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China desafia domínio dos EUA na IA e a Suíça pode ser o ponto de equilíbrio

Dois ícones na tela de um celular
China desafia o domínio do Vale do Silício com o lançamento do chatbot DeepSeek. Copyright 2025 The Associated Press. All Rights Reserved

Bhaskar Chakravorti analisa a crescente rivalidade entre duas superpotências tecnológicas, EUA e China, e o possível papel da Suíça em um futuro cada vez mais dominado pela inteligência artificial.

A inteligência artificial (IA) tornou-se o novo campo de batalha entre os EUA e a China. Com o lançamento do chatbot DeepSeek, que ultrapassou o ChatGPT em número de downloads na App Store dos Estados Unidos em poucos dias, a China demonstrou que pode competir com o Vale do Silício gastando menos e sendo mais eficiente.

Bhaskar ChakravortiLink externo, decano de negócios globais da Fletcher School da Universidade Tufts e especialista em IA, explica as implicações dessa rivalidade, o risco de uma escalada geopolítica e o papel que países neutros, como a Suíça, podem desempenhar nesse cenário cada vez mais complexo.

swissinfo.ch: A rivalidade entre os EUA e a China no campo da IA aumentou após o lançamento do DeepSeek por uma startup chinesa. Isso já era esperado?

Um homem de terno, gravata e óculos
Bhaskar Chakravorti é reitor da Universidade Tufts e especialista em IA. Cortesia

Bhaskar Chakravorti: Sim, com certeza. Essa é uma grande notícia para o setor de IA, mas não para quem acompanha a história da inovação tecnológica. Muitos dos eventos recentes não são tão surpreendentes. Isso porque, sempre que determinados recursos são limitados (como chips de computador, por exemplo), as pessoas se tornam criativas e encontram maneiras de fazer mais com menos. Como se diz, a necessidade é a mãe da invenção.

O recente desenvolvimento do DeepSeek não surgiu do nada; ele é resultado de um trabalho de bastidores na China desde 2023. O chatbot chinês demonstrou excelente desempenho a custos reduzidos, utilizando menos energia e poder de computação do que os modelos americanos. Isso mostra que, apesar das restrições à exportação de microprocessadores impostas por Biden à China e a outros países, ainda é possível criar sistemas avançados de IA sem acesso aos chips mais potentes.

swissinfo.ch: A China provou ao mundo que pode realmente competir com os Estados Unidos na corrida pelo domínio da IA? Como isso foi possível?

B.C.: Sim, a China provou que pode ser uma forte concorrente dos EUA graças ao desenvolvimento de modelos de IA tanto de código aberto quanto proprietários, que serão utilizados globalmente. Além disso, o país conta com um vasto contingente de engenheiros altamente qualificados e um ecossistema de IA fortemente apoiado pelo Estado. 

Nos EUA, o setor de tecnologia também receberá um impulso significativo durante o governo Trump, que já anunciouLink externo 500 bilhões de dólares em investimentos no desenvolvimento da inteligência artificial. Trump está levando o antagonismo em relação à China a um novo patamar.

swissinfo.ch: Então podemos esperar uma escalada da guerra da IA entre China e EUA?

B.C.: Acredito que haverá uma concorrência cada vez maior pelos recursos essenciais ao desenvolvimento de sistemas de IA, como chips de alto desempenho, supercomputadores, infraestrutura em nuvem, talentos e acesso a grandes volumes de dados. O que veremos é uma espécie de batalha para restringir o acesso dos rivais a esses recursos.

O que me preocupa é o quanto desses recursos serão destinados ao setor militar e como os dados serão protegidos, especialmente no que diz respeito ao acesso de informações chinesas nos EUA e vice-versa. Isso aumenta a vulnerabilidade global, pois esses modelos de IA, como sabemos, também podem ser utilizados para ações maliciosas fora do nosso controle.

