“É triste dar adeus a uma geleira”
Os glaciares da Suíça estão derretendo mais rápido do que nunca. Nos últimos dois anos, perderam 10% de volume.
A perda recorde de volume em 2022, de 6%, foi seguida por outra redução de 4% este ano. Invernos secos seguidos de verões quentes foram responsáveis pelo degelo acelerado.
O glaciologista Matthias Huss, do instituto federal de tecnologia ETH Zurique, há 20 anos monitora galerias na Suíça e testemunhou em primeira mão a diminuição recente no gelo. Como chefe da Rede Suíça de Monitoramento de Geleiras, Huss tem uma visão única sobre o derretimento dos gigantes de gelo da Suíça.
SWI: A última aceleração do derretimento das geleiras surpreendeu você?
MH: O derretimento das geleiras no ano passado quebrou todos os recordes. Ficamos chocados, apesar de os modelos científicos terem previsto que isso poderia acontecer. Os resultados ainda estavam fora dos limites da nossa experiência pessoal.
+ Por que o derretimento das geleiras nos afeta?
O derretimento deste ano foi menos chocante para nós – e isso é preocupante. Um recorde após o outro está se virando o novo normal.
SWI: Como você é afetado pessoalmente por esse fenômeno?
MH: Paramos de medir geleiras em três locais no ano passado e em mais um este ano. As geleiras tornaram-se tão pequenas que os dados não são mais representativos. Os locais também estão se tornando instáveis e perigosos para trabalhar devido à queda de pedras.
Com o passar dos anos você constrói um relacionamento pessoal com cada montanha, conhece cada pedra.
Portanto, embora seja interessante, do ponto de vista científico, ser testemunha destas mudanças dramáticas, também é uma experiência muito triste quando nos despedimos de um glaciar pela última vez.
SWI: Podemos esperar a mesma taxa de derretimento das geleiras todos os anos?
MH: Não espero que as condições sejam tão ruins todos os anos. O derretimento das geleiras é causado por invernos secos – que deixam somente uma cobertura fina de neve nas geleiras – e por altas temperaturas no verão.
Podemos esperar verões mais quentes, mas os modelos de precipitação não prevêem tão pouca neve todos os anos.
SWI: Qual é o futuro das geleiras suíças?
MH: As previsões científicas prevêem que a Suíça perderá entre 80% e 99% da sua massa glaciar até ao final do século, dependendo de uma variedade de condições possíveis. Penso que o resultado mais provável será uma perda de 80-90% da massa glaciar suíça até 2100.
Poderíamos salvar cerca de um terço dos glaciares suíços se atingirmos os objetivos do Acordo de Paris – o compromisso assinado por 196 países em 2015 de conter o aquecimento global em menos de dois graus Celsius acima dos níveis pré-industriais.
Mas isso é virtualmente impossível, na minha opinião. Seria necessária uma reviravolta completa no comportamento global. As emissões de C02 precisariam ser reduzidas a zero nos próximos 30 anos.
SWI: As geleiras podem se regenerar em condições equilibradas?
MH: As geleiras poderiam se regenerar, se tivéssemos uma melhoria no clima. Mas isso levaria muito tempo. Os glaciares maiores levariam várias décadas, ou mesmo séculos, para recuperar a sua massa.
Para alcançar as condições certas, as temperaturas teriam de arrefecer dois ou três graus Celsius e precisaríamos de muita neve para isolar os glaciares. Isto é extremamente irrealista.
SWI: Como o aquecimento global impacta a Suíça?
MH: O impacto do aquecimento global é ampliado na Suíça devido aos efeitos locais.
A Suíça está situada muito longe dos oceanos para se beneficiar do seu efeito de atenuação das temperaturas. A perda da cobertura de neve nas montanhas também amplifica o aumento das temperaturas porque a neve reflete a radiação de volta para a atmosfera.
Isto significa que a Suíça experimenta o dobro dos aumentos de temperatura observados globalmente.
(Adaptação: Clarissa Levy)
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