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A Suíça no espaço sideral

“Com o Prêmio Nobel, você alcança o Olimpo da Ciência”

Quéloz et Mayor
Didier Quéloz (esq.) e Michel Mayor em Estocolmo, na entrega do Prêmio Nobel, em 14 de Dezembro de 2019. Keystone / Martial Trezzini

Didier Quéloz recebeu o Prêmio Nobel de Física em 2019 com seu ex-professor Michel Mayor. Ele nos concedeu uma longa entrevista onde, entre outras coisas, discutiu o "toque suíço", a ciência em movimento e o início de uma história muito, muito longa.

swissinfo.ch: O Prêmio Nobel pegou você de surpresa. No dia 8 de outubro, nem sequer lhe passou pela cabeça que este seria o dia em que os vencedores seriam anunciados. Mas dada a importância da descoberta, e o fato de já você já ter sido nomeado várias vezes, no fundo você deve ter tido uma esperança, não?

Didier Quéloz: Sim e não. Quando você é nomeado, você sabe que a descoberta foi significativa. Por isso seria incorreto dizer que a ideia não estava em algum lugar no fundo da minha mente.

Mas como já faz relativamente muito tempo desde que fomos nomeados…acho que a primeira nomeação deve ter começado em 2008 ou 2010… tínhamos uma certa descrença. Aí você diz a si mesmo que não vai esperar todos os anos que dessa vez dê certo. Você pode então imaginar o choque que foi para mim quando fui informado do resultado.

swissinfo.ch: Na Suíça, a mídia praticamente ignorou o terceiro vencedor do prêmio, James Peebles, enfatizando os vencedores suíços do Prêmio Nobel. Tendo em vista que as grandes descobertas são sempre feitas com a cooperação internacional, você acha que isso faz sentido?

D.Q.: A ciência é claramente internacional, e é o resultado de um trabalho conjunto. Por exemplo, se você olhar para “nosso” primeiro exoplaneta, 51 Pegasi bLink externo, nós o descobrimos com a ajuda do espectrógrafo ELODIELink externo, um instrumento francês, em um telescópio francês financiado principalmente por fundos franceses.

Acho que este enfoque sobre o aspecto suíço é natural. O que percebi com este Prêmio Nobel é que existe uma espécie de apropriação da descoberta, como quando a seleção nacional ganha no futebol. Não são os jogadores que ganham, mas você mesmo. Este sentimento de pertencer a um grupo é muito humano. E o efeito foi mágico, houve uma espécie de alegria coletiva.

swissinfo.ch: Hoje o ELODIE já não está mais em serviço, mas seus sucessores, HARPSLink externo e ESPRESSOLink externo, os espectrógrafos mais poderosos do mundo, são produtos suíços. É a tradição da relojoaria e da engenharia de precisão que nos torna tão bons neste campo?

D.Q.: Com o HARPS não se trata de relojoaria, mas no Departamento de Astronomia da Universidade de Genebra temos engenheiros que vêm de outras empresas, incluindo empresas relojoeiras.

É verdade que temos uma cultura de trabalho de boa qualidade e eficiência. Nós somos suíços por uma razão… Quando você trabalha no exterior, mesmo na Inglaterra, um país bastante eficiente e muito competitivo, você percebe que a Suíça é muito eficiente. Há uma espécie de know-how, algo a que chamamos de “toque suíço”.

“O Prêmio Nobel é como quando a seleção nacional ganha no futebol.”

swissinfo.ch: Este Prêmio Nobel dá visibilidade junto ao público, não somente para vocês dois, mas também para sua área de investigação…

D.Q.: No que diz respeito aos exoplanetas, o nosso trabalho, o meu trabalho, já era amplamente reconhecido. Mas o que foi inesperado para mim foi ver o impacto geral do Prêmio Nobel. De repente você se torna embaixador da ciência. Seu campo de atuação e seu trabalho se tornam o foco das atenções. As pessoas tentam entender, e essa curiosidade se espalha por todos os lados, e todos se beneficiam.

O impacto do Prêmio Nobel é absolutamente fenomenal. É o prêmio de todos os prêmios. Depois de ganhar o Prêmio Nobel, você chega ao topo, ao nirvana, e alcança o Olimpo da ciência.

O que também é um pouco ridículo. Se você olhar para as coisas friamente, vê que isso é um exagero. Mas o prestígio, a história, a duração e o número de nomes incríveis associados ao Prêmio Nobel fazem dele o que é.

swissinfo.ch: A descoberta do 51 Pegasi b contradiz a teoria atual da formação de planetas. Um mundo similar a Júpiter, que estava tão próximo de seu sol que sua orbita dura apenas quatro dias simplesmente não deveria existir. Você deve ter esfregado os olhos ao constatar isso…

D.Q.: Eu nunca esperei encontrar um planeta. E quando o vi, no início não era um planeta para mim. O Michel estava no Havaí àquela altura. Quando ele voltou e viu os dados, ele confirmou a minha análise. Mas ele também disse que era impensável publicar nossas descobertas até que tivéssemos certeza absoluta.

