Casamentos forçados são freqüentes na Suíça
Milhares de mulheres e homens que vivem no território helvético são vítimas de casamentos forçados. A denúncia é da Fundação Surgir, que encomendou o primeiro estudo sobre o assunto na Suíça.
A Surgir lança um apelo ao governo para que elabore uma estratégia nacional a fim ajudar as vítimas que sofrem física e psicologicamente dessa prática ilegal no país.
Ativa na defesa das mulheres vítimas de violências, a Fundação Surgir apresentou os resultados do primeiro estudo do gênero realizado na Suíça. A presidente da ONG, Jacqueline Thibault considera que a extensão do problema é “enorme”.
“O estudo será apresentado às autoridades suíças. Elas que precisam agir”, declarou a swissinfo. “Não há atualmente qualquer estratégia a respeito dos casamentos forçados na Suíça”, acrescentou a presidente da Surgir.
Para ter uma idéia do problema, já que não existem estatísticas, duas pesquisadoras contratadas pela ONG questionaram cerca de cinqüenta instituições como centros para migrantes, casas de acolhimento para mulheres, médicos, escolas e as polícias nos cantões de Vaud, Genebra, Friburgo, Berna, Zurique e Basiléia.
Só a ponta do iceberg
Somente nessa amostragem, as autoras do estudo contabilizaram pelo menos 400 casos em que uma jovem (em alguns casos rapazes) casaram-se à força ou sofreram fortes pressões para se casar.
Desse total, 140 casos recentes chegaram ao conhecimento das associações questionadas pelas pesquisadoras entre janeiro de 2005 e maio de 2006. Segundo Surgir, a falta de dados torna difícil uma avaliação exata da amplitude do problema. Além disso, as vítimas geralmente têm medo de falar.
“Esses dados são apenas a ponta do iceberg”, afirma Jacqueline Thibault.
Para ter um panorama mais completa, seria preciso interrogar cerca de duas mil instituições suscetíveis de ser confrontadas com o problema. Extrapolando os resultados, “podemos imaginar que na Suíça existem milhares de vítimas de casamentos forçados”, acrescenta a presidente de Surgir.
Vítimas de 13 a 18 anos
Mas, segundo ela, há um começo de tomada de consciência do problema. Um cidadão paquistanês de 26 anos foi recentemente condenado a 26 anos de prisão na Suíça depois de ter matado a esposa a marteladas.
A esposa de 21 anos – que vivia na Suíça desde o três anos de idade e tinha passaporte suíço – tinha pedido o divórcio após quatro meses de um casamento arrajado pela família.
Para Jacqueline Thibault, a justiça demonstrou claramente que os “crimes de honra” não devem ser tolerados.
Segundo o estudo, os casos relatados são de famílias migrantes originárias principalmente da ex-Iugoslávia, Oriente Médio, Ásia Central, Magrebe e África subsariana.
Um terço das vítimas têm entre 13 e 18 anos. Os casos mais freqüentes são de adolescentes filhas de famílias modestas. Em geral a pessoa é casada à força no país de origem a um marido ou a uma mulher da escolha da família.
Prática não está ligada à religião
A adolescente corre o risco de ser rejeitada pela família e pela sua comunidade – e até a um crime de honra – se rejeitar o casamento. “As vítimas são afetadas emocionalmente e a justiça tem poucos recursos para lutar contra esse fenômeno”, segundo Surgir.
O professor de Antropologia Social na Universidade de Fribourgo, Christian Giordano, estudioso do assunto, disse à Tribuna de Genebra que é preciso distinguir o casamento arranjado (que é consentido porque as pessoas se resignam)do casamento forçado, em que há rebelião.
Segundo Giordano, este último caso é o que ocorre na Suíça e em outros países europeus “em particular com os imigrantes da segunda geração”. Os filhos que nascem na Europa se emancipam, mas os pais mantém os valores tradicionais e patriarcais.
Portanto, afirma Giordano, “o casamento forçado não está ligado à religião, mas sim à práticas ancestrais de defesa da honra como último reduto simbólico importante”. A filha que recusa o marido escolhido pelo pai ofende sua honra e nega sua condição de patriarca, conclui o professor da Universidade de Friburgo.
Sete lugares em Zurich
O casamento forçado surge portanto da vontade de determinada comunidade, desenraizada, de preservar sua identidade, inclusive trazendo um esposo ou uma esposa do país de origem. Por vezes, as cerimônias ocorrem de surpresa durante uma viagem ao país natal.
Para as vítimas, é difícil saber a quem pedir ajuda. As instituições existentes, que eventualmente tratam do problema, não são especializadas.
Apenas em Zurique a “Mädchenhaus” atende essas pessoas, mas a instituição dispõe apenas de sete funcionários.
Além da campanha de sensibilização nacional, a Fundação Surgir recomenda a criação de novos locais de acolhimento e a instalação de uma atendimento telefônico de urgência. Ela preconiza ainda um reforço das leis suíças para melhor sancionar essa prática.
swissinfo com agências
A Fundação Surgir foi fundada em 2001 e está sediada em Lausanee (oeste).
Seu objetivo é lutar contra todas as formas de violência – física, psicológica, sexual ou social – cometida contra as jovens e as mulheres.
A fundação dá apoio financeiro a várias ONGs em diversos países do Oriente Médio, entre eles Jordânia, Iêmen, Líbano e territórios palestinos.
Segundo Surgir, é vítima de casamento forçado toda pessoa casada contra sua vontade, depois de sofrer pressões físicas ou psicológicas. As pessoas que fogem para evitar um casamento também são vítimas.
Para a Ong, os casamentos forçados violam a Convenção das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de discriminação das mulheres, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e vários artigos do Código Civil Suíço.
Surgir considera que o casamento arranjado, quando aceito por ambas as partes, não viola os direitos humanos.
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