Perspectivas suíças em 10 idiomas

Um homem como a Suíça

Keystone / Peter Klaunzer

A partir do começo de 2022, a Suíça tem um novo presidente da Confederação: Ignazio Cassis, o atual ministro suíço das Relações Exteriores. Seus sucessos são pouco visíveis e o dossiê europeu está emperrado. Apesar de todas as críticas, a carreira do ticinês revela muito sobre a maneira como o país funciona.

“Flexível”, “camaleônico”, são atributos que os políticos suíços atribuem a Ignazio Cassis. Outros dizem que ele é “um tipo instável” ou “desajeitado”. Isso não é novidade, mas casa bem com ele. Da extrema esquerda, passando pelo centro, para a extrema direita, esse é o som que o acompanha na Berna federal.

Um perito em política externa dos sociais-democratas afirma: “Ele prova que tens razão e depois faz o oposto. Isso leva ao desapontamento”. Como muitos, ele não quer ser nomeado pelo nome. Roger Köppel, especialista em política externa do Partido Popular Suíço, diz: “Sua política é muito pouco orientada por princípios, mas sobremaneira concentrada em suas chances eleitorais”. E Elisabeth Schneider-Schneiter, especialista em política externa do Partido de Centro, fala de um “traço que é realmente honroso: ele quer agradar a todos”.

O diretor de comunicações de Cassis, Michael Steiner, considera isso um mal-entendido. Seu chefe é aberto, orientado para o consenso, e sabe ouvir, diz ele. “Na verdade, é espantoso que isso seja visto como errático na Suíça”, diz Steiner. O próprio Cassis não encontrou tempo na sua agenda para nos conceder uma entrevista.

O fracasso

Ignazio Cassis, 60 anos, natural do cantão do Ticino (sul da Suíça), é um protótipo do sistema de milícias suíço. Chegou rapidamente ao cargo mais alto, lançado pelo seu partido como peão a fim de garantir com um cidadão de Ticino uma vaga no Conselho Federal. Sem qualquer experiência em diplomacia, foi-lhe confiado o dossiê mais difícil da Suíça, um acordo de base com a União Europeia, no qual falhou várias vezes.

Não é fácil explicar isso em termos jornalísticos: falamos com cerca de duas dezenas de pessoas da vida política e do corpo diplomático: observadoras e observadores, amigas e amigos próximos de Ticino e de Berna. Algumas dessas pessoas deram informações informais porque trabalham na administração federal ou expressam avaliações pessoais, o que não corresponde à sua função. Outros criticaram Cassis com tanta frequência que já se cansaram disso. Eles já não querem aparecer, e fazem-no anonimamente.

Apesar da paleta política das fontes, o quadro que emerge é surpreendentemente homogêneo: retrata um homem simpático, que rapidamente se fez na política, traçando seu perfil à direita. De aparência agradável e início promissor em seu trabalho no governo, recebeu como missão afrouxar as rígidas relações da Suíça com a Europa. E é daí que vem a decepção, que também é palpável entre o povo. Nas sondagens da SRG, Ignazio Cassis recebe quase sempre a pontuação mais baixa. Mais recentemente, no outono, sua nota foi um 3.1 (de 6).

A oportunidade

Esta é a situação no final de 2021. Ele agora tornar-se-á, no próximo ano, Presidente da Confederação – um mandato que é como uma luz no horizonte. Livre do dossiê-Europa, será ele capaz de se afirmar como uma figura de coesão e, neste período de pandemia, como médico e especialista? Mesmo muitas pessoas desiludidas querem isso, é o que soa a partir dos relatos dos meios de comunicação após sua eleição – também porque isso seria bom para esta nação tão cindida.

PLACEHOLDER Ignazio Cassis ao ser eleito presidente da Confederação Helvética em 8 de dezembro de 2021. Keystone / Peter Klaunzer

No entanto, é fácil esquecer: Ignazio Cassis é como a Suíça. Versátil e desajeitado? Isso é a Helvécia em relação à Europa. Um diplomata descreve assim a situação: “A Suíça é simpática e também diz a todos: ‘Por favor, sede simpáticos conosco’. Depois vem a simples contra-pergunta: ‘Está bem, e o que é que queres?’ Então a Suíça fica em silêncio. Não tem resposta”.

