Comércio de carbono criticado por ineficiência
A aquisição no exterior de milhões de certificados de redução das emissões de CO2 (dióxido de carbono) permitiu à Suíça atingir o objetivo estabelecido pelo Protocolo de Kyoto. Os projetos nos países em desenvolvimento teriam realmente contribuído para proteger o clima? As opiniões divergem.
Ji’an, província de Jiangxi, no sul da China. Toneladas de cascas de arroz alimentam o fogo de uma caldeira. A eletricidade e o calor produzidos por essa central de biomassa da cidade são distribuídos aos habitantes da região, que podem, assim, reduzir o consumo de carvão. Segundo os promotores, trata-se de um projeto-piloto, destinado a servir de modelo para toda a China.
Mas o que tem a ver o arroz chinês com a política climática da Suíça? À primeira vista, nada. No entanto, é também graças aos resíduos dos camponeses de Jiangxi que a Suíça pôde reduzir as “suas” emissões de gás de efeito estufa.
Dezesseis milhões de certificados para reduzir o CO2
A explicação está nos Certificados de Redução das Emissões (CER, na sigla inglesa), instrumento instituído pelo Protocolo de Kyoto. Os CER permitem aos governos e às empresas compensarem o impacto ambiental de que são responsáveis, investindo em projetos climáticos no estrangeiro (um certificado corresponde à eliminação de uma tonelada de CO2 da atmosfera), ou onde seja economicamente mais conveniente.
Nesse caso da central de Ji’an, a Confederação Helvética (nome oficial da Suíça) adquiriu 53.967 certificados, como se pode ler no relatório final da Fundação Centésimo pelo Clima, publicado em abril de 2014. Financiando a realização das instalações na cidade, a Suíça diminuir 53.967 toneladas nas suas emissões de CO2. Comparativamente, um cidadão helvético é responsável – em média anual – pela emissão de seis toneladas de CO2 aproximadamente.
A Fundação, alimentada por uma taxa cobrada sobre cada litro de carburante importado pelo país, adquiriu, entre 2008 e 2012, mais de 16 milhões de CER em todo o mundo. Os investimentos – 244 milhões de francos – foram realizados em cerca de 30 países, em particular na China, Brasil e Índia. Os projetos vão da promoção de energias renováveis às reduções de gases nocivos.
Os projetos de energias renováveis para substituir instalações a carvão ou a gás constituem maneiras eficazes de reduzir as emissões, explica à swissinfo.ch, Renat Heuberger, responsável da ‘South Pole Carbon,’ empresa sediada em Zurique, especializada no comércio de certificados de emissões de CO2. “Existem outras numerosas opções: eficiência energética nos edifícios ou nas indústrias, tratamento das águas usadas ou do lixo, replantio e conservação das florestas, ou, ainda, reduções de emissões de metano na agricultura.”
Há também projetos diretamente referentes às economias domésticas, como, por exemplo, os fornos eficazes, os sistemas de purificação de água ou eletrificação rural através de instalações solares, diz Renat Heuberger. “Esses projetos incluem significativos benefícios sociais para as famílias camponesas nos países pobres.”
O objetivo de Kyoto foi atingido
Além de contribuir para a transferência de tecnologia aos países mais pobres, os certificados de redução de emissões e, em particular, os do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (Clean Development Mechanism, CDM) das Nações Unidas, são um instrumento essencial, mesmo para os países industrializados.
É, de fato, graças ao cálculo das reduções efetuadas no exterior que a Secretaria Federal suíça do Meio Ambiente (SFMA) pôde anunciar, em meados de abril de 2014, a realização do objetivo de Kyoto para o período 2008 -2012 (diminuição de 8% nas emissões de CO2, em relação a 1990). Mais da metade das reduções são atribuídas aos certificados e o restante ao desempenho das florestas suíças como poço de carbono.
A promoção dos transportes públicos, o saneamento dos edifícios e outras medidas internas não bastaram para inverter a tendência. Deve-se ter em conta, claro, que desde 1990 a população suíça cresceu 18% e o número de automóveis 34% – como observa o diretor da SFMA, Bruno Oberle. Mas, substancialmente, as emissões de CO2 pela Suíça mantiveram-se estáveis.
As cotas e os certificados de redução das emissões podem ser negociados nas bolsas internacionais de CO2. O mercado europeu encontra-se, no entanto, há tempo em crise e o preço médio de uma tonelada de CO2 passou de 20-25 euros no fim de 2008 a aproximadamente 5 euros.
A queda se deve essencialmente ao fato de, durante a fase inicial do sistema de trocas, terem sido distribuídas demasiadas cotas de emissões. A crise econômica surgida em 2008 reduziu a atividade industrial e, consequentemente, a demanda de cotas.
