Como os suíços ajudam os produtores de cacau de Madagascar a enfrentar as mudanças climáticas
Madagascar é um front importante na batalha contra as mudanças climáticas. A ilha é fundamental para o futuro do chocolate e a indústria suíça sabe disso.
Na ilha tropical do Oceano Índico, corre o Rio Sambirano, ladeado por pés de cacau aromáticos e pequenas propriedades de agricultores locais. Ultimamente, manter os pés de cacau vivos – e colher os grãos de alta qualidade que eles fornecem aos consumidores suíços – têm sido cada vez mais difícil. Um projeto encampado pela Suíça está buscando mitigar as ameaças que as mudanças climáticas representam para a região, com o objetivo de manter a produtividade regional que é tão importante para a indústria de chocolate suíça.
“Tenho cacaueiros que secam e morrem por causa do calor. É como se estivessem queimados”, diz o produtor de cacau Hugues enquanto manobra um equipamento de colheita de cacau.
A estação chuvosa, que normalmente vai de novembro a abril, tornou-se mais curta e intensa. Madagascar é vulnerável a ciclones poderosos, que se tornaram mais frequentes e poderosos. Essas tempestades redesenharam o curso do Rio Sambirano, causando inundações e destruindo plantações de cacau que margeavam o rio. O volume de chuvas em fevereiro foi brutal.
“Se não é o calor que mata, é a água”, suspira Hugues, adentrando cada vez mais a plantação.
Hugues é um dos milhares de agricultores que cultivam cacau no Vale Sambirano, lar dos cultivos de cacau mais férteis de Madagascar. A região é um ponto focal para projetos internacionais que mesclam conservação e agricultura. O projeto Climate-Resilient Cocoa Landscapes, implementado pela ONG Helvetas, sediada na Suíça, é um dos esforços para lidar com a degradação da terra e o desmatamento na região. A iniciativa conta com o apoio da Swiss Platform for Sustainable Cocoa, uma aliança eclética que envolve produtores de chocolate, comerciantes, varejistas, ONGs, instituições de pesquisa e autoridades governamentais.
O Rio Sambirano parece calmo enquanto crianças brincam e pastoreiam zebuínos magros, um tipo de gado, em suas margens. Mas algumas bordas do rio destruídas não deixam esquecer o efeito devastador das enchentes na região. Campos inteiros de cacau foram levados pela água durante a estação chuvosa. Nesta área, os moradores, com o apoio de parceiros suíços, estão tentando enfrentar o problema a partir de soluções baseadas na natureza.
Escolha premium
Os grãos de cacau de Madagascar têm um selo de qualidade. “O grão de Madagascar é excepcional em seu sabor”, diz Joël Frei da Plataforma Suíça para o Cacau Sustentável. “Na Suíça, estamos muito acostumados com chocolate feito de grãos que vêm de Gana ou da Costa do Marfim, que também são de muito boa qualidade. Os grãos de cacau malgaxes têm um sabor parecido com o do café, sendo ligeiramente amargos. Eles são mais frutados e mais complexos. Realmente faz diferença no sabor.”
A origem da fama do cacau de Madagascar é a qualidade, não a quantidade. Com uma produção de 12-15.000 toneladas de cacau por ano, a nação africana é um pequeno player em comparação com os pesos pesados Gana e Costa do Marfim, que juntos respondem por 50% do cacau do mundo. A Suíça importou quase 1.000 toneladas de grãos de cacau de Madagascar em 2023, um ano abaixo da média, tendo importado de 1.500 a 2.000 toneladas nos outros anos na última década.
Apesar de sua produção modesta, o cacau de origem Madagascar é amplamente associado à excelência. Ele é orgulhosamente anunciado nas barras de chocolate das empresas suíças, muitas das quais apoiam o projeto Helvetas no vale do Sambirano, assim como a Secretaria de Estado Suíço para Assuntos Econômicos (SECO) por meio da Plataforma Suíça para Cacau Sustentável.
Frei diz que o projeto implementado pela Helvetas é promissor porque envolve uma ampla gama de atores ao longo da cadeia de fornecimento de cacau. O projeto reúne entidades públicas, privadas e locais para proteger e restaurar os ecossistemas do vale, que foram gravemente afetados pelos efeitos do desmatamento, das queimadas e das mudanças climáticas.
A Felchlin, uma produtora líder de coberturas finas de chocolate suíço e produtos semiacabados, apoia o projeto e o acompanha de perto. A empresa vende três produtos de primeira linha que são produzidos com o cacau frutado de Madagascar.
“O cacau da região de Sambirano é um dos nossos cacaus nobres de origem direta”, diz Mirko Schneckenburger, chefe de marketing e comunicações da Felchlin, empresa sediada na região central da Suíça. “Nossos clientes são chocolatiers, padarias, confeiteiros. O segmento premium da gastronomia em todo o mundo.”