Não há movimento em qualquer direção. Esta é a Suíça nos mandatos de Cassis, em 2017 como em 2021: persistindo em sua existência no centro da Europa. E aprisionada em seu destino: No fato de o povo e o parlamento poderem corrigir a qualquer momento qualquer medida governamental, até que o governo não ouse mais dar nenhum passo.

As raízes

O pai de Ignazio Cassis, Luigi Cassis, é agricultor, e mais tarde corretor de seguros; o avô um imigrante italiano que se estabeleceu na aldeia fronteiriça de Sessa, em Ticino. “Quando se cresce com três irmãs e em uma casa com um banheiro, aprende-se a negociar”, diria Cassis mais tarde sobre suas origens humildes. O rapaz olha de soslaio, é motivo de chacota. Aos 12 anos, ele perde o dedo mindinho da mão direita no espigão de uma cerca, onde fica preso ao cair. Aos 15 anos, obtém seu passaporte suíço, mas mantém a nacionalidade italiana.

2002: médico no cantão do Ticino. Keystone / Karl Mathis

Aos 26 anos de idade, gradua-se em medicina pela Universidade de Zurique, aos 35, atua como médico cantonal em Ticino, e com a idade de 36 anos obtém o doutorado também em medicina. O emprego dos sonhos como trompetista de jazz é enterrado, e torna-se médico-oficial do exército; fumante ocasional. Aos 43 anos, exerce seu primeiro cargo político no conselho municipal de Collina d’oro, município de Ticino onde ainda hoje reside, a cinco quilômetros de Sessa, e com uma população de 4600 habitantes. Aos 46 anos é eleito membro do Conselho Nacional, a Câmara Baixa do Parlamento Federal. “Ele não era um político, mas víamos nele um bom candidato, razão pela qual o colocamos na nossa lista”, recorda Fulvio Pelli, que, como líder de longa data do FDP, incentivou Cassis desde cedo. No início, ajudou a preencher a lista para o governo de Ticino – não foi eleito, mas alcançou boa colocação – enquanto sua colega de partido, Laura Sadis, entrava no executivo de Ticino. “Um tipo inteligente, com uma aptidão enorme de aprender”, disse seu patrono Pelli.

Estamos em setembro de 2010. Ignazio Cassis – sem experiência no executivo, com apenas três anos no Conselho Nacional e um instinto político ainda em formação – concorre a uma vaga no Conselho Federal. Faz isso “pela Suíça italiana”, declara. Recebe 12 votos.

A mudança

O FDP de Ticino dividia-se em dois blocos. Aquele, proveniente do centro financeiro de Lugano, é economicamente liberal. O outro, moldado pelo Kulturkampf e que tem sua residência em Bellinzona, é antes progressista: são empresários e empresárias que se sentem comprometidos em respeitar o equilíbrio social. Ignazio Cassis não se enquadra nesta ordem dual. “Colocá-lo aí é realmente difícil”, observa Pelli. Quando jovem médico, Cassis foi influenciado pelo catolicismo, é “racional”, como lhe atestam, e humanista. Na Comissão Federal de luta contra a AIDS, na qual ele assumiu uma cadeira ainda como jovem médico, ele colocou-se ativamente contra a estigmatização dos homossexuais. Ele é burguês, mas a favor da legalização da cannabis.

Uma mente aberta, lesta e pragmática. O professor emérito de ética Alberto Bondolfi, que trabalhou de perto com ele na luta contra a AIDS, diz de Cassis: “Ele era Bellinzona no início, mais tarde tornou-se Lugano”. Este é Cassis, o camaleônico.

Solitário

Mas a imagem também mostra: desde o início, Ignazio Cassis não está devidamente situado. Ele carece de uma rede de contatos. Quando mais tarde dirige sua campanha eleitoral para o Conselho Nacional, fá-lo em nome de seu partido. Mas seus cartazes não são os do FDP, que todos os outros membros do partido usam. Ele faz sua própria aparição e imagem. Foi um esforço solo bem sucedido. Ignazio Cassis é como a Suíça.

Na infância, quando perde o dedo, o pai leva-o ao hospital – e vai-se embora. O jovem Ignazio aguarda sozinho durante três horas em uma sala de espera escura até que seu dedo mindinho fosse amputado. Aprendeu cedo a defender-se por si próprio, disse ao jornal “Blick” em 2017.

“Ele parece ter pouco apoio no Conselho Federal e na administração governamental”, observa o cientista político Claude Longchamp. Como conselheiro federal, Cassis não conseguiu forjar alianças que o pudessem ajudar nas dificuldades.