A descoberta teve os seus altos e baixos para nós. Era obviamente muito estressante, mas ao mesmo tempo eu estava trabalhando em uma tese de doutorado que qualquer doutorando sonharia. Em outras palavras, eu estava em uma situação onde toda uma teoria desmoronara graças a dados produzidos por análises que eram únicas no mundo, e com informações baseadas em um processo que nunca tinha sido usado antes.

“Para mim, a ideia de que os cientistas têm intuição é uma visão um tanto banal. O que é preciso é extrema precisão”.

Mas os dados estavam lá, não deixando outra interpretação possível. De minha parte, não houve intuição neste assunto, apenas pensamento racional e uma visão crítica do experimento.

E esta é exatamente a atitude que tento transmitir aos meus alunos. Para mim, a ideia de que os cientistas têm intuição é uma visão um tanto banal. Acho que os bons cientistas têm uma intuição relativamente fraca. Em troca, eles têm um alto grau de precisão. Você pode às vezes ter a sensação de que algo estranho está acontecendo, mas em geral a intuição não o leva a lugar algum.

swissinfo.ch: Em 1995, cerca de uma dúzia de pessoas estavam à procura de exoplanetas. Hoje já se catalogou cerca de 4.000 deles. Agências espaciais dedicam seus melhores telescópios a esta busca, e milhares de pessoas trabalham neste campo. Você acha que este entusiasmo vai continuar até que se encontre vida extraterrestre?

D.Q.: Nós somos a continuação moderna da revolução copernicanaLink externo. É um longo processo de posicionamento do nosso mundo no universo. E isso é algo permanente. Vamos continuar a explorar os arredores das estrelas próximas. Continuaremos a tentar compreender todo o universo que nos rodeia e, é claro, a nós mesmos. Temos aqui um programa de 50 anos para tentar fazer progressos.

E a questão que se coloca depois disso é bastante natural. É a questão da origem da vida. Esta é uma área que ainda está na sua infância. Ainda não se fez muito nessa área, mas têm surgido novidades. É uma área que me fascina, e uma das razões pelas quais fui para Cambridge.

Essa é também uma das coisas interessantes do Prêmio Nobel. Talvez ele me permita ter uma voz que seja ouvida e que possa explicar de forma crível o que podemos razoavelmente imaginar para os próximos 10, 20 ou 50 anos.

E então, num futuro mais distante, em 1.000 ou 10.000 anos, se conseguirmos sobreviver até lá, provavelmente teremos enviado sondas espaciais para alguns desses planetas usando tecnologias que ainda não foram descobertas.

Dizem que as pessoas estão começando a perceber que somos uma civilização interplanetária. Eu realmente não gosto do termo porque dá a impressão de que você pode se mover de um planeta para outro, o que não é realmente o caso. A nossa biologia só nos permite viver na Terra por enquanto.

Por outro lado, a humanidade está claramente começando a ver o sistema solar de uma forma multiplanetária. E penso que é uma grande mudança, em termos de civilização, em termos da forma como nos apresentamos e em termos do papel da Terra. E é o começo de uma história muito, muito longa.

swissinfo.ch: Voltemos à vida no universo. Você acha que ela existe em abundância, ou é rara?

D.Q.: No curso que dou sobre a vida, eu primeiro mostro aos meus alunos uma foto de um canivete suíço. E digo para eles: “Esta é a última palavra em tecnologia de faca suíça. É perfeito, funciona, é fantástico”.

Mas se você realmente quer entender a origem deste canivete, você tem que olhar para a primeiro instrumento cortante da Suíça. E nesse momento eu mostro à turma a imagem de uma pedra de sílex. É verdade, a ligação entre uma pedra e o canivete suíço não é óbvia, porque apenas a função os une.

A dificuldade com a vida é entender que ingredientes levaram ao seu surgimento. No entanto, os laboratórios de química molecular têm feito grandes progressos nesta área. Com poucas substâncias básicas, que existem em quase todos os planetas semelhantes à Terra, podem ser produzidos aminoácidos, que são a base das nossas proteínas.

É certo que isto ainda não é suficiente para que a vida se desenvolva, é preciso também formar membranas celulares, que são polilipídeos, mas também aqui os mecanismos químicos parecem ser muito simples. E depois há ainda um tipo de mecanismo de reprodução que é a base para o RNA e o ADN.

