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Ameaças climáticas: vivendo aos pés de uma montanha instável

Spitzer Stein mountain in Bernese Oberland
Na montanha Spitzer Stein acima de Kandersteg, as quedas de rochas não são novidade, mas os especialistas dizem que a instabilidade está se acelerando, em parte causada pelo descongelamento do permafrost. Office for Forests and Natural Hazards, Canton of Bern

A conferência sobre o clima COP26 tem como objetivo estabelecer metas climáticas mais ambiciosas. Para alguns, contudo, já é tarde demais. Na popular cidade alpina de Kandersteg, na região do Oberland Bernês, os moradores vivem sob a ameaça do desmoronamento da montanha vizinha Spitzer Stein.

No meio de um lago azul-esmeralda, dois turistas tentam, com dificuldade, manejar um barco a remo. “Vocês precisam puxar, não empurrar”, grita Robin da margem.

O jovem barqueiro sorri e dá um longo trago em seu cigarro. Todos os anos, milhares de pessoas visitam o magnífico lago Oeschinen e a montanha acima da cidade de Kandersteg. Esta manhã de outono, contudo, está tranquila. Não há muitos interessados em alugar um de seus barcos ou dar um mergulho na água gelada.

Robin, a boatman at Oeschinensee Lake
Robin aluga barcos no lago Oeschinen, acima de Kandersteg. swissinfo.ch

O sol matinal bate no majestoso conjunto de picos, que chegam até 3.000 metros de altura. De repente, o som de fogos de artifício ecoa ao redor do lago. Turistas nervosos apertam os olhos para observar as nuvens de poeira que se elevam acima de um flanco distante.

“São apenas pequenas rochas caindo no Spitzer Stein”, diz Robin. “Meu chefe me disse que tiveram algumas bem grandes ontem à noite, às 2 da manhã”.

Robin não está muito preocupado que as rochas caíam no lago Oeschinen e destruam seu negócio de aluguel de barcos. Mas ele se preocupa com seu povoado, Kandersteg, que estaria diretamente no caminho de qualquer deslizamento de terra, corrente de lama ou inundação caso o Spitzer Stein desabasse.

Animação de 30 segundos de Kandersteg e do Spitzer Stein (Google Earth).

A possibilidade de um desastre paira sobre o Spitzer Stein, uma montanha de 2.974 metros em formato de Toblerone. Aqui, há uma movimentação de cinco vezes mais rochas do que havia na queda do Piz Cengalo, em 2017, que devastou a vila de Bondo e matou oito alpinistas. Na pior das hipóteses, vinte milhões de metros cúbicos de calcário e marga – o equivalente a oito pirâmides – poderiam cair, acompanhados de outros detritos e água, inundando Kandersteg e seus habitantes.

Autoridades governamentais, especialistas e ativistas estão se reunindo em Glasgow, Escócia, de 31 de outubro a 12 de novembro, para a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP26)Link externo. O objetivo da cúpula é negociar ações climáticas mais ambiciosas por parte dos quase 200 países que assinaram o Acordo de Paris em 2015. Todos eles concordaram em manter o aumento da temperatura mundial bem abaixo de 2°C e a se esforçar para limitá-lo a 1,5°C.

A Suíça está se dedicando a propor regulamentações que se aplicam a todos os países igualmente e se concentram em três pontos. Em primeiro lugar, a redução de emissões de gases de efeito estufa que um país realiza no exterior deve ser contabilizada apenas uma vez (ao invés de contar para ambos os países). Além disso, a Suíça também defende um maior investimento em medidas de proteção climática, especialmente nas nações mais pobres. Por fim, ela pressionará para que cada país desenvolva estratégias voltadas para alcançar a neutralidade climática até 2050.

Degelo do permafrost

A crise climática, foco das próximas negociações da COP26 em Glasgow (ver infobox), está lentamente transformando os Alpes suíços. As temperaturas estão aumentando, as geleiras estão derretendo, e o degelo do permafrost está comprometendo a estabilidade das encostas montanhosas. O Ministério do Meio Ambiente estima que 6 a 8% do território suíço está instável. Os povoados abaixo das zonas de permafrost devem esperar cada vez mais deslizamentos de terra e correntes ​de lama nos próximos anos.

