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É hora de acabar com o protecionismo patogênico

Thomas Cueni

O acesso irrestrito a patógenos ajudaria o mundo a se preparar para novas variantes e futuras pandemias, argumenta Thomas Cueni, diretor-geral da Federação Internacional de Fabricantes e Associações Farmacêuticas (IFPMA).

Antes da pandemia de Covid-19, apenas especialistas sabiam o que “sequenciamento genômico” significava. Isso mudou quando cientistas chineses prontamente compartilharam o genoma do SARS-CoV-2 no início de 2020. Mais recentemente, cientistas da África do Sul e Botsuana descobriram a variante B.1.1.529, mais conhecida como Ômicron.

Agora, todos nós reconhecemos a importância de compartilhar informações genômicas com rapidez, bem como o impacto que elas podem ter no enfrentamento desta e de futuras pandemias. À medida que os governos negociam os detalhes de um novo instrumento global voltado para melhorar a preparação e a resposta mundial a futuras pandemias, é importante garantir que seja levado em consideração o papel de um outro acordo – pouco conhecido ou entendido –, o Protocolo de Nagoia.

O Protocolo de Nagoia, que regulamenta o “Acesso a Recursos Genéticos e a Repartição Justa e Equitativa dos Benefícios Advindos de sua Utilização” (Access and Benefit Sharing, na sigla em inglês), é um acordo internacional que visa o compartilhamento dos benefícios decorrentes da utilização de recursos genéticos de uma forma justa e equitativa.

Ele foi criado pela Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica e entrou em vigor no dia 12 de outubro de 2014.

O acordo visa criar, através do estabelecimento de estruturas jurídicas nacionais, uma garantia legal e mecanismos de compartilhamento de benefícios para os usuários e fornecedores de recursos genéticos.

Segundo o protocolo, os recursos genéticos podem ser acessados mediante o “consentimento prévio” do país provedor dos recursos e desde que “termos mutuamente acordados” tenham sido estabelecidos. Estes devem incluir a partilha justa e equitativa dos benefícios decorrentes da utilização dos recursos em questão.

O protocolo, que visa dar orientação sobre o acesso e o compartilhamento justo e equitativo dos benefícios decorrentes de recursos genéticos – incluindo plantas, animais e microrganismos – pode ser usado, e de fato tem sido, para impedir o acesso a patógenos mortais, essencial para a pesquisa. Enquanto todos nós queremos proteger a biodiversidade da Terra, ninguém quer “preservar” patógenos e bactérias perigosas, mas sim erradicá-las.

Até agora, no caso do coronavírus, tivemos a sorte de ter uma colaboração extraordinária no compartilhamento de informações patogênicas, mas não há garantias de que sempre será assim. Alguns países poderiam decidir não compartilhar patógenos e suas sequências genéticas e negar aos cientistas – de empresas e instituições públicas de pesquisa – o acesso a dados genéticos e amostras físicas.

A recusa em compartilhar patógenos

Essa não é uma possibilidade distante. Longe disso. É verdade que o Protocolo de Nagoia inclui um artigo sobre dar a devida importância às emergências sanitárias, mas isso não é suficiente. Nos últimos anos, vários governos têm se recusado a compartilhar patógenos. Somente nos últimos três anos, tem sido adiada a liberação de dados sobre mais de 30 cepas diferentes de gripe.

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Há quase uma década, a Arábia Saudita reivindicou seus direitos sobre a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), atrasando os esforços para rastrear a doença e avaliar os riscos associados a ela. Atrasos similares ocorreram com o Ebola (África Ocidental) e a influenza (Vietnã, Indonésia, entre outros). Diferentes países, como Índia, Brasil, África do Sul e Malásia, afirmam que o protocolo se aplica a informações derivadas de recursos genéticos, incluindo informações de sequenciamento digital (DSI).

Essa é uma possível – e verdadeira – perversão da lógica bem-intencionada por trás da Convenção sobre Biodiversidade e do próprio Protocolo de Nagoia. Sem o acesso livre a patógenos e seus sequenciamentos, os cientistas não seriam capazes de desenvolver contramedidas médicas. Um vírus letal que não conhece fronteiras dificilmente pode ser classificado como um recurso nacional cuja biodiversidade deve ser preservada. O protocolo não foi projetado para colocar vidas em risco através de uma forma equivocada de protecionismo patogênico.

Peter Bogner, o fundador da GISAID, a plataforma pública utilizada por cientistas para compartilhar rapidamente seus genomas com o mundo, disse que o Protocolo de Nagoia “foi orientado para objetivos extremamente diferentes do compartilhamento de patógenos para a saúde pública e resposta a emergências”.

Agora que os ministros da saúde estão em foco e que a preparação para pandemias tem o mais alto nível de atenção, podemos finalmente esperar que a má implementação do Protocolo de Nagoia seja abordada, uma vez que o acordo foi elaborado com um objetivo ambiental em mente.

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OMC deveria quebrar monopólio de vacinas contra Covid-19

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Resposta à Ômicron

As empresas biofarmacêuticas deram o pontapé inicial para a resposta à variante Ômicron, assim como fizeram com as variantes anteriores do coronavírus. Elas estão trabalhando rápida e diligentemente para determinar como as vacinas atuais podem enfrentar esta última variante.

Elas também estão buscando descobrir novas tecnologias e vacinas para possivelmente combater novas variantes do coronavírus ou vírus desconhecidos. Esperamos que as nossas atuais vacinas contra a Covid-19 continuem a oferecer uma proteção robusta contra formas graves da doença, mas podemos ter certeza de que continuaremos a descobrir outras variantes que apresentarão riscos ainda maiores, para as quais precisaremos de vacinas novas ou atualizadas.

Por isso, é vital que as negociações sobre o novo acordo de preparação para pandemias abordem diretamente a alteração ou, pelo menos, o esclarecimento do Protocolo de Nagoia. É do interesse de todos nós ter uma garantia jurídica para o compartilhamento de patógenos. O protocolo deve ser implementado de uma maneira compatível com os sistemas de vigilância e resposta respeitados pelos cientistas. Os políticos precisam entender que algumas das questões técnicas complexas com as quais os ministérios do meio ambiente lidam têm o potencial de ameaçar nossa segurança sanitária global.

No início de dezembro, a Suíça, juntamente com outros 193 países, participou de uma sessão especial da Assembleia Mundial da Saúde, em Genebra. Ela foi concluída com todos aplaudindo de pé, após as delegações ministeriais terem concordado em avançar com um novo acordo global sobre como o mundo deve se preparar e responder a futuras pandemias. Foi acordado o prazo de dois anos para elaborar o acordo, para que ele seja apresentado na Assembleia Mundial da Saúde em 2024.

As opiniões expressas neste artigo são exclusivamente do autor e não refletem necessariamente as opiniões da SWI swissinfo.ch.

Adaptação: Clarice Dominguez

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