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Adolfo Lutz, o suíço-brasileiro que influenciou uma geração de cientistas

Estátua coberta por uma máscara de proteção
A estátua de Adolfo Lutz em frente ao instituto com o mesmo nome em São Paulo. O cientista de origem suíça é considerado o "pai da medicina tropical e da zoologia médica no Brasil". cortesia

Membro de uma família influente de Berna e nascido no Rio de Janeiro, o pioneiro da Medicina Tropical no Brasil foi fundamental no combate às epidemias no início do século 20. Entusiasta da divulgação científica no Brasil e no exterior, Adolfo Lutz foi mestre de grandes nomes da ciência, como Oswaldo Cruz e Vital Brazil. 

Adolfo LutzLink externo é um dos cientistas brasileiros menos estudados, mas, para muitos especialistas, é o mais importante da história da ciência brasileira. Pioneiro da Medicina Tropical no início do século 20, Lutz foi responsável por transformar a medicina tradicional, à época baseada em retórica e conceitos vagos, numa ciência exata, apoiada na observação experimental dos fatos.

Como um homem à frente do seu tempo, Lutz pavimentou a metodologia do conhecimento científico e fez importantes descobertas sobre insetos vetores, como da malária silvestre. A sua pesquisa engajada e inovadora para a época contribuiu para erradicar epidemias, como a de febre amarela, cólera e febre tifoide.

“Era um momento em que as pessoas estavam descobrindo que os insetos transmitiam doenças, que outros animais eram hospedeiros de outros grupos de microrganismos, coisas que não se conhecia na época. Ele, então, teve esse aprendizado. Era um homem muito sério e observador, uma qualidade maravilhosa para o momento”, disse à swissinfo.ch Magali Romero Sá, vice-diretora de Pesquisa e Educação da Fundação Oswaldo CruzLink externo.

Formação na Suíça

Filho de pais suíços, Lutz nasceu em 1855 no Rio de Janeiro. Gustav Lutz e Mathilde Oberteuffer faziam parte de uma das famílias mais tradicionais de Berna, a capital da Suíça. O avô do cientista, Friedrich Bernard Jacob Lutz, foi chefe do serviço médico do exército da Confederação Helvética. A família suíça era também influente no Brasil. Em 1880, a mãe de Lutz fundou o primeiro Colégio Suíço-Brasileiro, em Botafogo, no Rio de Janeiro.

Quando Lutz tinha apenas dois anos, o casal, que teve dez filhos no Rio de Janeiro, decidiu regressar à capital suíça, onde o cientista se formou em Medicina pela Universidade de Berna. Depois da graduação, Lutz estudou técnicas de medicina experimental nos melhores centros médicos da Inglaterra, Alemanha, Áustria, República Tcheca e França, onde conheceu Louis Pasteur.

Duas pessoas trabalhando em um laboratório
Adolfo Lutz trabalhando no laboratório do Centro de Zoologia do Instituto Oswaldo Cruz, com a sua filha, Bertha Lutz, nos anos 1920. Instituto Adolfo Lutz

Ao regressar ao Brasil em 1881, passou a atuar como clínico geral em Limeira, no interior de São Paulo, onde se dedicou aos estudos sobre parasitoses em animais silvestres. Lutz voltou ao Brasil com um conhecimento sólido num momento de novas descobertas. “Ele trouxe esse conhecimento da Europa e passou adiante. Ele formou e contribuiu com a nova geração de cientistas de muitas outras formas”, afirma Sá.

Além da Europa, Lutz percorreu diversas regiões do Brasil, além dos Estados Unidos e Oceania, e fez inúmeras publicações, sendo um elo de divulgação científica entre o Brasil e o exterior.

O livro “Adolpho Lutz e a história da medicina tropical no BrasilLink externo”, escrito por Sá e pelo pesquisador Jaime Larry Benchimol, detalha a sintonia que Lutz estabelecia com o “arsenal teórico e metodológico dos microbiologistas alemães, franceses e ingleses”. Durante os anos de formação na Suíça e Alemanha, publicou trabalhos sobre zoologia. Em 1886, voltou à Alemanha para se aprofundar no estudo da lepra. Essa linha de pesquisa o levou a dirigir o leprosário de Molokai, no Havaí́. 

Os laços com a Suíça continuaram no decorrer da carreira. Em 1878, foi premiado pela Sociedade de Ciências Naturais de Berna pela sua descrição da carapaça Alona verrucosa, uma espécie nova na época que foi encontrada nos arredores da capital suíça. Em 1882, descreveu o ensino da medicina no império brasileiro num artigo publicado no periódico de Berna Correspondenz-Blatt für Scheweiz Aerzte.

O mestre de uma geração de grandes cientistas

Lutz retornou ao Brasil em 1892, quando foi convidado pelo governo do estado São Paulo a dirigir o Instituto Bacteriológico. Nessa época, Lutz trabalhou com Emílio Ribas e Vital Brazil, quando a cidade de Santos, no litoral paulista, sofria uma epidemia de peste bubônica.