Mas é claro que não se vai fazer algo tão complicado, algo com um bilhão de informações distintas. Sistemas consistindo em talvez 40 a 50 peças de informação, como nos primeiros computadores, serão desenvolvidos. Isso vai funcionar bem ou talvez nem tanto, mas será o suficiente para realizar um tipo de evolução.

swissinfo.ch: Então não estamos mais falando de astrofísica, mas de astrobiologia ou exobiologia?

D.Q.: Este é um novo campo da ciência que está emergindo, com a perspectiva da possibilidade de criar vida artificial. Nós vamos chegar lá. Porque compreender a vida também significa, em certa medida, criá-la e talvez imaginar outras vidas.

E você pode fazer isso começando com coisas simples. Aqui estamos falando de água, óxido de enxofre produzido por vulcões e uma atmosfera de CO2, que é algo normal, já que quando um planeta é criado, há CO2 por toda parte. Não estamos sequer a falar de oxigénio, que não é necessário, mas estamos a falar de cianeto de hidrogénio, que tem origem natural nos cometas.

E a boa notícia é que, se esta hipótese estiver correta, será fácil de verificar. Se já houve vida em Marte, e em Vênus, é realista dizer que confirmaremos isso nos próximos 50 anos. Pode se dizer que estamos perto da resposta.

E quando pudermos observar outras Terras, daqui a 50 ou 100 anos, poderemos analisar a sua atmosfera, compreender a sua geodinâmica, e talvez encontrar ou não vida lá. Mas com este conhecimento poderemos realizar experiências, especialmente em computadores, e testar se podem existir outros conjuntos de aminoácidos que permitem a criação de estruturas vivas.

Mas nos referimos aqui à origem da vida, não à sua evolução. Então surge a questão se a vida sai da água. Será que a vida se tornará macroscópica, será que ela capaz de produzir carros e lançar foguetes? Essa é uma outra questão.

Didier Quéloz et Sofia de Suède
C’est aussi ça le Prix Nobel: Didier Quéloz en grande discussion avec la princesse Sofia de Suède. Anders Wiklund

swissinfo.ch: Você fala em criar vida no laboratório. E quanto às questões éticas?

D.Q.: Esse é o problema do conhecimento. Pode-se dizer que se soubéssemos menos, seríamos menos perigosos. E provavelmente estaríamos certos, porque neste momento temos todos os meios para nos autodestruir. Com o número existente de bombas termonucleares, o risco é estatístico: quanto mais o tempo passa, maior é o risco de que isso aconteça.

“As crenças mitológicas, os deuses, e o invisível: estamos num reino totalmente irreal, e isso é assustador.”

Temos aqui um problema real. Dominamos o poder do átomo, amanhã controlaremos completamente a genética, seremos capazes de recriar vida completamente, controlaremos estruturas racionais; e com inteligência artificial, mais cedo ou mais tarde, excederemos a capacidade do cérebro. Isto chama-se conhecimento.

O que vamos fazer com isso dependerá inteiramente de nós. E em termos de sociedade, em termos de evolução, ainda temos um pequeno problema. Porque ainda temos comportamentos completamente arcaicos com crenças mitológicas, com deuses, com o invisível. Em consequência, ainda estamos num domínio completamente irreal em relação à realidade em que vivemos. E isso é assustador, é verdade. Mas não se trata mais de física, trata-se de sociologia e psicologia.

Didier Quéloz

Nascido em 1966, após ter obtido o mestrado em física pela Universidade de Genebra, Quéloz passou mais dois anos fazendo uma pós-graduação em astrofísica antes de iniciar sua tese de doutorado sob orientação de Michel Mayor, o que o levou à descoberta do primeiro exoplaneta em 1995.
Quéloz foi então nomeado professor na Universidade de Genebra, onde ainda hoje ensina. Ele dirige paralelamente um programa sobre a formação, estrutura e habitabilidade de exoplanetas no prestigioso Laboratório Cavendish em Cambridge.
Ele também já trabalhou no JPL (Jet Propulsion Lab), que desenvolve as missões espaciais da Nasa, bem como no telescópio espacial francês CoRoT e no telescópio espacial suíço CHEOPS.
Em outubro de 2019, ele recebeu o Prêmio Nobel de Física juntamente com Michel Mayor pela descoberta do 51 Pegasi b, o primeiro exoplaneta.

Caçadores de Mundos

Um documentário televisivo, com Michel Mayor e Alexandre Astier (co-produção Pandora Création, RTS, com o apoio da CNC Talent, 30 minutos).

Conteúdo externo

Adaptação: DvSperling

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