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“Elas não são vítimas”

Muitas brasileiras trabalham como "dançarinas" em cabarés suíços. swissinfo.ch

Carine Carvalho passou muitas noites na zona de prostituição para realizar seu trabalho de graduação. Porém, acompanhar o percurso de sete prostitutas brasileiras que atuam na noite das ruas de Lausanne foi para ela muito mais do que aprendizado.

Sua mais importante descoberta é que a maioria das mulheres escolheu o meretrício para fugir da precariedade do mercado de trabalho no Brasil e como forma de concretizar seus sonhos. Porém muitas vezes eles não se concretizam…

A história já é conhecida. A menina chega à Suíça com a expectativa de arrumar um bom emprego de garçonete e ajudar financeiramente a família que ficou no Brasil. No aeroporto, seu passaporte é confiscado e ela é levada a um bordel, onde é trancada em um quarto e passa a vegetar uma triste existência como escrava sexual.

O problema existe, ninguém nega. Os vários inquéritos realizados pela polícia helvética e os registros nas ONGs de proteção à mulher podem testemunhá-lo. Porém o mundo do meretrício é muito mais complexo do que parece à primeira vista. De fato, milhares de estrangeiras vêm à Europa já sabendo que irão exercer a profissão mais antiga do mundo. Elas apenas querem uma alternativa à situação econômica dos seus países.

“Eu observei uma relação muito forte entre a precariedade do trabalho feminino no Brasil e a decisão de imigrar e entrar na prostituição”, conta Carine Carvalho ao jornalista da swissinfo durante o encontro em um café de Lausanne.

Ela sabe o que diz. Aos vinte e cinco anos, essa jovem brasileira acaba de ser formar em ciências sociais na Universidade de Lausanne. Como pesquisa de campo para o trabalho de graduação, ela viveu o percurso de sete prostitutas brasileiras com idades entre 25 e 52 anos. “A idéia do meu projeto de graduação era de acompanhar as trabalhadoras do sexo brasileiras que migraram para o cantão de Vaud e tentar entender porque elas imigraram e por que entraram na prostituição”, explica. O titulo da tese já diz tudo: “A difícil vida fácil”.

Feminismo

Nascida em Fortaleza, no Ceará, Carine chegou aos 17 anos na Suíça em fevereiro de 2000, acompanhada pela irmã gêmea e a mãe, que havia casado com um nativo. A família foi viver na pequena comuna de Daillens, com apenas 700 habitantes, no cantão de Vaud (oeste da Suíça). Em pouco tempo ela aprendeu o francês e se integrou à sociedade suíça. Depois de concluir o ensino secundário com as melhores notas – “eu e a minha irmã até recebemos um prêmio de integração” – ela decidiu estudar ciências sociais.

O interesse por questões feministas começou por inspiração da mãe, que havia sido líder sindical em Fortaleza, e também pelo choque vivido ao descobrir como a mulher brasileira era vista na Suíça. “Eu me lembro que o chefe de um ex-namorado perguntou-lhe brincando se ele havia checado entre as minhas pernas para ver se eu era realmente uma mulher”, conta indignada. Ela também se lembra de piadas e comentários, todos relacionados à imagem supostamente erótica e submissa da mulher brasileira.

Logo que entrou para a universidade, Carine começou a pesquisar sobre o tema. Durante uma palestra, ela conheceu a “Fleur de Pavé” (tradução: Flor da Calçada), uma ONG suíça formada por pessoas que vivem da prostituição ou já abandonaram, além de assistentes sociais e voluntárias, cujo principal objetivo é ajudar mulheres que estão na profissão do meretrício.

Além de acompanhar as trabalhadoras do sexo nas repartições públicas, hospitais e centros sociais, a ONG também mantém um ônibus nas ruas da zona de prostituição de Lausanne, onde as mulheres podem entrar para receber material descartável, tomar um café e obter informações sobre questões ligadas à saúde, segurança e sistema social. O ônibus também funciona como “correio” devido ao fato de muitas prostitutas estarem ilegais no país e não terem um endereço fixo.

Conquistar a confiança

Carine trabalha há três anos como voluntária na “Fleur de Pavé”. No início ela tentou simplesmente acompanhar as prostitutas nas ruas, mas percebeu que era mais fácil ter contato com elas através da ONG. “Fico duas vezes por mês no ônibus e participo também de uma reunião mensal”, explica. A experiência foi também fundamental para seu trabalho de graduação. “Foi lá que eu consegui conquistar a confiança dessas pessoas. A grande surpresa para mim foi encontrar tantas brasileiras, muitas delas com a minha idade. Com o tempo eu já conhecia a história pessoal de cada uma”, lembra-se.

A primeira constatação que fez, foi que os clichês – a impressão que toda mulher é forçada a se prostituir – tinham de ser relativizados. O meretrício não é uma via de uma mão. “Existem várias modalidades de se prostituir na Suíça. Mas o que existe em comum em todas elas, é a mobilidade. As pessoas podem começar a prostituição e parar depois de um tempo para fazer outros trabalhos. Elas podem trabalhar em um dia num tipo de estrutura como cabarés, salão de massagens e depois voltar às ruas. O que caracteriza todas elas é a precariedade e a ilegalidade”, analisa Carine.

Como percebeu a cientista social, a maioria das prostitutas brasileiras vem à Suíça como turista. Elas trabalham de forma ilegal, com o objetivo de juntar o máximo de dinheiro possível. As batidas policiais nas ruas de Lausanne são freqüentes. Quando pegas, elas são geralmente expulsas do país. Porém muitas retornam depois de algum tempo. “Elas acabam criando uma espécie de rede social, que trazem outras para cá. Uma passa a experiência para a outra”, diz. “O medo marca a experiência delas”.

