Apertem os cintos: as emissões da aviação estão prestes a decolar novamente
Após dois anos de restrições impostas pela pandemia, a demanda por voos começou a crescer. Muitos suíços viajam de avião frequentemente e neste verão estão especialmente ansiosos para embarcar. Mas será que as emissões de CO2 da aviação vão comprometer as metas climáticas do país?
Durante grande parte da crise da Covid-19 o Aeroporto de Genebra ficou assustadoramente vazio. Balcões de check-in e esteiras de bagagem acumulavam poeira, enquanto aviões aterrados estavam estacionados na pista. Mas com as restrições de viagem enfim suspensas, os passageiros estão voltando com força e em grande número.
O principal período de férias de verão ainda não começou, mas o terminal de Genebra estava bem movimentado em uma brilhante manhã de terça-feira de junho. Carrinhos empilhados com malas multicoloridas passavam deslizando. Viajantes entediados verificavam seus telefones em longas filas sinuosas de voos para Lisboa, Atenas e Dubai. Fora do aeroporto, passageiros fumavam seus cigarros de última hora.
“Todo mundo que conheço está viajando. Este é o meu terceiro voo desde o ‘retorno ao normal’”, contou Amella entre baforadas.
A jovem engenheira de Lausanne está viajando para Istambul com sua mãe, marido e filha para comemorar o aniversário de 50 anos de sua mãe. “Tivemos que trabalhar em casa durante a Covid, mas assim que pude, voltei a viajar”, conta.
Após dois anos de Covid-19, a forte demanda reprimida, a suspensão das restrições de viagens na maioria dos mercados e a expansão das economias pessoais estão alimentando o retorno das viagens aéreas, apontaLink externo a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA). O órgão global do setor minimiza as dificuldades atuais enfrentadas pelos aeroportos e companhias aéreas europeias – como a escassez de funcionários após a pandemia e as greves por melhores salários e condições de trabalho – enquanto vê com surpresa e otimismo o forte retorno das pessoas às cabines de voos comerciais.
Apesar de uma possível interrupção, as autoridades de Genebra esperamLink externo que o tráfego aeroportuário deste verão retorne a 90% do nível observado em 2019. O Aeroporto de Zurique prevê um número semelhante. Mas com essa recuperação mais forte do que o esperado e uma trajetória ascendente renovada, reaparece a questão das emissões da aviação e seu papel na meta da Suíça de se tornar neutra em carbono até 2050.
Os suíços adoram voar, muito mais do que outros europeus. Cada cidadão suíço voa em média 9.000 km por ano, estimouLink externo o Departamento Federal de Estatística em 2015.
Amella voa cerca de seis vezes por ano, principalmente na Europa, mas duas delas são geralmente voos intercontinentais longos. Em fevereiro ela foi para a ilha tanzaniana de Zanzibar para mergulhar. Mas ela admite que se preocupa com os danos ao planeta toda vez que faz um voo longo. “Sei que não é bom para o meio ambiente, mas continuo fazendo. Quero conhecer o mundo”, diz ela.
Voando para o passado
Ela não é a única preocupada com as emissões da aviação. Os grupos ambientalistas WWFLink externo e Greenpeace alertaram recentemente sobre o impacto da recuperação do setor.
“Temo que nos recuperemos e até voltemos à trajetória crescente que tínhamos antes. Escuto as pessoas dizendo com muito mais frequência ‘finalmente posso viajar de novo’ do que algo como ‘essa pandemia realmente me fez pensar em todo o sistema'”, diz Georg Klingler, especialista em clima do Greenpeace Suíça.
As viagens aéreas cresceram rapidamente nas últimas décadas e seguirão aumentando, pois são uma necessidade humana, retruca Hansjörg Bürgi, editor-chefe da revista de aviação suíça Skynews.chLink externo.
