Como a inteligência artificial poderia ajudar a transição energética suíça
A Suíça pretende contar exclusivamente com a energia renovável até 2050. Neste contexto, a instalação de mais painéis solares e turbinas eólicas é importante, o mesmo valendo para a inteligência artificial.
Carregar nossos smartphones, lavar a roupa ou assistir uma série no Netflix: para estas atividades cotidianas, normalmente não nos importamos de onde vem a eletricidade nem com sua quantidade disponível.
No passado, os serviços públicos e os especialistas também tinham pouca preocupação com o fornecimento elétrico. Mas como a Suíça precisa aumentar sua proporção de energia renovável, a questão de onde e quando ela vem se torna importante. Há várias razões para isso.
Em primeiro lugar, o sol não brilha todos os dias e o vento não sopra sem variações. Em segundo lugar, a demanda por eletricidade está mudando. À medida que nos afastamos dos combustíveis fósseis, a maioria dos carros novos será alimentada por baterias. As bombas de calor substituirão o aquecimento a óleo e gás em edifícios.
Em terceiro lugar, a matriz energética está mudando. Mais de três quartos da eletricidade fornecida por empresas suíças provêm de fontes renováveis, principalmente energia hidrelétrica, enquanto a energia nuclear representa 20% do total. Apenas um punhado de grandes empresas de serviços públicos na Suíça opera usinas hidrelétricas ou nucleares. Estas empresas sabem exatamente quanta eletricidade estão produzindo em um dado momento.
A energia nuclear está sendo gradualmente eliminada e substituída por fontes renováveis. Hoje em dia, toda residência poderia produzir eletricidade com painéis solares no telhado de sua casa. Pequenos e grandes parques eólicos em todo o país alimentam a rede elétrica. Isto muda a maneira como a rede funciona.
“Estamos passando de um sistema centralizado para um descentralizado, o que torna a operação de redes elétricas mais complexa”, diz Matthias Eifert. Este especialista em energia fundou o Energy Data Hackdays, um evento anual onde cientistas de computação, analistas de dados e engenheiros passam dois dias discutindo soluções para acelerar a transição energética. O principal desafio, de acordo com Matthias Eifert, será a conexão eficiente de novos locais de produção à rede.
Uma das soluções que o especialista recomenda é o uso da inteligência artificial. “O aprendizado de máquinas e a inteligência artificial podem ajudar a otimizar e estabilizar a interação entre fornecimento, uso e armazenamento de energia”, explica ele.
Como Matthias Eifert, o Fórum Econômico Mundial (WEF) vê “um enorme potencial” em inteligência artificial para “ajudar a acelerar a transição energética global”. Em um white paper publicado em setembro, a organização conclama os governos e as empresas a investir em inteligência artificial.
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Uma gigantesca bateria elétrica nos Alpes suíços
Melhor aproveitamento da energia das baterias de carros elétricos
Como a inteligência artificial pode contribuir para a transição para a energia renovável? De acordo com Ben Bowler da Universidade de Ciências Aplicadas de Lucerna, o primeiro passo é compreender o comportamento das pessoas e identificar potenciais desajustes entre a oferta e a demanda. Pesquisador de energia digital, ele trabalha há anos com armazenamento de energia e infraestrutura de rede.
Pode ser uma surpresa, mas os serviços públicos geralmente sabem muito pouco sobre o consumo de energia das pessoas. As empresas sabem a quantidade de eletricidade que cada residência usa durante um período, mas não sabem quais dias e horários o consumo de eletricidade é particularmente alto ou baixo.
Um dos projetos de Ben Bowler se concentra na análise de dados energéticos e na compreensão dos hábitos das pessoas. Isto é feito com a ajuda de um algoritmo. O pesquisador está coletando dados dos chamados medidores inteligentes que estão sendo instalados em toda a Suíça para substituir os antigos medidores básicos de eletricidade.
De acordo com a Agência Federal de Energia, 80% dos lares estarão equipados com um medidor inteligente até 2027. Estes dispositivos monitoram o uso doméstico em tempo real e transmitem informações aos fornecedores de eletricidade a cada quinze minutos. Desta forma, as empresas podem descobrir quando as horas de pico ocorrem, como por exemplo, quando a máquina de lavar louça é ligada após uma refeição.