Polinização manual
Perto da cidade de Ambanja, o canto dos pássaros e o canto dos galos enchem o ar enquanto os fazendeiros examinam as árvores em busca dos frutos de cacau prontos para serem colhidos. Mas Florica Malalanirina está mais interessada em encontrar flores vivas, tão pálidas que mal são visíveis na sombra lançada pelas copas das árvores entrelaçadas. As mudanças climáticas na região estão afetando os insetos envolvidos no processo de polinização e têm causado novas doenças.
“Nós recorremos à polinização manual para aumentar o rendimento do cacau”, explica Malalanirina, técnica agronôma que cresceu com o doce aroma da cana-de-açúcar cultivada por seus pais na cidade de Ambilobe, no norte da ilha. Ela trabalha para o fornecedor da Felchlin em Madagascar, Sambirano SA. “As mudanças climáticas tiveram um impacto na polinização porque muitos dos insetos envolvidos nesse processo morrem devido ao calor.”
Normalmente, as flores de cacau dependem de pequenos mosquitos – pequenas moscas encontradas em regiões tropicais – para polinizá-las. Para compensar a diminuição dos polinizadores da mãe natureza, os produtores de cacau malgaxes agora estão realizando o processo manualmente.
Malalanirina usa um pincel minúsculo para coletar pólen de uma árvore e aplicá-lo em uma flor diferente de outra árvore. A estrutura única da flor de cacau apresenta desafios para a polinização natural, pois seu formato delicado e complexo dificulta que o pólen alcance o pistilo, onde ocorre a fertilização.
Veronique Volohisoko cultiva cacau desde 2004, em um esforço familiar, embora a produtividade de suas 200 árvores esteja caindo. “As árvores de cacau costumavam ter uma produção enorme; agora é cada vez menor”, diz, culpando os períodos de calor e excesso de umidade pela produção relativamente modesta de 70 quilos da temporada.
Combate à erosão e adubos naturais
A estrada para as aldeias altas na região de Sambirano não é pavimentada e é irregular. Os carros têm dificuldade de percorrê-la mesmo no período seco. Ao longo do caminho, as características crateras da paisagem de Madagascar chamam atenção. Os buracos de erosão são formados quando as águas subterrâneas desestabilizam encostas íngremes, fazendo o solo ceder. Embora sejam um fenômeno característico da região, fatores como desmatamento e ciclos intensificados de chuva e seca devido às mudanças climáticas pioraram a formação das crateras, chamadas de lavakas.
“Os rios do vale trazem a erosão das terras altas, enchendo nossos campos com solo arenoso e infértil”, explica Raymond Mandiny, presidente do comitê da bacia hidrográfica. “O cacau não cresce bem em solo arenoso, então estamos constantemente lutando para recuperar a terra preta necessária para o cacau.”
Se esse processo não for contido, especialistas preveem degradação contínua da terra, o que por sua vez ameaçará o suprimento do cacau único e de alta qualidade de Madagascar, bem como os meios de subsistência de cerca de 30.000 agricultores. Para combater isso, os produtores estão plantando árvores para reflorestar as encostas íngremes e propensas à erosão da região.
Os fertilizantes orgânicos também estão se tornando cruciais para o sucesso das plantas de cacau no ambiente de cultivo cada vez mais frágil.
“Não se trata apenas de práticas agrícolas; é uma mudança de mentalidade”, diz Michel Razafindrabe, agente da iniciativa de cacau resiliente ao clima da Helvetas. “Antes, os agricultores não usavam fertilizantes. Agora, estamos mostrando a eles como usar ingredientes orgânicos.”
Exigências do mercado
Práticas sustentáveis podem parecer uma realidade distante para agricultores cuja prioridade é colocar comida na mesa. A taxa de pobreza na área rural de Madagascar é estimada em cerca de 80%, e a renda média é frequentemente inferior a US$ 2 por dia, deixando as famílias vulneráveis a choques econômicos. Líderes locais dizem que outros desafios podem parecer mais urgentes, como falta de suporte técnico, isolamento devido às más condições das estradas e a flutuação dos preços do cacau.
Mas o mercado europeu está exigindo produtos livres de desmatamento, com regulamentações da UE exigindo certificação para cacau e outras commodities a partir de 2026. Essa exigência requer rastrear toda a cadeia e os registros fundiários de onde se planta o cacau. O projeto liderado pela Suíça na região está, portanto, ajudando pequenos produtores a garantir títulos de terra e coletar coordenadas geográficas dos lotes de cacau, etapas essenciais para atender às demandas da UE.
É difícil fazer com que todos embarquem. “Alguns veem o reflorestamento como uma apropriação de terras, e parte do nosso papel é explicar que esses esforços não são para tirar terras, mas para protegê-las para as gerações futuras”, explica Razafinrabe da Helvetas.
Mas, apesar da batalha difícil, Arona, prefeito da Comuna Ambohitrandriana, vê sinais de esperança.
“Em apenas um ano, nosso reflorestamento reduziu o assoreamento do rio”, ele diz. “As pessoas estão começando a entender a importância desse trabalho. Os suíços veem nosso empenho em proteger o meio ambiente e somos motivados por isso.”
Edição:Veronica De Vore/fh
(Adaptação: Clarissa Levy)
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