Suíça luta pelo reconhecimento da nacionalidade
Cate Riley, filha de pais suíços, foi adotada por uma família australiana na década de 1970. Agora a australiana quer ser legalmente reconhecida como suíça.
Com roupas grossas e pesadas, dois adolescentes estão com seu pai no pátio da estação de trem da Basiléia. A mãe deles vem descendo a escada rolante. Ela acena. É Cate Riley, que radiante atravessa o salão, apesar das temperaturas geladas.
Deve ser um choque de temperatura para a família, que veio diretamente do verão australiano. Eles fizeram uma viagem aérea de 17 mil quilômetros. “Tivemos que comprar jaquetas e sapatos novos. Nunca precisamos de nada parecido em casa”, comenta.
Riley é australiana, mas suas raízes estão na Suíça. Com esta viagem à Europa, ela está seguindo o rastro de seus pais. Ao mesmo tempo, é também uma missão para obter a cidadania suíça. E agora quer se tornar o que – estritamente falando – é desde o nascimento: suíça. Mas este empreendimento não é tão simples assim.
Riley, seu marido Rob, e seus dois filhos Ginny e Oscar, embarcam no trem da Basiléia para Delémont, a capital do cantão do Jura, lugar de origem do pai dela. “Ele passou muito tempo de sua juventude aqui”, conta.
Nascida Margrith
Riley foi adotada. Ela nasceu em 5 de setembro de 1970, em Sydney, com o nome de Margrith. Numa época em que as adoções estavam em seu apogeu na Austrália, – foram mais de dez mil em 1970 – as autoridades estavam incitando as mulheres solteiras a darem seus bebês para adoção. A sociedade negou-lhes a capacidade de cuidar de seus filhos por conta própria.
A mãe biológica, uma suíça que vivia sozinha na Austrália, não teve outra escolha senão desistir de sua filha – o resultado de um relacionamento curto. “Naquela época, esperava-se que essas mães esquecessem seus filhos, e continuassem a vida como se nada tivesse acontecido”, diz Riley.
Com um mês de idade, ela foi morar com seus pais adotivos, que viviam no aglomerado de Sydney, e a batizaram com o nome inglês de Catherine Nicole. “Fiquei no hospital por um mês inteiro até que foram encontrados pais que “combinaram” com um bebê ruivo.” Ela cresceu com um irmão nove anos mais velho, filho biológico de seus pais adotivos.
Riley frequentou a escola com crianças que, como ela, foram adotadas. “Não se falava sobre isso, mas nos uniu.” Ela também era provocada na escola, por ter sido adotada. Mesmo assim teve uma boa infância. No entanto, a ideia de saber de onde ela veio nunca a abandonou. “Faltava-me uma proximidade natural entre mim e minha família adotiva”, diz Riley. Ela ansiava por uma conexão mais profunda.
Ao mesmo tempo, houve – e ainda há – o conflito interior de permanecer leal a seus pais adotivos. Ela não queria magoá-los com sua curiosidade. Mas esta curiosidade sempre foi despertada com insinuações. Por exemplo, com presentes – como um relógio cuco – de parentes, por ocasião de seu aniversário. Eram objetos que vinham da Europa, como a própria Riley. Sim, porque isso nunca foi um segredo: seus pais biológicos não eram australianos.
Em busca da mãe biológica
Mesmo que Riley quisesse saber mais na época, não era possível ver registros de adoção na Austrália, até o ano de 1991. Foi a era das adoções secretas. No início dos anos 1990 esta lei mudou e, aos 21 anos de idade, ela finalmente teve acesso a seus registros. “O fato de eu ser suíça foi completamente inesperado”, diz Riley hoje.
Tudo isso aconteceu em um tempo em que não era possível conhecer um país e seu povo com apenas um ou dois cliques na Internet. Portanto, a primeira coisa que Riley fez foi entrar em contato com o Escritório Nacional de Turismo da Suíça, para saber mais sobre o país alpino. “Na época, eu nem sabia onde a Suíça estava localizada.”
Encontrar sua mãe biológica foi uma odisseia. “Procurei em listas telefônicas, em bibliotecas e com as autoridades”, recorda. Mas ninguém na Austrália tinha um nome como sua mãe. “Eu perdi a esperança algumas vezes.”
