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“Esperamos que os portugueses continuem a viver na Suíça”

Doris Leuthard (esq.) e o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa.
A presidente da Confederação Suíça, Doris Leuthard (esq.) e o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, durante a visita oficial à Portugal em 28 de novembro de 2017. Keystone

Na primeira visita oficial de um presidente da Confederação Suíça à Portugal desde 2003, Doris Leuthard passou um dia inteiro em Lisboa, onde encontrou representantes do governo e do Parlamento. Em entrevista à swissinfo.ch, fala porque confia na recuperação econômica de Portugal e que não há razão para os migrantes temerem medidas que os prejudiquem. 

O programa oficial seguiu durante todo o dia e incluiu encontros com o presidente português Marcelo Rebelo de Sousa, o primeiro-ministro António Costa, o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues e outros parlamentares, além da tradicional deposição de uma coroa de flores no túmulo de Luís de Camões, um passeio de bondes por alguns bairros tradicionais de Lisboa e uma visita guiada aos centros de pesquisa da Fundação Champalimaud. Antes do jantar de honra, deu uma entrevista à swissinfo.ch no hotel da delegação. 

swissinfo.ch: Senhora presidente da Confederação Suíça, Doris Leuthard, a última visita de um chefe de Estado português à Suíça ocorreu em outubro de 2016. Hoje a senhora visita Portugal. Quais foram as impressões?

Doris Leuthard: A última vez que um presidente da Confederação Suíça esteve em Portugal foi em 2003. No ano passado tivemos então a visita de retribuição do presidente português à Suíça. Nós apreciamos muito o desenvolvimento de Portugal. O país foi considerado por muito tempo como um motivo de preocupação também dentro da União Europeia devido ao seu fraco crescimento, índices elevados de desemprego e um nível persistentemente elevado da dívida. Mas avaliando os últimos dois anos, sentimos um clima, um espírito bastante diferente. O crescimento da economia é excepcionalmente elevado e o país faz muita coisa positiva para o futuro. Consequentemente há uma redução do desemprego e até mesmo a situação da dívida melhora. Estamos realmente impressionados e congratulamos o país.

Biografia

Doris Leuthard nasceu em 10 de abril de 1963 em Merenschwand, no cantão da Argóvia (centro).

Estudou direito na Universidade de Zurique. Depois de obter a licença profissional em 1991, começou a trabalhar em um escritório de advocacia. Ao mesmo tempo se tornou membro do conselho de administração de diversas organizações, dentre elas a Companhia de Eletricidade de Laufenbourg e o banco Neue Aargauer Bank.

Na carreira política, foi membro de 1993 a 2000 do Conselho Escolar de Muri. Entre 1997 e 2000 membro do Parlamento cantonal da Argóvia. Em 1999 foi eleita deputado-federal. Em 2004 se tornou presidente do Partido Democrata Cristão.

Em 14 de junho de 2006 foi eleita ministra no Conselho Federal e assumiu o ministério da Economia. Em 1º de novembro de 2010 assumiu o ministério do Meio-Ambiente, Transportes, Energia e Comunicação. Em 2010 assumiu o cargo de presidente da Confederação Suíça, que é passado a cada ano para um dos sete membros do Conselho Federal, e em 2017 repete a função. 

É casada, sem filhos. 

swissinfo.ch: No seu discurso no Palácio Nacional de Belém (n.r.: residência oficial do Presidente da República Portuguesa) a senhora fala em possíveis cooperações da Suíça com Portugal nas áreas de energias renováveis e ciência. Elas já são concretas ou trata-se de uma aspiração da Suíça?

D.L.: Nós já temos várias cooperações, e na área científica, como vimos há pouco (n.r.: na programação oficial, a presidente da Confederação Suíça visitou o centro de pesquisas da Fundação Champalimaud) ela se dá na pesquisa sobre câncer. Por isso estamos analisando formas de reforçar essa cooperação e possivelmente até organizar uma conferência de cientistas portugueses e suíços. No setor da energia, a cooperação entre os dois países já está estabelecida através de um intercâmbio entre os órgãos governamentais. Mas nós queremos cuidar desse relacionamento através de mais encontros. Há bastante investimento suíço em Portugal.  

swissinfo.ch: A Suíça ajudou Portugal no combate aos incêndios florestais em agosto, que mataram 65 pessoas, com helicópteros e também pessoal especializado. Há planos de continuar essa ajuda, para se de evitar incêndios no futuro, considerando as mudanças climáticas globais?

D.L.: A amizade entre a Suíça e Portugal permitiu que organizássemos de forma descomplicada essa ajuda. Temos aqui as mudanças climáticas como causa da estiagem, agravada finalmente pelos fortes ventos. Obviamente não conhecemos tão bem essa situação, mas nesse caso podemos refletir medidas de adaptação, por exemplo, nas florestas, ou medidas preventivas para evitar os incêndios florestais. Por isso valeria a pena ter um intercâmbio entre os especialistas dos dois países. E se houver mais uma vez uma situação emergencial, para nós é claro que a solidariedade tem uma grande importância. 

swissinfo.ch: Como a senhora detectou, Portugal voltou a crescer e tem menos desemprego. Porém o país já foi bastante criticado pela União Europeia, especialmente pelo ex-ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, que sugeria cortes radicais de despesas. Porém, o atual governo do primeiro-ministro António Costa apostou em uma política de aumentos salariais e redução de impostos para combater a crise. Foi uma boa decisão?