“Na América do Sul, África e Ásia, pela primeira vez muitas pessoas estão ganhando o suficiente, ou ganharão o suficiente, para viajar e visitar amigos ou familiares. Esse é o principal fator para o tráfego aéreo.”
Participação crescente das emissões da aviação
Hoje, os aviões respondem por 2-3% das emissões mundiais de dióxido de carbono (CO2), mas antes da pandemia sua participação vinha crescendo rapidamente. As emissões globais de CO2 podem dobrar até 2050, em comparação com 2019, à medida que mais pessoas voam, conforme dados da Organização da Aviação Civil InternacionalLink externo (ICAO).
Na Suíça, a participação da aviação nas emissões de CO2 já é maior. O país registrou 59 milhões de passageiros aéreos em 2019, o dobro do número de passageiros de 2005. No mesmo período (2005 a 2019), as emissões de CO2 do tráfego aéreo cresceram em média 3% ao ano.
O país alpino anunciou recentemente que não cumpriu sua meta geral de redução de gases de efeito estufa para 2020. O setor de transporte, incluindo a aviação, foi um dos piores infratores.
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Suíça falha meta de redução de gases de efeito estufa
De acordo com os índices de 2019, os voos domésticos e internacionais (civis e militares) representaram 11% de todas as emissões de CO2 na Suíça. Mas os cientistasLink externo e o governoLink externo reconhecem que as emissões diretas de CO2 geradas pela aviação devem ser ponderadas por um fator de três elementos para refletir o verdadeiro impacto causado no meio ambiente – levando em conta as emissões adicionais de óxidos de nitrogênio, dióxido de enxofre, fuligem e vapor de água.
Recalculados desta forma, os aviões que entram e saem da Suíça ultrapassariam o tráfego rodoviário, virando o setor com o pior impacto global no clima (27% do total), seguido por outros transportes (23%), construção (18%) e indústria (18%).
Não existe uma previsão do governo para as emissões da aviação para o período pós-Covid. Um cálculo feito pelo Departamento Federal de Aviação Civil em 2015 previu um crescimento anual de 3,2% em passageiros aéreos e 2,1% em número de voos para o período de 2013-2030.
Abastecimento de aeronaves a longo prazo
A aviação continua sendo uma das fontes de emissões em crescimento ao mesmo tempo em que é um problema difícil de resolver. No período que antecedeu as negociações climáticas da ONU na Escócia no ano passado, o setor aéreo prometeu chegar a zero emissões líquidas até 2050, mas admitiu que as aeronaves de hidrogênio e elétricas não estariam operando em números significativos até a década de 2040. Até então, os combustíveis fósseis tradicionais para aviação precisariam ser substituídos por combustíveis de aviação sustentáveis (SAFs), que produzem até 80% menos emissões de carbono do que os combustíveis convencionais e são feitos de biomassa (plantas ou resíduos) ou carbono reciclado.
Em 2009, a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), que afirma representar cerca de 290 companhias aéreas responsáveis por mais de 83% do tráfego aéreo global, estabeleceu a meta de reduzir pela metade as emissões de CO2 do transporte aéreo até 2050 em relação aos níveis de 2005.
A Organização de Aviação Civil Internacional (ICAO) da ONU adotou em 2016 uma estratégia que visa melhorar a média anual de eficiência do combustível em 2% até 2050. Os estados membros da ICAO devem se reunir em setembro para discutir metas climáticas mais duras.
No início de 2021, representantes de companhias aéreas, aeroportos, fabricantes de aeronaves e órgãos de controle de tráfego aéreo europeus anunciaram uma estratégia chamada “Destino 2050” que visa atingir a neutralidade de carbono de todos os vôos com partida da Europa até 2050.(UE, EFTA, Reino Unido).
Fonte: Departamento Federal da Aviação Civil (DFAC)Link externo
Na Suíça, os críticos culpam o governo e a indústria pela falta de uma estratégia clara para reduzir as emissões da aviação. Mas as autoridades dizem que estão fazendo muito.