“Lutz trouxe toda a experiência que adquiriu no exterior e montou um serviço diferenciado de investigação nessa área de doenças infecciosas e parasitárias”, conta Pedro Luiz Silva Pinto, diretor do Núcleo de Parasitoses Sistêmicas e editor chefe da revista do Instituto Adolfo Lutz, com sede em São Paulo.

Três pessoas: dois homens e uma mulher no meio
Adolfo Lutz (esq.) no Castelo Mourisco, no Rio de Janeiro, nos anos 1920. cortesia

Ao lado de outros cientistas de destaque, Lutz estava na vanguarda dos desenvolvimentos na área de saúde pública. Como um grande influenciador dos colegas da sua época, como Oswaldo Cruz e Carlos Chagas, Lutz era considerado “o grande professor”.  

“Lutz foi um dos maiores cientistas que nós tivemos no Brasil naquele período, além de um grande influenciador da comunidade científica. Oswaldo Cruz o tratava como um grande mestre”, diz Sá. Em 1908, Lutz foi convidado para trabalhar no Instituto Oswaldo Cruz, em Manguinhos, no Rio de Janeiro, onde permaneceu até a sua morte. 

Introspectivo, sério e sarcástico, Lutz era muito ligado à família – a sua mulher, a enfermeira inglesa Amy Fowler, e os três filhos – e ao trabalho. “Ele era tão dedicado à pesquisa que muitas vezes dormia no Instituto Oswaldo Cruz. O trabalho era a coisa mais importante para ele”, conta Sá.

No decorrer da carreira, Lutz navegou por uma série de áreas correlacionadas, passando pela clínica médica, helmintologia, bacteriologia, veterinária, dermatologia, entomologia, entre outros. Fez estudos sobre parasitoses de animais silvestres e domésticos, lepra, ancilostomíase, febre amarela, tuberculose, além de doenças de pele e do intestino.

A ampla interdisciplinaridade que permeia a carreira de Lutz é um dos seus maiores legados para a ciência brasileira. “Como médico, contribuiu para várias áreas do conhecimento, inclusive para a zoologia. Ele nos deixou o bom exemplo do pesquisador dedicado”, complementa Pinto.

Apenas 20 dias após a morte de Lutz, aos 84 anos, em outubro de 1940, a comunidade científica não teve dúvidas ao nomear o novo instituto criado a partir da fusão do Instituto Bacteriológico com o Laboratório Bromatológico de Instituto Adolfo Lutz. “O nome dele veio à tona, porque Lutz era a maior inspiração para o trabalho do novo instituto”, diz Adriano Abbud, diretor de Respostas Rápidas do Instituto Adolfo Lutz.

Salto de conhecimento

Como um centro de saúde pública interdisciplinar, o Instituto Adolfo LutzLink externo atua nas áreas química e de ciência de alimentos, assim como na área médica, com a análise de parasitas, fungos, vírus e bactérias. A Biblioteca Virtual em Saúde Adolpho LutzLink externo tem um extenso acervo com revistas científicas da época de Lutz e também funciona como um museu. O instituto publica regularmente uma revista científica.   

Foto antiga de um homem
Adolfo Lutz (1855 – 1940) cortesia

“O Instituto Adolfo Lutz foi decisivo no controle das duas epidemias de meningite meningocócica, no século 20, e também no diagnóstico do vírus HIV. O instituto sempre procurou dar resposta aos grandes problemas de saúde”, disse Abbud.

Em fevereiro, o laboratório do instituto já estava com a tecnologia preparada para diagnosticar os primeiros casos de Covid-19 no estado de São Paulo e também fez o primeiro sequenciamento do vírus no país, em apenas 48 horas.

Magali Romero Sá, da Fiocruz, lembra que Lutz alertava sobre o impacto da interferência humana no meio ambiente. “Ele sempre alertava que, quando o homem adentra o meio ambiente, aquele espaço que antes estava saudável entra em desequilíbrio”.

Como uma das principais pesquisadoras sobre o legado do cientista suíço-brasileiro, Sá imagina o que Lutz diria sobre como o governo do presidente Jair Bolsonaro tem lidado com a pandemia de Covid-19.

“Adolfo Lutz ficaria extremamente constrangido com a falta de apoio à ciência no Brasil neste momento. Como ele não gostava de se envolver com a política, acho que ele não iria se expressar publicamente, mas a filha dele se expressaria por ele”, conta.

A zoóloga e ativista feminista Bertha LutzLink externo, que também foi deputada na Câmara Federal, liderou a luta pelos direitos políticos das mulheres brasileiras, sobretudo o voto feminino. Depois da morte de Lutz, dedicou-se a imortalizar o legado científico deixado pelo pai.

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