Uma rede de contatos no Partido Liberal (FDP, na sigla em alemão): Ignazio Cassis em outono de 2021, com o colega Andrea Caroni (dir.) e Beat Walti. Keystone / Peter Klaunzer

Falta-lhe uma rede de contatos? “Há muitas pessoas dentro e fora do FDP que o apoiam e não apreciam os constantes ataques da esquerda contra ele”, avalia Fulvio Pelli. Sabe-se também que o ex-conselheiro federal do FDP Kaspar Villiger assessora o ministro das Relações Exteriores da Suíça. Mas para além do seu próprio departamento, os outros membros do governo têm uma melhor rede de contatos, diz Longchamp.

É um refrão:

“Cassis sozinho em casa” (Tages-Anzeiger, março de 2019).

“Cassis sozinho em casa” (Blick, abril de 2021).

“Cassis em uma missão solitária” (NZZ, novembro de 2021).

A retirada

Isso se tornou mais pronunciado desde que o Conselho Federal enterrou o acordo-quadro com a União Europeia. Ele minou pontes com a política, é a opinião quase unânime das comissões de Relações Exteriores do Parlamento. As pessoas que gostam dele percebem-no agora como “menos espontâneo” e “mais fechado”. “Ele foi dura e injustamente atacado nos meios de comunicação”, aponta sua colega de partido, a conselheira nacional Christa Markwalder.

Outros contam como ele perdeu a compostura quando surgiram questões críticas sobre o dossiê-Europa. Foi no último verão, quando os peritos em política externa quiseram saber por que o Conselho Federal havia enterrado o acordo-quadro com a Europa sem sequer perguntar ao Parlamento. “Não estamos aqui no tribunal federal”, retrucou então Cassis. 

Tendo tornado-se mais sensível, ele transformou o departamento de Relações Exteriores em uma “fortificação móvel”, disse alguém do campo da esquerda.

Para Michael Steiner, porta-voz de Cassis, a decepção da Comissão de Relações Exteriores do Conselho Nacional é, pelo menos, compreensível. Muitos parlamentares trabalharam durante muito tempo e intensamente no acordo-quadro.

“Aí o Conselho Federal enterrou-o. É uma ruptura. A decisão foi tomada por todo o Conselho Federal, e somente depois consultou as comissões de política externa”, salienta Steiner. Após o fim do acordo-quadro, Cassis efetuou um grande trabalho de esclarecimento na Suíça e nos estados da União Europeia. “Ele não se retirou tampouco se escondeu em uma fortificação móvel. Isso não corresponde à realidade”.

O candidato

E, no entanto, o contraste com esse modelo de cordialidade ticinês permanece, naquela época no Parlamento Federal. Ignazio Cassis trabalha como conselheiro nacional do FDP para caixas de previdência e lares de idosos, um lobista profissional com um salário de 300.000 francos. Tem assento em comissões importantes e torna-se líder parlamentar do FDP.

Aqui ele mostra os lados que o tornam elegível para muitas pessoas em 2017, sobretudo: ele é multilíngue, o mediador perfeito entre as diferentes partes do país, “fundamentalmente simpático” e “jovial”, como dizem suas companheiras e companheiros de percurso. O que também se destacou foi seu “forte intelecto” e um “domínio impressionante dos dossiês”.

Em 2017, o assento, que se torna vago, do FDP no Conselho Federal é contestado. O partido precisa de uma candidata ou candidato capazes de repelir todos os ataques. A solução está em uma tradição inteiramente suíça, a consideração especial pelas minorias. Esta atitude é o esqueleto desta nação de vontades, pois mantém o país unido, e durante 18 anos a Suíça italiana não teve qualquer representação no Conselho Federal. Assim, com o ticinês Cassis, o FDP defende suas reivindicações junto ao governo. Fulvio Pelli assevera que foi o partido que pediu para ele concorrer, e não o contrário.

O golpe de mestre

Mas há uma lacuna. O parlamento suíço não elege para o Conselho Federal uma pessoa que não tenha comprovado que pode liderar e dirigir uma empresa ou um cargo executivo. Cassis fornece essa evidência como líder do grupo parlamentar de seu partido. Coloca os parlamentares do FDP na linha. Na primavera de 2017, durante a discussão sobre a reforma da previdência, Cassis, um major do exército suíço, conduziu seu grupo a um resoluto “não”.