Um dia, a pesquisa de Riley na Austrália revelou uma mulher com o mesmo sobrenome que sua mãe biológica. “Escrevi-lhe uma carta perguntando se ela conhecia minha mãe.” Acontece que a mulher contatada era a irmã gêmea de sua mãe. “Minha tia passou a carta para minha mãe.”
Após cinco anos de busca, Riley finalmente encontrou sua mãe biológica. Seguiram-se semanas de correspondência, até que ela, já com 25 anos, voou para Brisbane, onde sua mãe morava com suas duas filhas e o marido australiano.
Arte no sangue
“Minha mãe ficou muito feliz e grata quando eu voltei para sua vida”, afirma. Margie, como Riley chama sua mãe biológica, sempre havia pensado nela, mas suas mãos estavam atadas. Ela não estava autorizada a procurá-la.
Crescendo com pais adotivos que não tinham afinidades com arte, Riley teve que lutar para poder estudar design gráfico. Conhecer seus pais biológicos a reforçou em sua escolha de carreira. Seu pai e sua mãe eram desenhistas, seu avô um artista. “De repente ficou claro de onde eu tenho o dom musical e artístico.”
Disputa jurídica
A viagem continua até Courfaivre, onde o pai de Riley cresceu. Ela quer encontrar a casa onde ele morava. Mas, à distância, ele não passou as coordenadas certas para que ela encontrasse o local. Ele parecia não estar consciente do significado emocional desta visita.
Em vão, a família faz uma peregrinação através do povoado coberto de neve. Na padaria ninguém pôde ajudá-los. Congelados, a família embarca no trem para St. Ursanne, antes de voltar à Basiléia.
Mesmo não tendo encontrado a casa, seus esforços para obter a cidadania suíça não deveriam ser em vão. Dois dias após a viagem para o Jura, Riley está sentada com seu marido Rob em um escritório de advocacia em Zurique.
Foi em uma das muitas reuniões de sua família suíça, que a prima de Riley disse: “Suas meias-irmãs, que são apenas meio suíças, têm um passaporte suíço, então você também tem direito a ele.” Isto desencadeou algo nela, que permaneceu em seus pensamentos por quase duas décadas.
Ela fez pesquisas, perguntou no consulado e em municípios suíços. Ou ela era transferida para outras repartições ou recebia rejeições. “No início eu pensei, ok, então não é possível.” Mas ao longo dos anos ela sentiu uma profunda injustiça. “Afinal, eu sou suíça, não tive meu sangue trocado com a adoção.”
“O caso de Cate Riley é complexo”, diz Marad Widmer, seu advogado. Ele vê uma chance, mas não pode dar uma garantia de sucesso.
Nacionalidade cancelada aos 25
Legalmente, uma criança nascida no exterior em que um dos pais é suíço ou suíça, e que tem outra nacionalidade, perde automaticamente seu passaporte suíço aos 25 anos de idadeLink externo.
A menos que tenha se registrado junto a uma autoridade suíça, ou declarado por escrito que deseja manter a nacionalidade suíça. Se a cidadania suíça é confiscada, acontece o mesmo para com as crianças.
Outra maneira possível seria anular a adoção. Mas Riley não quer fazer isso, porque os danos para sua família seriam muito grandes.
Mas foi precisamente esta adoção que cortou os laços legais com a Suíça. Por sorte, pode ser que – como exigido pela antiga lei de cidadania – por ela ter se registrado no escritório de turismo no período de um ano após saber que era suíça, isso possa lhe valer como um trunfo. Isto foi anexado ao processo no consulado suíço.
Riley agora tem esperança. Após anos de pesquisa ela encontrou, em seu advogado, alguém que a apoia em sua missão de obter a cidadania suíça. Uma missão que também deveria devolvê-la um pedaço da identidade, que ela perdeu quando foi adotada.
Direito de conhecer o próprio parentesco
Na Suíça, só foi oficialmente possível obter informações sobre os detalhes pessoais dos pais biológicos com a revisão da ZGB em 2001, escreve a ONG Pflege- und Adoptivkinder Schweiz (Foster and Adoptive Children Switzerland) a pedido.
Naquela época, os requisitos da Convenção de Haia sobre Adoção foram implementados. Um novo artigo do Código Civil também foi incluído na época, ancorando o direito de conhecer a própria filiação na lei.
Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos
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