Permafrost
Uma foto das rochas e do solo congelado na montanha Spitzer Stein. Office for Forests and Natural Hazards, Canton of Bern

O permafrost e as ameaças às regiões alpinas não serão especificamente discutidos na reunião da COP26. Mas ocorrerão discussões mais amplas sobre como as comunidades se adaptarão a desastres climáticos. Cada país deve apresentar uma “Comunicação sobre Adaptação”, descrevendo seus esforços, planos futuros e necessidades de adaptação relacionadas ao impacto da mudança climática.

No caso da Suíça, a estratégia para adaptação à mudança climática a longo prazo concentra-se em 12 áreas prioritárias e inclui a gestão dos riscos crescentes de deslizamentos de terra, inundações, ondas de calor e secas.

A tendência de aquecimento do permafrost é visível em todos os Alpes suíços. Nos últimos 20 anos, a rede Permos tem monitorado e documentado as condições do permafrost em 30 locais. Suas avaliações traçam um cenário sombrio: em muitos locais de alta altitude, as temperaturas do permafrost atingiram níveis recordes, bem como a espessura da camada ativa (a camada mais alta do solo que degela no verão) e a velocidade de movimento das geleiras de rochas.

Spitzer Stein hazard area
Office for Forests and Natural Hazards, Canton of Bern

No Spitzer Stein, as quedas de rochas não são novidade. Mas, durante a última década, partes da montanha se tornaram mais instáveis. As zonas frágeis se estenderam, com grandes rachaduras aparecendo na rocha exposta. As causas são várias. Acredita-se que o degelo do permafrost tenha exacerbado a instabilidade nas partes superiores da montanha. As temperaturas mais elevadas derreteram o gelo, permitindo que a água penetrasse na rocha subjacente e contribuísse para a instabilidade.

“Ao longo dos últimos três anos, realmente pudemos observar que toda a montanha está derretendo lentamente”, diz Robert Kenner, um especialista em permafrost do Instituto de Pesquisa de Neve e Avalanche (WSL).

Monitoramento 24h

O problema é que a instabilidade está se acelerando. A enorme queda de neve no inverno passado e as fortes chuvas neste verão aumentaram o ritmo em que o Spitzer Stein está se movendo em direção ao vale, explica Nils Hählen, chefe do departamento de desastres naturais do cantão de Berna.

“A seção que está deslizando mais rápido se move cerca de 6 a 8 metros por ano, o que é muito”, destaca. “Temos procurado casos semelhantes nos Alpes ou em qualquer outra parte do mundo, e é realmente difícil encontrar deslocamentos que sejam assim tão grandes”.

Desde 2018, Hählen e sua equipe de especialistas têm observado atentamente a montanha, estabelecendo uma rede de monitoramento 24 horas, que inclui dezenas de radares, GPSs, câmeras e instrumentos de medição de precipitação.

Some of the specialist equipment used to monitor the Spitzer Stein 24hours a day.
Alguns dos equipamentos especializados utilizados para monitorar o Spitzer Stein no lado oposto do vale. swissinfo.ch

Segundo Hählen, é improvável que os 20 milhões de metros cúbicos desabem todos em um único e enorme deslizamento de terra. Mas, ao longo dos próximos 5 a 10 anos, é possível que haja quedas de rochas menores, de 1 a 8 milhões de metros cúbicos.

Ele alerta: “No pior dos casos, [uma avalanche de rochas] poderia chegar bem perto do vilarejo, mas não chegaria a atingi-lo. De toda forma, estamos preocupados com processos secundários, como o fluxo de detritos”. Um grande deslizamento de terra acompanhado de fortes chuvas e correntes de lama poderia inundar partes de Kandersteg.