Projeto de vida

Cafetões? Carine revela que nunca escutou durante o seu trabalho que as brasileiras tivessem alguém que vivesse da sua prostituição, explorando-as ou atuando como dono de prostíbulo. “Elas trabalham em grande parte de forma independente”. Mas as condições de vida na Suíça acabam surpreendendo muitas delas. “As trabalhadoras do sexo brasileiras vêm para cá achando que irão ganhar muito dinheiro. Porém elas descobrem rapidamente que o custo de vida aqui é altíssimo e que tem de pagar pela moradia, alimentação e para se manter bonitas. O resultado é que elas precisam trabalhar ainda mais”, conta.

Outros fatores fundamentais para explicar a condição das prostitutas brasileiras, segundo Carine, é a situação familiar. “Quase todas têm filhos que ficaram no Brasil com suas famílias. Dar uma vida digna a eles é o que mais as motiva a agüentar essa situação. Ao mesmo tempo, existe uma pressão muito grande sobre essas mulheres para que elas enviem dinheiro para casa. Algumas até perdem o contato quando não conseguem mandar o suficiente”.

Uma grande surpresa para Carine no seu trabalho com as prostitutas brasileiras foi descobrir os códigos sociais que imperam no meio. Em primeiro lugar, o silêncio velado das famílias nos Brasil. “Elas não falam abertamente sobre o que seus parentes estão fazendo na Suíça, mas sabem. Eles dependem muitas vezes desse dinheiro”, diz.

Acreditar que as brasileiras associam sua situação pessoal a aviltamento, desonra ou rebaixamento também é errôneo. “O status da prostituta é muito ambíguo: se por um lado elas têm vergonha do que fazem, por outro elas consideram que estão exercendo um trabalho e que são profissionais no que fazem. A prostituição é uma estratégia para alcançar seus objetivos”, explica Carine.

Segundo ela, pessoas com as mais variadas profissões vêm a Lausanne tentar sua sorte nas ruas. “Eu já encontrei pessoas bem humildes, mas também outras com profissões como cabeleira e até mesmo uma advogada”, lembra-se. A idéia de todas é economizar dinheiro e retornar ao Brasil para montar um negócio próprio.

Planos futuros

Carine concluiu sua tese e está com o diploma na mão. Algumas associações de brasileiros na Suíça têm convidado a jovem para dar palestras e explicar o que descobriu ao escrever “A difícil vida fácil”.

Ela agora trabalha como colaboradora científica na Universidade de Lausanne e também no escritório de igualdade de sexos. Seu sonho é prosseguir os estudos e concluir um máster. O tema não seria diferente. “Se possível, gostaria agora de entender com as trabalhadores do sexo brasileiras vivem a sua situação de mãe e o relacionamento com seus filhos”, conta.

Entre a vida profissional e sentimental, ela ainda encontra tempo para passar as madrugadas no ônibus da “Fleur de Pavé”. Com a sua experiência, Carine tem a impressão de ter descoberto o que motiva tantas compatriotas a permanecer nas ruas de Lausanne, uma constatação que tem algo também de trágico. “A grande conclusão do trabalho é que, acima de tudo, elas não são vítimas. Elas são pessoas que tem um projeto de vida, que têm de alcançá-lo, e a estratégia que elas elaboraram para isso emigrar e entrar na prostituição”..

swissinfo, Alexander Thoele

A prostituição é legal na Suíça, mas as prostitutas devem se registrar junto às autoridades municipais e de saúde, além de fazer regularmente “check-ups” médicos.

O proxenetismo é ilegal e incomum: a maior parte das prostitutas opera de forma independente em pequenos estúdios; o contato é feito através de celulares. Não éé permito se expor nas ruas.

Tráfico humano pode dar penas de prisão de até vinte anos. Coagir uma pessoa à prostituição é punível com até dez anos de prisão. Ao lado de tráfico com objetivo de exploração sexual, a legislação está sendo modificada para tornar punível o tráfico de mão-de-obra e também a remoção de órgãos humanos.

Os vistos “L” foram criados em 1975 e permitem que pessoas de países sem acordo de livre circulação com a Suíça venham ao país trabalhar como dançarinas em clubes e cabarés por no máximo oito meses. Ele já não é mais válido em sete cantões: St. Gallen, Turgóvia, Appenzell Innerrhoden, Zug, Valais, Vaud e Jura.

Em 2006, a Suíça ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional relativo à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e criança.

A associação “Fleur de Pavé” (tradução: Flor da Calçada) é formada por pessoas que vivem da prostituição ou já a abandonaram, além de assistentes sociais e voluntárias, cujo principal objetivo é ajudar mulheres que estão na profissão do meretrício.

Concretamente, além do acompanhamento durante o dia, ela mantém um ônibus nas ruas da zona de prostituição de Lausanne, onde as mulheres podem entrar, receber material descartável, tomar um café e obter informações sobre questões ligadas à saúde, segurança e sistema social. O ônibus também funciona como “correio”, devido ao fato de muitas prostitutas estarem ilegais no país e não terem um endereço fixo.

Horários de atendimento nas ruas de Lausanne:

Segunda, quarta, quinta e sexta-feira, de 22 às 24 horas, na Rue de Genève, e de 24:00 às 2 da manhã na Sévelin.

Endereço:

Fleur de Pavé
Sévelin 32 – 1004 LAUSANNE
Tefone. : 021/661.31.21 – Fax : 021/661.31.29
E-mail: fleurdepave@bluewin.ch

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