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Se houver envolvimento direto do Estado, esse cenário pode se tornar ainda mais preocupante. No Ocidente, sempre fomos ensinados a não confiar no governo chinês. Agora, chegamos a um ponto em que também não podemos confiar inteiramente no governo americano. Isso torna a situação especialmente perigosa, não apenas para os EUA e a China, mas para o mundo todo.

swissinfo.ch: A China está em uma posição vantajosa por ter demonstrado que é possível avançar na IA com menos recursos, menos investimentos e sem os chips mais poderosos?

B.C.: Sim, a China demonstrou uma vantagem em termos de eficiência: com recursos significativamente menores, conseguiu criar um sistema de IA comparável aos modelos americanos, que são muito mais caros.

Além disso, a China está à frente dos EUA na regulamentação da IA. Enquanto os americanos ainda não possuem uma política nacional unificada sobre o tema, dependendo de uma colcha de retalhos de legislações estaduais, o Congresso não fez avanços significativos nessa área. E, com o novo governo, é altamente improvável que haja progresso.

swissinfo.ch: Podemos confiar nos sistemas desenvolvidos sob as normas impostas pelo governo autoritário de Pequim?

B.C.: Esse é justamente o problema: o Ocidente não confia nas políticas e regulamentações chinesas. Por exemplo, não está claro quais são as regras de proteção de dados, quais mecanismos existem para impedir interferências do governo nos resultados de um determinado modelo, quais dados são utilizados e como são armazenados.

Assim, os sistemas chineses contêm diversos elementos que geram desconfiança. Vimos isso com as preocupações em torno do acesso de empresas chinesas, como a Huawei, aos dados dos usuários, e, mais recentemente, com a controvérsia nos EUA sobre o TikTok. A China, portanto, enfrenta um problema de imagem e há razões legítimas para essa preocupação.

Por outro lado, se os sistemas chineses oferecerem desempenho equivalente a um custo menor, as pessoas podem acabar adotando-os. Um exemplo disso é o próprio TikTok, que tem 170 milhões de usuários nos EUA. No fim das contas, as pessoas tendem a escolher as tecnologias que lhes parecem mais vantajosas, independentemente de sua origem. Portanto, a disputa está aberta.

swissinfo.ch: Como a Suíça se encaixa nesse cenário? Por que os EUA a excluíram da lista de países confiáveis para receber chips avançados sem restrições?

B.C.: Acredito que os EUA privilegiaram países alinhados com seus interesses estratégicos. A Suíça, por não fazer parte da OTAN e manter sua neutralidade, é vista como um país que pode ser tão próximo dos EUA quanto da China ou de qualquer outra nação.

A Índia, por exemplo, também foi excluída dessa lista devido aos seus laços estreitos com a Rússia e sua política de não alinhamento. A neutralidade suíça gera preocupações semelhantes. 

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swissinfo.ch: Justamente por sua neutralidade, a Suíça não poderia atuar como mediadora na guerra tecnológica entre o Ocidente e o Oriente?

B.C.: Sim, acredito que a Suíça pode desempenhar um papel importante. Como mencionei, um dos fatores críticos nesse cenário é a construção de confiança no ecossistema digital. Para isso, uma estratégia possível seria criar um centro de confiança em um país amplamente reconhecido pela comunidade internacional.

A Suíça é uma candidata natural para essa função devido à sua neutralidade e ao seu histórico como sede de organizações intergovernamentais, como a ONU. Além disso, o país já possui iniciativas para promover a confiança digital, como o “Selo Suíço de Confiança Digital”, criado pela Iniciativa Digital Suíça, que verifica a confiabilidade dos serviços digitais.

No entanto, a Suíça não é a única candidata. Cingapura, por exemplo, é um concorrente direto, pois é altamente avançada digitalmente e está geograficamente próxima tanto da China quanto dos EUA. Outros países, especialmente no Oriente Médio, também podem aspirar a esse papel. Dubai e os Emirados Árabes Unidos são alguns exemplos. Portanto, embora a Suíça tenha potencial, enfrenta concorrência.

Edição: Veronica De Vore

Adaptação: Alexander Thoele

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