D.L.: Eu penso que cada país deve decidir por si próprio. Naturalmente a situação da dívida portuguesa ainda é tensa. Mas vejo que com o crescimento e os melhores salários, em geral aumenta também o poder de compra da população e, consequentemente, estimula o consumo. E assim é positivo que sejam criados mais empregos e mais impostos sejam pagos. Isso significa que essa fórmula está funcionando até agora em Portugal. A dúvida é saber se esse crescimento é sustentável ou apenas de curta duração. Nas conversações que tive hoje com o governo saí convencida dessa política, pois parece ser um crescimento amplo e não apenas de um só setor da economia. Se tudo correr como previsto e não houver um aumento repentino dos juros nos encargos da dívida, então essa pode ser perfeitamente uma boa receita para a recuperação de Portugal, algo que me alegraria.   

swissinfo.ch: Na questão da imigração, hoje vivem 270 mil cidadãos portugueses na Suíça. Como essa comunidade é percebida e qual a sua importância para a economia helvética?

D.L.: Temos, de fato, uma grande comunidade portuguesa na Suíça. Eles são muito bem integrados e quase não se deixam ser percebidos, pois o convívio com os suíços é muito bom. Talvez pelo fato dos dois povos compartilharem os mesmos valores em muitos setores da vida. E estamos muitos satisfeitos com a contribuição dessa comunidade que encontra trabalho em tantas áreas da nossa economia e, ao mesmo tempo, ainda envia bastante dinheiro para suas famílias em Portugal ou até compram imóveis na Suíça. É um relacionamento simbiótico e bastante positivo para os dois países. Por isso esperamos que os portugueses continuem a viver na Suíça e que nem todos pensem em retornar. 

swissinfo.ch: Mas se os problemas técnicos relacionados à Iniciativa imigração em massaLink externo já foram resolvidos, ainda paira no ar um certo receio em relação a ela e outras possíveis iniciativas que tangem a imigração. Como a senhora explica a questão aos seus interlocutores portugueses?

D.L.: No almoço com o primeiro-ministro António Costa eu esclareci mais uma vez que a Suíça é um país onde 25% da população tem um passaporte estrangeiro. É uma proporção bastante elevada. Já em Portugal ela é de apenas 10%. Isso significa que somos um país bastante aberto e estamos satisfeitos com isso. Mas pode ocorrer que a nossa economia não corra tão bem ou que determinados estrangeiros não se integrem satisfatoriamente no nosso país como os portugueses. Nesse caso teremos alguns atritos. Mas eu penso termos encontrado boas soluções para a questão. Nossa economia necessita de mão-de-obra especializada. Necessitamos estar abertos nesse sentido. O Conselho Federal (n.r.: corpo de sete ministros que governa a Suíça) apoia esses esforços e acredito que o Parlamento federal também, através das medidas aprovadas. Elas nunca irão se voltar contra Portugal. Os portugueses continuam bem-vindos no nosso país. Com as regras que adotamos, o mercado de trabalho na Suíça continua aberto. 

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swissinfo.ch: Nas negociações do acordo entre a Suíça e a União Europeia, o relacionamento especial com Portugal seria uma alavanca para ajudar a Suíça a concluí-lo?

D.L.: Nós é que temos de chegar a um acordo através da cooperação com as instituições de Bruxelas. Obviamente esperamos sempre que a maioria dos países membros da UE vejam a Suíça não apenas como um importante parceiro comercial, mas também como um parceiro confiável. Ao contrário da Grã-Bretanha, aceitamos os princípios do mercado interno e queremos continuar a dar a nossa contribuição. Afinal, somos o terceiro maior parceiro comercial da UE, algo esquecido muitas vezes. Por outro lado, somos também muito importantes para os países da UE, pois eles ganham bastante dinheiro conosco. No final, todos temos interesse que as coisas funcionem e que, em questões complicadas, possamos encontrar soluções pragmáticas. Não somos membro da EU e, portanto, não podemos também aceitar tudo como se o fôssemos.

swissinfo.ch: Dentre as medidas adotadas por Portugal para recuperar a sua economia estão o chamado “Golden Visa”, que permite investidores estrangeiros residir no país, e também 10 anos de isenção fiscal para aposentados estrangeiros. A Suíça já foi considerada uma “apanhadora de cerejas” pela concessão de privilégios semelhantes. Mas não seria esse tipo de política direcionada ideal para recuperar a economia?

D.L.: Veja, um governo precisa ser inovador de uma forma ou de outra, e descobrir algo de novo. Procurar novas fontes de imposto, incentivar o consumo e receber investimentos. Enquanto isso ocorre sem apelar para medidas protecionistas, políticas subvencionadoras ou auxílios estatais desaconselhados, estou de acordo. Portugal não é conhecido por ser um país protecionista. Ao mesmo tempo criticamos outros países que têm essas políticas mercantilistas. Por isso considero correto que Portugal tente essas medidas. A história mostra que elas podem ser benéficas e, afinal, até refletir positivamente para nós quando as pessoas encontram emprego no país.  

swissinfo.ch: A Suíça tem um sistema político bastante único, difícil por vezes até para nós, jornalistas, a explicar no exterior. Quando a senhora visita outro país, escuta por vezes as perguntas: Quem governa afinal a Suíça? Como funciona a sua democracia direta? 

D.L.: Acredito que a maioria dos países têm um grande respeito pela nossa democracia, como a vivemos. Eles sabem como ela pode ser complicada com todos seus referendos e plebiscitos, mas veem também que a população sabe muito, participa da política e que, com isso, reforça o exercício do governo. Por outro lado tudo dura muito tempo. No contexto europeu, necessitar mais tempo para resolver as questões pode ser cansativo se nos compararmos a países onde o governo tem um papel mais forte e o parlamento quase sempre aprova suas propostas. A situação já é diferente com nosso pluralismo político e um forte Parlamento. Mas eu penso que existe um grande respeito à nossa democracia, ao federalismo associado a ela, e assim estamos sempre a fazer um intercâmbio, explicando o que funciona conosco e aprendendo com as experiências dos outros países.

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