É o seu golpe de mestre e atinge o projeto de prestígio dos sociais-democratas, liderado pelo conselheiro federal Alain Berset. A reforma das pensões deste último sofre um naufrágio. O presidente do SP, Christian Levrat, se enfurece. Ele toma Ignazio Cassis como seu inimigo. Se Cassis ainda quiser tornar-se conselheiro federal, deve esquecer o apoio da esquerda.

Portanto, ele teria de obter os votos da direita. Adere ao lobby suíço de armas Pro Tell e abdica de sua cidadania italiana, por sua própria vontade, mas provavelmente por medo de reportagens da mídia, como se suspeita em Ticino. Ele deixará o Pro Tell logo em seguida.

As armadilhas

Ele também promete ao grupo parlamentar do Partido Popular Suíço, que se opõe a qualquer reaproximação com a União Europeia, um programa abrangente de apaziguamento. “Nenhum acordo-quadro com a UE, nenhuma adaptação automática do direito europeu, nenhum juiz estrangeiro. Estas foram as declarações dele”, diz o então presidente do Partido Popular Suíço, Albert Rösti.

Assim, antes mesmo de se tornar conselheiro federal, as armadilhas estavam montadas.

Sua rápida adesão ao lobby de armas e a renúncia às suas origens lhe renderam a reputação de oportunista, da qual nunca se livrará. O antigo político de consenso também se desentendeu com os sociais-democratas. Curvou-se profundamente para a direita, perdendo assim o centro. Assim terá que contar com o apoio do SVP (Partido Popular Suíço) nas próximas reeleições.

A ruptura

Até que ponto ele se tornou refém do SVP fica claro um ano mais tarde, em 2018, quando Karin Keller-Sutter, uma colega de partido de Cassis, se juntou ao governo como nova conselheira federal. Ela quer o Departamento de Economia que ficou vago. Mas Guy Parmelin do SVP também cobiça o mesmo departamento – e ambos o querem a qualquer preço.

A disputa pelo cargo é também uma guerra por procuração entre o SVP e o FDP. O Departamento de Economia é um domínio clássico dos liberais radicais. Excepcionalmente, o recém-formado Conselho Federal deve votar a respeito. E aqui Cassis apoia o SVP, em detrimento de sua colega de partido.

Com a colega de partido, Karin Keller-Sutter, no verão de 2021. Keystone / Peter Klaunzer

A quebra de lealdade para com sua colega de partido levou a uma profunda cisão cujos efeitos ainda hoje se fazem sentir. Karin Keller-Sutter, como dizem duas pessoas de seu círculo, não faz mais nenhum esforço para esconder sua opinião pessoal sobre Ignazio Cassis.

“Ele o pegou”

Novembro de 2017, Ignazio Cassis assume o Ministério das Relações Exteriores. Em retrospectiva, essa divisão de departamentos parece o prelúdio de uma comédia de erros. Alain Berset, diplomata por formação, é encarregado de combater a pandemia. Cassis, médico e especialista em saúde pública, cuida da Europa. Levanta-se a cortina.

Como isso aconteceu? Cassis teria todo o conhecimento necessário para dirigir o Ministério do Interior, mas os sociais-democratas não querem deixar que os liberais de direita tenham nas mãos os serviços sociais – e certamente não querem o Ministério das Relações Exteriores: a margem de manobra é limitada. Não é um ministério que mantém o parlamento e o povo ocupados com novas ideias; a ajuda ao desenvolvimento e a diplomacia são trilhas de longo percurso. “A política externa não é popular na Suíça”, diz Fulvio Pelli. “Ninguém quer o Departamento de Relações Exteriores. Ele o pegou”. Chega-se a isso: tal como no Departamento de Defesa, há no FDFA um forte espírito corporativo. Oficiais e diplomatas operam de forma diferente dos outros funcionários públicos, seguem suas próprias regras.

Amigo de Israel

Cassis rapidamente reconhece isso e traz Markus Seiler, ex-chefe do serviço de inteligência suíço, para assumir o cargo de secretário-geral: inteligente, tático e com experiência em gestão. 

De acordo com fontes diversas, existe uma linha de conflito no Ministério das Relações Exteriores da Suíça em torno de uma questão crucial na diplomacia: Como se portar diante do Oriente Médio? Em suma: pró Palestina versus pró Israel – é também uma linha que segue o esquema esquerda-direita.

