parte dos produtos é fabricado com materiais à base de petróleo. Milhões de pares são jogados no lixo todos os anos.
“Sustentabilidade é um dos critérios que adotamos em tudo que fazemos”, reforça Coppetti. “Sempre que um funcionário toma uma decisão, seja do local de almoço, o design do produto ou a organização de um evento: ele considerará o impacto sobre o meio-ambiente”. O empresário sabe que essa é uma demanda importante dos clientes. “São em grande parte jovens, com um nível elevado de educação. Eles sabem que não é possível crescer às custas do planeta.”
A empresa planeja capitalizar o que Coppetti define como o “momento da cerveja artesanal”. Nele os consumidores se interessam em saber mais sobre o produto que compram e onde é fabricado.
É uma batalha difícil para a indústria dos calçados como um todo: o plano da Adidas de produzir 11 milhões de pares de sapatos de plástico reciclado até 2020 é apenas uma gota no oceano. É um mercado que deve movimentar 60 bilhões de dólares até 2026, em comparação com os 38 bilhões de dólares em 2017.
O empresário suíço afirma que a marca On é líder na utilização de recursos renováveis. Um de seus produtos é fabricado com Pebax®, um material patenteado, comumente utilizado em botas de esqui, e fabricado em grande parte de fibras vegetais. Mas Coppetti admite que ainda há trabalho a fazer até alcançar a sustentabilidade total dos produtos, particularmente no que diz respeito a materiais e resíduos, uma vez que seus sapatos ainda são “80-100% à base de petróleo”.
É uma das muitas questões que a empresa enfrenta à medida que cresce. “Estamos crescendo tão rápido que constantemente nos deparamos com perguntas para as quais ainda não temos as respostas”, afirma Sofia Cubillos, funcionária da On. “Não há um manual de como fazer as coisas. Temos de o descobrir ao longo do caminho”.
Série “Por dentro das multinacionais”: como é trabalhar numa empresa global?
Multinacionais desempenham um papel importante na economia suíça, mas para muitas pessoas, as empresas podem parecer ilhas de edifícios de concreto ou campi cheios de trabalhadores estrangeiros. Esta série tem como objetivo explorar o ambiente de trabalho nessas empresas e levantar os problemas enfrentados por seus funcionários.
Adaptação: Alexander Thoele
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