“Tentamos prever o comportamento das pessoas. Analisamos o uso da eletricidade no passado e tentamos prever o que as pessoas vão fazer amanhã. Com estes dados, podemos identificar problemas potenciais na rede”, diz Ben Bowler.
A compreensão do comportamento das pessoas é parte da equação. A outra parte é encontrar maneiras de garantir o fornecimento de energia suficiente nas horas de pico. É aí que entra outro projeto do Bowler, que estuda como as baterias de carros elétricos poderiam ser usadas como armazenamento de curto prazo para a rede elétrica.
O aumento das vendas de carros elétricos colocará pressão sobre a rede. Para evitar a escassez de oferta, a ideia é fazer da cobrança do carro uma via de mão dupla. Em tempos de baixa demanda de eletricidade, os carros seriam carregados em estações de carregamento inteligentes. E em tempos de alta demanda, a energia armazenada nas baterias dos carros poderia ser descarregada e vendida de volta para a rede.
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Pesquisadores suíços ajudam a desenvolver nova geração de baterias
O projeto piloto da Universidade de Lucerna é o resultado de uma colaboração com a empresa de energia Tiko e a startup Sun2Wheel. Ele será testado com 50 veículos da empresa de compartilhamento de carros Mobility.
“Tudo depende da obtenção de melhores dados sobre como as pessoas usam os carros quando o sol está brilhando, quando os veículos são recarregados. Depois, a aprendizagem de máquina e a inteligência artificial analisam os dados”, diz Ben Bowler. As equipes estão trabalhando em projetos piloto similares com outras empresas de compartilhamento de carros na Alemanha e na Dinamarca.
Ainda há um longo caminho a percorrer antes que a tecnologia de veículo em rede (Vehicle-to-Grid) passe da fase de testes para a implementação e finalmente se torne um negócio viável. Poucos carros elétricos já oferecem carga nos dois sentidos. Nissan, Volkswagen e Fiat estão entre as poucas marcas que são capazes de fazê-lo. A Mobility atualmente tem apenas 150 carros elétricos, mas planeja eletrificar toda sua frota de mais de 3.000 carros até 2030. Também serão necessárias estações de carregamento inteligentes, tais como as desenvolvidas pela empresa suíça Sun2Wheel, que estão sendo instaladas em todo o país.
Anonimização de dados pessoais
O desafio enfrentado por Ben Bowler e seus colegas durante os testes é como utilizar os dados, ou seja, saber a que horas as pessoas utilizam a eletricidade, quando lavam a roupa ou carregam seu carro elétrico sem violar as leis de proteção de dados.
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Suíça decepciona em sua contribuição para livrar o planeta de emissões
Uma empresa iniciante nos EUA acredita que pode ajudar. A VIA Science, que recentemente abriu um escritório em Zug, desenvolveu um programa que está sendo testado como parte do projeto de medidores inteligentes da Universidade de Lucerna. Em vez de ter que extrair os dados, os especialistas podem analisá-los diretamente nos medidores. Os dados privados não precisam ser enviados a outro lugar.
Outra solução para os problemas de privacidade é incentivar as pessoas a compartilhar seus dados voluntariamente. Dezenas de cientistas, hackers, estudantes e representantes de serviços públicos se reuniram no Energy Data Hackdays em Brugg (cantão de Argóvia) em setembro para refletir sobre como os dados poderiam ajudar a criar um sistema de energia confiável e neutro em termos de carbono.
Eles criaram o projeto “Leia seu próprio medidor inteligente” (Read your own smart meter). Isto permitiria que os proprietários de casas visualizassem os dados de seus medidores inteligentes, dando-lhes uma ideia de quanta eletricidade está sendo usada e onde energia e dinheiro poderiam ser economizados. Estes dados seriam então compartilhados anonimamente com as empresas de eletricidade.
A Suíça é uma líder em inteligência artificial. É também um dos países com as mais rigorosas leis de proteção de dados. Ben Bowler está convencido de que uma vez resolvidas as questões de privacidade, “as pessoas podem ajudar a rede elétrica e apoiar a descarbonização”.
Adaptação: DvSperling
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