“Entre a ratificação e a aplicação do Protocolo de Kyoto passaram-se dez anos. Nesse período o mundo passou por transformações. Entre 2008 e 2012, países como a Rússia reduziram suas emissões em decorrência do simples fato de ter produzido menos. O resultado é um excesso de certificados e a baixa de preços,” explica Gaëlle Fumeaux, da Fundação KliK.
“É uma situação dramática,” comenta Renat Heuberger, responsável da ‘South Pole Carbon’. Milhares de empreendedores de todo o mundo, observa, investiram para lançar projetos no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. “Pensavam que se pagaria um preço razoável pelos certificados. Mas acabaram perdendo dinheiro. E nunca mais investiram em tecnologias limpas.”
Os países pobres, em particular, sofreram as consequências, realça Kathrin Dellantonio, da Associação suíça pela Compensação voluntária do Carbono Myclimate. “Tínhamos muitos projetos que podiam ser ampliados ou realizados em diversos países. Não podemos, porém, mantê-los, e não há número suficiente de compradores. Isto tem consequências diretas para os países em desenvolvimento,” afirma para swissinfo.ch.
A metade dos certificados é inútil
O mecanismo CDM, que desde 2004 distribui mais de 1 bilhão e meio de certificados não é, porém, impecável, pois os certificados perderam boa parte do valor (veja ao lado) e o sistema tem sido repetidamente criticado. De acordo com algumas análises, numerosos projetos não atenderiam os requisitos das Nações Unidas e não comportariam reais decréscimos das emissões.
Um dos critérios mais controvertidos é do ‘adicionamento’. “Para encaixar no esquema, os promotores devem provar que o projeto poderá ser realizado unicamente através da venda de certificados e, portanto, com o financiamento de países com obrigação de aplicar redução,” disse à swissinfo.ch Gaëlle Fumeaux, da Fundação para a Proteção do Clima e a Compensação de CO2 (KliK).
Segundo o WWF (Fundo mundial para a preservação da natureza) o ‘adicionamento’ de projetos nem sempre é garantido. “Na Índia, instalações de energia eólica receberam esses certificados, embora fossem promovidas pelo Estado. Teriam sido construídas de todo jeito,” denuncia Pierrette Rey, porta-voz da seção Suiça do WWF.
O balanço de dez anos de CDM “revela-se negativo,” afirma Pierrette Rey. “Achamos que pelo menos 40% dos certificados não valham grande coisa, pois não incluem reduções suplementares de emissões de gás de efeito estufa. Além disso, bom número de certificados não contribuiu para um desenvolvimento sustentável nos países interessados.”
Um grande successo
A crítica é parcialmente justificada, reconhece o diretor do Centésimo para o Clima. Marco Berg realça, porém, que as numerosas avaliações científicas não permitiram quantificar o percentual de projetos ineficazes. No que toca à sua fundação, garante, foram adquiridos apenas certificados de projetos que respondiam aos critérios estabelecidos.
Os do CDM figuram entre os projetos “verificados e controlados de maneira mais cuidadosa e transparente que conheça,” concorda Renat Heuberger. Há cinco níveis de autentificação, sublinha, e, todos os anos, as reduções de emissões de CO2 são verificadas por especialistas independentes.
Para Marco Berg, o CDM representa “um grande sucesso.” Principalmente em razão das dificuldades internacionais encontradas quando se trata de fechar acordo sobre qualquer padrão de política climática. “É o produto mais concreto e mais bem-sucedido do Protocolo de Kyoto.”
A Suíça empenhou-se em reduzir suas emissões de 20% entre 2013 e 2020 (em relação aos valores de 1990).
O objetivo, inscrito na lei sobre CO2, deve ser atingido principalmente com medidas no interior do país. A aquisição de certificados no exterior será possível unicamente sob determinadas condições.
O governo suíço acha que os setores com maiores potenciais de redução sejam os transportes, os edifícios (eficiência energética), a indústria e os serviços.
Para atingir seus objetivos, a Suíça conta com diversos instrumentos, entre os quais a taxa sobre CO2 aplicada aos combustíveis fosseis, o mercado de troca das cotas de emissões (o governo deseja uma integração do sistema helvético ao sistema europeu) e a compensação parcial das emissões geradas por carburantes fósseis por meio de uma taxa aplicada às importações de gasolina e óleo diesel.
O compromisso suíço enquadra-se num contexto global de reduções de emissões de CO2.
Segundo o grupo intergovernamental de especialistas sobre mudanças climáticas (IPCC), o percentual de redução até 2050 deve ser compreendido entre 40 e 70%, se se quiser limitar o aumento da temperatura terrestre a 2°C.
Adaptação: J.Gabriel Barbosa
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