Protegendo o vilarejo

Com sua gravata vermelha balançando ao vento, o prefeito de Kandersteg, René Maeder, detém-se à beira de uma represa de dez metros de largura, perto do centro da cidade. O homem de 67 anos aponta para onde uma enorme rede metálica será esticada através da barragem para segurar rochas e detritos vindo do Spitzer Stein. O custo dessa estrutura de segurança, que ainda está sendo finalizada, chega a CHF 11,2 milhões (12 milhões de dólares).

René Maeder, president of Kandersteg.
O prefeito de Kandersteg, René Maeder, em pé na represa de proteção da pequena cidade. swissinfo.ch

“Essas medidas de proteção ajudam em situações de pequeno e médio porte. Mas é impossível que elas protejam contra a improvável eventualidade de um grande deslizamento de rochas – impossível”, diz Maeder, que nasceu no vilarejo de 1.300 habitantes.

Opiniões divididas

Até agora, as pequenas quedas de rochas e os alertas de geólogos resultaram no fechamento de trilhas e setores diretamente abaixo do Spitzer Stein. Os visitantes não parecem estar perturbados e funcionários do setor de hotelaria afirmam que não houve nenhum impacto perceptível no turismo.

Os habitantes do vilarejo, por sua vez, têm opiniões diversas sobre os perigos, sendo os mais velhos muitas vezes mais céticos.

“Me sinto segura”, diz Doris Wandfluh, moradora idosa da cidade. “Agora temos uma proteção caso as primeiras rochas caiam. E se caírem mais, talvez haja pequenos danos, mas acho que os moradores serão protegidos a tempo, e qualquer dano pode ser reparado”.

Ela diz que os moradores antigos são mais acostumados com desastres naturais, como avalanches e tempestades, do que os recém-chegados, que estão assustados “pois têm em mente o desastre de Bondo”.

Vídeo do deslizamento de terra no Piz Cengalo, em 2017, que atingiu a vila de Bondo no cantão dos Grisões, no sudeste da Suíça (YouTube).

Conteúdo externo

O barqueiro Robin tem suas dúvidas acerca das medidas de proteção. “Algumas pessoas dizem que usar a barragem não é um bom plano, que ela não é suficientemente larga no fundo; eu concordo”.

“Proibição das construções”

Graças ao extenso monitoramento de alta tecnologia, será dado um aviso de 48 horas caso qualquer desastre se aproxime. Os residentes devem ser evacuados a tempo, juntamente com os animais de criação. Mas as propriedades e infraestruturas poderão ser danificadas.

Os perigos dos deslizamentos de rochas são uma grande dor de cabeça para o prefeito Maeder e os vários moradores do local. No outono passado, as autoridades de Berna apresentaram um novo mapa dos perigos de Kandersteg que leva em conta a nova situação. Quase dois terços do vilarejo foram classificados como zonas vermelha ou laranja, inclusive a prefeitura. Nenhum prédio novo pode ser erguido e os edifícios destruídos não podem ser reconstruídos. Somente pequenas reformas e ampliações são permitidas.

“É basicamente uma proibição das construções. É um desastre para as empresas locais”, diz o marido de Doris Wandfluh, Peter, que é arquiteto. Devido às zonas de risco, ele teve cinco requerimentos para construção rejeitados recentemente – eles somavam um total CHF 3,5 milhões.

View of Kandersteg
Uma vista aérea de Kandersteg em direção ao Spitzer Stein e o lago Oeschinen. swissinfo.ch

No ano passado, alguns residentes contataram Maeder para pedir-lhe que lutasse contra o novo zoneamento de risco, que afirmam ser exagerado e imposto pelas empresas de seguros de construção civil. Espera-se uma decisão sobre possíveis adaptações para dezembro.

“Atualmente, temos a tendência de querer segurar tudo. Mas simplesmente não é possível”, diz o prefeito.

Os habitantes de Kandersteg têm convivido com perigos há gerações. A questão permanece: Que tipos de riscos eles estão dispostos a assumir?

“Até que ponto queremos estar segurados para um evento que pode causar apenas danos materiais?” diz Maeder.

Adaptação: Clarice Dominguez

Adaptação: Clarice Dominguez

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