Seiler, liberal e filiado ao FDP, é considerado um pronunciado amigo de Israel, assim como Cassis. Sua nomeação e a nova amizade com Israel no FDFA irão moldar a política (e de pessoal) nos próximos anos. Também conduzirá a ataques ferozes contra Cassis, principalmente através da imprensa. Aqueles que compartilham a linha de Cassis irão elogiá-lo por sua coragem e firmeza a esse respeito. Os outros encontrarão motivos nos próximos anos para abastecer a imprensa com matérias para manchetes negativas.

Muitas pessoas com as quais falamos veem como problemática e até fatal a nomeação de Seiler: Ele não pertence ao corpo diplomático. Um diplomata de carreira teria trazido com ele a capacidade de persuasão necessária para construir alianças em outros departamentos. E para poder levar internamente os planos de Ignazio Cassi, Seiler não teria o cabedal certo aos olhos dos diplomatas.

O tiro saiu pela culatra. Em seu departamento, Cassis pretende “quebrar o instinto de manada” que segue uma “certa visão de mundo”, como afirmou em uma entrevista ao semanário alemão Weltwoche. “Ele queria pôr um fim à era esquerdista de Calmy-Rey”, reconhece Fulvio Pelli. Parte do corpo diplomático revolta-se. Há vazamentos, depois ruídos: um “Rasputin” governa secretamente no FDFA, escreve um ex-diplomat, e seu nome é Markus Seiler. Cassis tem de se impor. Transfere, cerra fileiras: é provavelmente o início do que é agora descrito como o “forte móvel”.

Suíça em primeiro lugar

Muito antes, porém, o recém-eleito Cassis vinga-se do seu desafeto, Christian Levrat, o presidente dos sociais-democratas. Após uma primeira tentativa no cenário internacional – uma reunião com o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker –, Levrat chama o conselheiro federal de “estagiário”. Cassis serve Levrat e uma multidão crescente de críticos com uma série de passos em falso. Faz comentários pouco diplomáticos sobre o papel da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA) no conflito do Oriente Médio, e de uma mina na Zâmbia twitta mensagens de relações públicas para a empresa de matérias-primas Glencore.

Além disso, Cassis pretende transformar a política externa da Suíça em uma espécie de política de comércio exterior. “Ele a engrenou mais com as necessidades da economia e da política de migração”, resume o professor de relações internacionais Paul Widmer. 

Suíça em primeiro lugar. 

O jornal Sonntagsblick pergunta: “O senhor está mais à direita do que podemos pensar?”

Ignazio Cassis responde: “Não. Eles sabiam quem eu sou. É por isso que a esquerda não votou em mim”.

O moderador

Desde o início, Cassis sentiu-se motivado para chegar a uma rápida conclusão das negociações com Bruxelas. Ele traz um novo negociador-chefe, mas ele próprio também conduz um diálogo direto. O seu homólogo em Bruxelas é o comissário da UE, Johannes Hahn, um diplomata experimente. Os dois encontram-se com frequência e conversam muito ao telefone. Cassis até convida Hahn para visitar Ticino. Logo se chamam um ao outro de “amigo” no Twitter. Após meio ano no cargo, para Johannes Hahn, o ministro suíço é simplesmente “Ignazio”.

O primeiro encontro com Johannes Hahn em janeiro de 2018. Keystone / Gian Ehrenzeller

O trabalho de um lobista é construir relações interpessoais, criar oportunidades e pontos de partida a fim de promover seus interesses. E: “Ele sempre foi um político de consenso, capaz de produzir união”, diz Fulvio Pelli. Tanto o trabalho de relacionamento como a construção de consensos são o que faz Cassis se destacar nessas conversações.

Também exteriormente, perante o público suíço, ele assume o papel de moderador, pode-se mesmo dizer: mediador. Ele escuta as necessidades e arbitra os diferentes interesses entre a Suíça e a União Europeia. “Política externa também é política interna”, explica. Sua verdadeira força se converteu em uma fraqueza. Quem tudo modera, e ao mesmo tempo defende uma posição, acabará em um conflito de objetivos e interesses – é, em última análise, uma questão de posicionamento.

Em Junho de 2018, em um estilo quase prototípico de moderador, ele disse, a propósito do desacordo sobre medidas de acompanhamento, que “tanto a União Europeia quanto a Suíça devem estar preparadas para saltar por cima de suas próprias sombras”.