A Suíça participa do programa internacional de compensação das emissões CORSIA, embora os resultados sejam modestos, como admitiu a ministra do Meio Ambiente, Simonetta Sommaruga, ao parlamento em maio. Mais recentemente, sob a lei de CO2 revisada, o governo está propondo várias medidas para reduzir a emissão de CO2 até 2030, como a mistura de cotas para misturar SAFs com combustível de aviação convencional e o financiamento de pesquisas sobre SAFs. O setor de aviação suíço também quer se concentrar em aumentar a eficiência energética dos aviões em terra e no ar, além de investir em projetos de compensação de carbono.
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Institutos suíços de pesquisa buscam desenvolver combustíveis verdes para aviação
Mas Philippe Thalmann, professor de economia ambiental do Instituto Federal Suíço de Tecnologia em Lausanne, tem dúvidas sobre a eficácia de medidas como compensações ou aeronaves mais eficientes em termos de combustível para redução das emissões. Segundo ele, combustíveis alternativos feitos de biomassa apenas criam dores de cabeça ambientais adicionais.
“O setor da aviação pretende reduzir o seu impacto climático de uma forma que não envolve a redução da sua atividade”, afirma. “Não acredito em nenhum programa de mitigação que não envolva menos voos.”
Passagens aéreas mais caras
Uma ideia que poderia reduzir o número de passageiros foi colocada novamente na mesa: a criação de uma taxa de passagem aérea.
A proposta fazia parte originalmente da lei de CO2 que foi rejeitada pelos eleitores suíços em junho de 2021. Mas continua relevante, diz o grupo ambiental umverkehR e o Swiss Transport Club VCS, que planejam lançar uma iniciativa popular sobre a taxação na próxima primavera. Um documento preliminarLink externo divulgado no ano passado sinalizava o que seria uma taxa diferenciada de passagens aéreas poderia reduzir o número de passageiros suíços em 21%, ao mesmo tempo em que arrecadaria CHF 1 bilhão por ano para projetos relacionados ao clima.
“Devemos correr o risco de falar sobre voar muito barato e o fato de ainda ser subsidiado indiretamente via IVA e imposto de combustível. Suspender esses subsídios indiretos é um dos passos mais importantes. O segundo passo seria uma taxa de passagem aérea”, diz Klingler, do Greenpeace.
O jornalista de aviação Bürgi duvida que um imposto suíço possa funcionar: “O problema ambiental precisa ser resolvido globalmente ou pelo menos em nível europeu. Se você colocar um imposto nos voos suíços, as pessoas simplesmente irão para Milão ou Munique e voarão de lá.”
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Imposto sobre passagens aéreas ganha forte apoio público
Em teoria, a população aceitaria a iniciativa da taxa. Uma pesquisa recente sugeriu que 72% dos entrevistados suíços apoiariam o aumento do preço das passagens aéreas por razões climáticas. Cerca de 42% dos 1.000 entrevistados disseram concordar com uma taxa de CHF 30 para voos de curta distância e CHF 120 para voos de longa distância; 50% concordaram com taxas mais elevadas.
Mas será que a ideia vai decolar se for levada a votação nacional? É difícil dizer. Uma pesquisa anterior encomendada pelo grupo de mídia Tamedia indicou que a maioria dos suíços não estavam dispostos a pagar mais para mitigar as mudanças climáticas.
Na parte externa do aeroporto de Genebra, Amella apagou o cigarro, pegou o passaporte e seu cartão de embarque para indicar que era hora de ir. Ela é a favor de um imposto. “Acho que é melhor que as pessoas peguem menos voos”, diz ela. “Se viajo para a França ou países próximos da Suíça, pego o trem ou divido um carro, tento ser cuidadosa, mas o problema é que gosto demais de viajar.”
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Adaptação: Clarissa Levy
(Edição: Fernando Hirschy)
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