Como o blockchain pode afetar em breve a vida cotidiana
Seria 2017 o ano do blockchain, quando o sistema de transações digitais se liberta dos “geeks”, entusiastas da moeda digital e acadêmicos para causar impacto em famílias comuns?
Este conteúdo foi publicado em
8 minutos
Quando não cobre fintech, criptomoedas, blockchain, bancos e comércio, o editor de negócios da swissinfo.ch pode ser encontrado jogando críquete em vários locais na Suíça, inclusive na região de St. Moritz.
O blockchain (protocolo de confiança) é um banco eletrônico em grande escala, subtraído do banco físico e de outros intermediários que cobram taxas para fazerem pagamentos. É um quadro de resultados (scorecard) digital de pagamentos, contratos, propriedade, registros de saúde – de fato, qualquer dado de valor econômico. Promete colocar indivíduos no controle de suas próprias informações pessoais, mantendo-os a salvo de exploração ou fraude.
Aqui estão cinco empresas suíças que desenvolvem serviços de blockchain que poderão ter um impacto em nossas vidas diárias dentro em breve.
Registros de saúde
Todo mundo tem registros médicos e muitas pessoas estão adicionando informações de saúde personalizadas através de wearables (tecnologias vestíveis) e aplicativos que medem tudo, desde a sua frequência cardíaca, os níveis de açúcar no sangue até quantos passos você dá a cada dia. Mas como fazer essa montanha de dados trabalhar para você ao invés das empresas que ganham dinheiro ao distribuir isso para os anunciantes e a indústria da saúde?
A HealthbankLink externo – “primeira plataforma de armazenamento de dados médicos de propriedade do cidadão no mundo” – diz ter a resposta. Esta cooperativa permite que as pessoas armazenem seus dados em uma zona segura que apenas elas conseguem acessar. Os usuários podem posteriormente optar por ganhar dinheiro com os seus dados conectando-se através da plataforma com projetos de pesquisa médica, serviços de prescrição on-line e outros empreendimentos comerciais.
Reto Schegg, CEO da Healthbank, vê um grande potencial para a implementação do serviço em blockchain, embora ainda esteja sendo executado em uma plataforma centralizada. Ele está particularmente entusiasmado com a adequação do blockchain para contratos digitais inteligentes, quando os usuários desejam, por exemplo, contratar um seguro de saúde. Schegg acredita que seria também concebível ver uma nova moeda digital voltada especificamente para o mercado da saúde no futuro.
Portanto, a Healthbank está explorando ativamente opções para tirar proveito do blockchain – um sistema feito sob medida para esses avanços tecnológicos.
Contratos legais
De acordo com Antoine Verdon, muitas empresas e indivíduos estão desperdiçando dinheiro solicitando a advogados caros que elaborem documentos legais simples. Ele é o co-fundador da plataforma LegalHubLink externo, que oferece conselhos e ferramentas que as pessoas precisam para elaborar os seus próprios contratos, a um custo reduzido.
O serviço inclui contratos inteligentes, documentos digitais legais que são elaborados, armazenados e executados online. É aí que entra o blockchain – não apenas para distribuição ou armazenamento, mas principalmente para a segurança.
Cada parte dos dados, incluindo os contratos inteligentes, que são codificados e depositados em blockchain também são transcritos em um registro. Se alguém adulterar o contrato ou tentar duplicá-lo sem autorização, o sistema notará, e assim acontecerá com os seus usuários. Ao registrar o número exato de unidades monetárias que são adicionadas a cada registro, torna-se impossível copiá-las sem chamar a atenção. Por essa razão, o blockchain é tão adequado para lidar com as unidades monetárias.
Verdon acredita que logo será uma prática normal para as pessoas elaborar seus próprios contratos inteligentes ao alugar um apartamento. Da mesma forma, também será possível para os locatários recuperar automaticamente seus depósitos, uma vez que cumpram os termos do contrato na entrega, tudo isso sem a necessidade dos bancos.
Votação eletrônica
No blockchain, os votos podem ser “transacionados” tão facilmente quanto as moedas digitais, como um bitcoin. Cada eleitor obtém uma identidade digital, junta-se à rede e registra a sua opção preferida em uma eleição ou referendo. Esse voto é gravado e adicionado a uma cadeia de blocos no sistema.
A votação pode ser feita em um smartphone ou outro dispositivo, facilitando o registro de votos a qualquer momento e em qualquer lugar do mundo, desde que você tenha uma assinatura digital autorizada. Então, não há mais filas para a urna na escola local com um pedaço de papel escrito ou a necessidade de ir à praça da cidade levantar as mãos.
A start-up suíça ProcivisLink externo promete fornecer um link essencial em qualquer futuro sistema de votação eletrônica blockchain. Ela é uma plataforma que controla e gerencia identidades digitais – uma passagem segura que permite que os eleitores registrados entrem no sistema de votação eletrônica, evitando fraudes. Até agora, a votação eletrônica suíça está em seus primórdios, em uma fase amplamente experimental.
O fundador da Procivis, Daniel Gasteiger, acredita que assim que o governo estabelecer um sistema nacional de identidade eletrônica, sua plataforma estará bem colocada para oferecer uma grande variedade de serviços de blockchain, desde o voto eletrônico até o pagamento de taxas de estacionamento, sem ter que se encontrar o troco exato para um parquímetro.
Logística/Inspeção
A qualidade “inviolável” do blockchain também chamou a atenção da start-up ModumLink externo, que juntamente com a Universidade de Zurique criou um sistema para garantir a entrega segura de medicamentos.
Os medicamentos geralmente precisam ser transportados sob condições específicas de temperatura, umidade e luz para garantir que cheguem em perfeitas condições ao serem utilizados em procedimentos médicos. Os sensores desenvolvidos pela Modum podem aferir constantemente estas condições ambientais nos lotes durante o seu transporte.
Existem inúmeros sistemas de monitoramento ambiental no mercado, mas esta start-up se diferencia por utilizar o blockchain no armazenamento dos dados coletados durante o transporte, garantindo que a carga seja entregue no tempo exato e para a pessoa certa. De acordo com Marc Degen, da Modum, atualmente as cargas podem passar por muitas mãos até o seu destinatário final, envolvendo muita burocracia e sofrendo, eventualmente, adulterações.
Com o blockchain coletam-se dados sobre todas e quaisquer alterações com mais facilidade, identificando em qual ponto uma carga foi danificada, afirma Degen. Esta tecnologia permite também aplicar contratos inteligentes de forma automatizada, tais como realizar pagamentos ou acionar o seguro.
Jogos Eletrônicos e Aplicativos
A EverdreamSoftLink externo, empresa especializada no desenvolvimento de jogos e aplicativos para celulares com sede em Genebra, criou o “Projeto ORB”, acrônimo de “Ownership Revolution of the Blockchain” (Revolução da Propriedade de Blockchain). Em sua plataforma, os jogadores receberão uma carteira fictícia que permitirá a troca de moedas digitais BitCrystal para serem usadas em jogos como “Spells of Genesis”, anunciado como “o primeiro aplicativo para celular baseado em blockchain”.
Os jogadores devem negociar ou comprar cartas contendo ativos que servirão para “proteger a região de Askian no mundo de Moonga contra a pilhagem de monstros”. Já lançado em sua versão teste, Spells of Genesis logo dará aos jogadores a oportunidade de negociar moeda digital via blockchain.
A EverdreamSoft diz que este jogo é “pioneiro no ‘direito de propriedade’ de ativos digitais” e uma plataforma que permitirá que “mais desenvolvedores de jogos e aplicativos para celulares acreditem na tecnologia blockchain e se abram para a nova era desta indústria”.
Adaptação: Renata Bitar
Mais lidos
Mostrar mais
Política exterior
Homens ucranianos enfrentam dilemas diários na Suíça
Como evitar que a inteligência artificial seja monopolizada?
Como evitar o monopólio da IA? Com o potencial de resolver grandes problemas globais, há risco de países ricos e gigantes da tecnologia concentrarem esses benefícios. Democratizar o acesso é possível?
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.
Consulte Mais informação
Mostrar mais
Em democracia digital, a Suíça é um país subdesenvolvido
Este conteúdo foi publicado em
Como "campeã do mundo da democracia direta", a Suíça poderia dar exemplo de como utilizar os meios eletrônicos para reforçar a participação política do cidadão.
Medicina personalizada: um projeto prometedor do banco biológico
Este conteúdo foi publicado em
Os tratamentos médicos atuais são baseados em valores médios da população suíça. Todavia eles muitas vezes não são efetivos. Uma das razões é que a constituição genética de cada pessoa pode diferir bastante. O banco biológico de Lausanne foi criado com o objetivo de adequar os cuidados de saúde às características genéticas especificas de cada…
Este conteúdo foi publicado em
Robôs operários, inteligência artificial, carros autônomos, crowd-sourcing, crowd-funding, blockchain (também conhecido como “o protocolo da confiança”), bitcoin, geladeiras inteligentes (smart fridges), MOOCs, e-books, drones, smartphones – os derivados da digitalização são claros a partir do grande número de novos termos integrados à língua. Dificilmente se passa um dia sem um artigo dissecando o glorioso (ou…
Suíços super-ricos querem uma fatia do boom da criptomoeda
Este conteúdo foi publicado em
“Existe apenas um tipo de investidor em moeda digital (criptomoeda): o que quer que os outros comprem cada vez mais”, diz Niklas Nikolajsen, fundador da Bitcoin Suisse para swissinfo.ch. Casas de câmbio da cidade de Zug, corretoras e serviços de consultoria estabelecidos desde 2013 viram a demanda explodir nos últimos 12 meses. “A maioria dos…
Este conteúdo foi publicado em
A moeda virtual bitcoin pode ter sido vítima da volatilidade, mas a Suíça tornou-se um terreno fértil para companhias startup que apostam em um futuro digital e diferente para a moeda. As atividades recentes do franco suíço apenas acrescentaram mais lenha à fogueira.
Quando o Banco Nacional Suíço (SNB) decidiu abandonar a taxa de câmbio fixa sobre o franco suíço, provocando uma forte valorização da moeda, os fãs do bitcoin declararam na internet já ter alertado para o perigo dessa flutuação. Enquanto a mídia tradicional declarou a morte da moeda virtual após a queda de 400% do seu valor depois do pico em novembro de 2013 e destacado uma série de escândalos envolvendo a tecnologia, a comunidade que apoia a moeda digital - ou "criptomoeda" - viu a decisão do SNB como a confirmação da crença que um sistema monetário decentralizado é o caminho ao futuro.
O sul-africano Johann Gevers criou na Suíça, onde reside hoje, uma empresa que batizou com o nome "Monetas". Ele declara ter ficado "muito feliz" ao acompanhar a decisão do SNB para enfrentar uma situação vista por ele como insustentável. Ela exporia as falhas de um sistema em que poucas pessoas ditam as regras em um banco central, "uma grande contradição" à filosofia do seu próprio negócio, ou seja, dar aos cidadãos o controle sobre suas vidas financeiras.
Monetas, em poucas palavras, é um sistema global de pagamento que permite a transferência de qualquer moeda ou commodity para qualquer parte do mundo através um aplicativo de celular, sem uma autoridade central para controlar a transação. Para fazê-lo, o empresário apoia-se na tecnologia de base do bitcoin para transações. Seu principal objetivo é o que Gevers denomina como "democratização das finanças" além das fronteiras e moedas.
Ao longo dos últimos anos, Gevers tem trabalhado para trazer pessoas que compartilham suas ideias à Zug, cantão ao sul de Zurique. Objetivo: estabelecer uma plataforma intitulada por ele de "Vale Cripto" para agregar pequenas empresas especializadas em lidar com a criptomoeda. Uma das empresas já instaladas é a Ethereum, que lançou a sua própria criptomoeda chamada "ether", uma plataforma para engenheiros de software dispostos a construir sistemas de apoio e também a Bitcoin Suisse, um provedor de caixas eletrônicos para bitcoins.
"Hoje são quinze companhias a fazer parte da associação de fiabilidade financeira digital que fundei no ano passado com o objetivo de criar um quadro jurídico favorável ao financiamento digital", declara.
Do outro lado da Suíça, na cidade francófona de Neuchâtel, Adrien Treccani também trabalha duro em três empresas relacionadas ao bitcoin na Bitcoin Factory, outra plataforma de criptomoeda para ser lançada em breve. Doutorando em matemática financeira no Instituto Suíço de Finanças, Treccani tem o pé nos dois mundos: a cultura de alto risco das empresas startup relacionadas à criptomoeda e o mundo financeiro tradicional da Suíça. Quando a taxa fixa de câmbio foi removida, ele também acreditava que a política do SNB tinha uma data de expiração e apoiou a sua decisão. Todavia percebeu diferentes reações segundo o ambiente que frequentava.
"Era a favor do abandono da taxa fixa de câmbio e vi que muitas pessoas na comunidade bitcoin também pensavam da mesma maneira. Mas não foram muitas as pessoas (do mundo financeiro convencional) que concordavam", diz, baseando a diferença de opinião dos fãs da criptomoeda na antipatia que tem à "forma como os bancos centrais manipulam as moedas."
Gevers gostaria de ir mais longe e trabalhar diretamente com os bancos centrais "para mostrá-los que o curso que têm seguido até agora é simplesmente insustentável e muito perigoso para o tecido social". Para os empresários de startups, um dos seus principais objetivos é de falar com os bancos centrais sobre a utilização do sistema Monetas e da tecnologia de criptomoedas por trás com o objetivo de tornar mais sustentável a emissão de moedas.
Todavia, o ex-chefe historiador do UBS, Robert Vogler, colocou a ideia na categoria de "aspirações" e o SNB não comentou sobre sua vontade de acalentar tal conceito. Para Vogler, a moda atual de investimento em criptomoedas encontra paralelos em outras situações históricas de crises financeiras. Ele aponta as teorias de Silvio Gesell sobre a emissão de moeda a um valor constante na esteira de uma depressão na Argentina no final dos anos 1800 ou do "WIR", o sistema monetário independente criado pela Suíça nos anos 1930 e que hoje também funciona como uma moeda eletrônica. Para ele não é uma surpresa que ideias de novas moedas sempre surjam acompanhando crises financeiras e econômicas.
"Essas aspirações de se afastar da realidade se tornaram um pouco sintomáticas. Acreditar que você pode evitar alguns riscos do sistema atual", acredita Vogler.
E ele, assim como outros céticos das criptomoedas, ressalta a volatilidade do bitcoin como o maior problema para o seu sucesso futuro. "Se você olha para a gigantesca volatilidade comparada com o dólar ou o franco, para mim isso se resume a uma espécie de aspiração. A ideia é admirável, mas de alguma forma não será a solução para os problemas."
O professor de finanças da Universidade de Boston, Zvi Bodie, declarou ao programa de televisão PBS NewsHour, que uma parte do problema com o bitcoin é que este é uma moeda sem garantias de nenhum governo, terceiros (como uma empresa de cartão de créditos) ou entidade física, independente ou válida (como o ouro). "Bitcoins parecem não ter nenhuma fonte independente de valor além de um grupo de informáticos que concordaram em aceitá-la", afirma Bodie.
Moeda versos conceito
Ninguém nega que o bitcoin é volátil ou ser visto como um investimento de risco elevado, diz Treccani. Essa é um das três principais razões, acredita, que freiam sua popularização. As outras duas seriam acessibilidade e segurança.
Agora mesmo, quando comparado o uso de outras formas de pagamento como cartões de crédito, os bitcoins continuam sendo um nicho no mercado. De acordo com a revista Financial Times, o sistema processa aproximadamente 100 mil transações por dia, enquanto que no caso do Visa, seriam 150 milhões.
Mas Treccani ressalta que a própria criptomoeda e o sistema por trás dela seriam duas coisas diferentes. "Você tem que separar a moeda bitcoin da tecnologia bitcoin", diz. "Então você vê o valor real nessa inovação estrutural."
É a inovação que impulsiona empresas startups abrigadas nas plataformas Crypto Valley e Bitcoin Factory. E Treccani vê mais colegas seus no setor financeiro se acostumando à tecnologia. "Eles podem ainda desconhecer a sua utilidade ou diferenças do atual sistema, mas eles veem que o bitcoin é um passo credível na inovação financeira", afirma. Recentemente, o sinal mais seguro do interesse crescente do mundo tradicional das finanças na criptomoeda possa ter sido o investimento de 75 milhões de dólares da Bolsa de Valores de Nova Iorque e outros parceiros na Coinbase, um mercado online primário de negociação e estocagem de bitcoins.
Gevers, Treccani e outros que trabalham no desenvolvimento do setor suíço de empresas startup ligadas a criptomoedas argumentariam que a Suíça é vista como um país atraente para o lançamento de novas empresas.
Por enquanto, o governo suíço e o Banco Nacional Suíço divulgaram um relatório no ano passado sobre a regulação do mercado de bitcoins. Nele, as autoridades definem a criptomoeda como uma forma de pagamento como outra qualquer, delineando diretrizes para negociantes e operadores.
Isso equivale a um ambiente regulatório mais claro para a criptomoeda na Suíça, argumenta Treccani, comparado com certo grau de incerteza em países vizinhos ou nos Estados Unidos.
Criptomoeda: pequeno dicionário
Bitcoin: o tipo mais utilizado de moeda digital. Ela teria sido inventada em 2008 por uma pessoa com o pseudônimo de Santoshi Nakamoto. Ela é aceita por centenas de empresas eletrônicas no mundo como Amazon e Virgin.
Criptomoeda: uma forma de moeda que utiliza criptografia para controlar sua criação e gestão.
Blockchain: Transações são transmitidas a outros nós em poucos segundos, mas não se tornam oficiais imediatamente, isso acontece apenas depois que a transação é reconhecida na lista de todas as transações conhecidas com marcas temporais mantida coletivamente, conhecida como block-chain ("cadeia de blocos" em inglês). Esse reconhecimento se baseia num sistema de prova-de-trabalho para prevenir gastos duplos e falsificação.
Não foi possível salvar sua assinatura. Por favor, tente novamente.
Quase terminado… Nós precisamos confirmar o seu endereço e-mail. Para finalizar o processo de inscrição, clique por favor no link do e-mail enviado por nós há pouco
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.