A declaração é considerada um marco na longa história do acordo-quadro. Uma investida contra a proteção salarial suíça seria possível: Cassis traça uma linha vermelha. Os sindicatos reagem com fúria. A esquerda se move para o campo adversário.

Com isso, Cassis “pôs em marcha a dinâmica que levou à ruptura das negociações com a EU”, analisou o diário de Zurique Tages-Anzeiger.

Irritações

Então, qual é o seu papel no fracasso da Suíça em concluir um acordo com a Europa? Todos com quem falamos concordam unanimemente: há uma quota-parte de responsabilidade, mas ele não estava só. Era um dos sete conselheiros federais. “Isso teria sido possível em uma configuração diferente”, afirma Elisabeth Schneider-Schneiter. O que significa especificamente? “Se Karin Keller-Sutter tivesse conseguido assumir o departamento de assuntos econômicos naquela época, ele provavelmente teria tido o apoio dela para o acordo-quadro”.

Algumas irritações em Bruxelas, no entanto, são diretamente atribuíveis a Cassis, incluindo as mais agudas. Em 23 de Novembro de 2018, Bruxelas procura celebrar um acordo. Cassis encontra-se discretamente com o comissário da UE, Johannes Hahn, em Zurique. Mais uma vez, ele atua como negociador-chefe. A delegação de Bruxelas pressiona. Felix E. Müller, autor do livro “Kleine Geschichte des Rahmenabkommens” (“Uma Breve História do Acordo-quadro”), descreve o encontro no NZZ: “A equipe de Hahn  telefonou repetidas vezes para Bruxelas para se assegurar. Algo que a contraparte suíça não fez. Os diplomatas da UE concluíram então que as posições defendidas por Cassis foram acordadas com o governo”.

Então – para grande perplexidade! – a delegação da UE apresenta aos suíços um acordo-quadro totalmente redigido. Nem todos os membros da delegação suíça concordam com a formulação do texto. “Mas eles não tiveram oportunidade de expressar as suas reservas, porque Cassis não as pediu”, escreve Felix E. Müller. Cassis, o negociador “sem experiência na arena diplomática”, não estava “à altura do jogo de poder de Bruxelas”.

O balanço

Depois disso, começa a era glacial. Nem a esquerda nem a direita se atrevem a dar o próximo passo, muito menos Bruxelas e Berna. Cassis aproveita o tempo para definir os últimos acertos na ajuda ao desenvolvimento com um pacote de 11 bilhões. E na política externa ele estabelece prioridades, China e Oriente Médio. Ele passa tudo sem problemas pelo Parlamento. Ele está também expandido a rede externa da Suíça. Em geral, segue uma política externa de caráter claramente liberal, acompanhada de críticas contínuas.

2015: imagem de Cassis como presidente da fração do Partido Liberal no Parlamento suíço. © Keystone / Gaetan Bally

Hoje, porém, Cassis está sendo julgado sobre a questão do destino da Suíça, o dossiê europeu, no qual havia pouco a ganhar. Por esta razão – e porque suas propostas sobre o assunto são cada vez menos ouvidas no Conselho Federal –, ele provavelmente ficará feliz em deixar esse canteiro de obras para outros durante seu ano presidencial.

Um novo potencial

E dedica-se a assuntos mais agradáveis, fortalecendo sua presença em todo o país. Mais uma vez, o assento de seu partido no Conselho Federal volta a tremer, agora mais do que nunca: seu cargo está em jogo. Cassis está agora mais aberto, mais acessível às preocupações da esquerda. Com a China, ele busca um diálogo sobre direitos humanos e, de maneira geral, promove o multilateralismo: Genebra internacional, diplomacia digital, uma cúpula sobre a água na África. Ele vê novas prioridades para a política externa suíça no Sudeste Asiático, mas também nos Estados Unidos. A Suíça já tem praticamente uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU e pode vir a mediar a crise da Ucrânia: tudo isso tem um brilho – e o potencial para reconquistar a simpatia entre a centro-esquerda. As más línguas dizem que Cassis está de volta à campanha eleitoral. Uma personalidade camaleônica, que se impôs.

O chefe de comunicação de Cassis, Michael Steiner, responde: “Ele vive o que constitui a política suíça, o compromisso”. Um homem à imagem e semelhança de seu país.

Adaptação: Karleno Bocarro

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR