Envelhecimento da população é fenômeno global
A população européia já está velha. Dentro de 20 anos a América Latina terá 16% da população com mais de 60 anos.
Para enfrentar o desafio é preciso reformar a legislação trabalhista, adaptar o sistema de saúde, mudar a mentalidade e incentivar a imigração. São as conclusões do encontro em St-Gallen.
“É muito importante tomar consciência que os idosos são parte da história e da solidariedade da sociedade e um formidável acúmulo de experiências e capacidades que precisam ser valorizadas.”
A afirmação é de Ilona Kirckbush, conhecida por sua atuação na área de saúde pública e que foi uma espécie de âncora do Congresso de Idosos e Gerações 2005, em St.Gallen (nordeste da Suíça), promovido pela organização suíça Viva50plus.
Durante três dias, especialistas de 40 países debateram questões ligadas ao envelhecimento das populações, no maior congresso multidisciplinar já realizado sobre o fenômeno.
Kirckbush reiterou que as pessoas vivem cada vez mais e melhor e querem ser ativas mas questionou: “onde estão as universidades para idosos? Onde é até quando eles podem trabalhar? Onde e como eles podem se aposentar? Onde podem morrer? São perguntas sem resposta para boa parte dos idosos no mundo”, afirmou.
O próprio ex-chanceler alemão Helmut Schmidt, agraciado com o prêmio Viva50plus (50 mil francos suíços) por seu trabalho e preocupação com várias gerações, mostrou-se céptico quanto à mudança de mentalidade, afirmando que em grandes empresas alemãs o trabalhador de pouco mais 50 anos é considerado velho.
Reclamou que o sistema tributário continua não beneficiando as famílias mas reconheceu que “nenhum estímulo fará aumentar a natalidade das populações nativas” dos países industrializados.
Constatações
Dos três dias de debates e palestras no Congresso de St.Gallen, alguns pontos foram evidenciados:
– há muitos estudos e iniciativas isoladas em curso nos países industrializados mas nenhum ainda tem uma política clara para o crescente e contínuo envelhecimento da população;
– o fenômeno é ligado ao nível de formação das pessoas, às aspirações de consumo ou de melhor qualidade de vida e ao amadurecimento da sociedade;
– as pessoas vivem cada vez mais e pretendem ser ativas mas são geralmente forçadas a sair do mercado de trabalho, muitas vezes sem estar preparadas;
– os sistemas de saúde e previdência enfrentam sérios problemas de custos e até de insolvência (no Japão, por exemplo, 70% da população tem mais de 30 anos);
– as soluções mais discutidas são flexibilidade da idade da aposentadoria e imigração.
– Por outro lado, existem oportunidades de negócios com a população idosa: turismo, serviços financeiros, publicidade, reforma de casas e apartamentos, serviços a domicílio e muitos outros; nos países industrializados, os 20% mais velhos da população, detém 40% da renda.
América Latina terá 100 milhões de idosos em 20 anos
A constatação é de Martha Pelaez, criadora da Academia Latino-Americana de Medicina para Idosos, na Universidade de Miami, em palestra no Congresso de St.Gallen.
Especialista em saúde pública para as pessoas idosas, Martha Pelaez estuda o envelhecimento da população desde 1984 e a América Latina, em particular, desde 1996, dirigindo o Programa para a Saúde Mundial (PAHO), da Organização Mundial de Saúde(OMS).
Casa em troca de comida
Ela conhece todos os países da região e não pára de viajar para visitar postos de saúde, hospitais, dispensários, para verificar como os idosos são tratados.
“Quando você pergunta a um idoso latino-americano o que ele precisa, vai fatalmente te responder: dinheiro para comer e saúde”, afirma a especialista.
Atualmente, a maioria das pessoas com mais 60 anos no continente americano vivem nos Estados Unidos e Canadá e dispõem, em geral, de uma aposentadoria garantida e de um sistema de saúde de alto nível.
Não é o caso dos países latino-americanos em que já vem funcionando, segundo Martha Pelaez, o esquema dos pais manterem os filhos em casa em troca de comida.
“Mesmo em países com perfil populacional de primeiro mundo há mais tempo como Argentina e Uruguai, o pouco que havia de sistema de proteção ruiu com a crise”, afirma a especialista.
A América Latina, portanto, vai se transformando num sub-continente de velhos, pobres em sua grande maioria. O Brasil tem atualmente 8% da população com mais de 60 anos. Em 2025, terá 16%. Em toda o sub-continente, haverá 100 milhões de pessoas com mais de 60 anos, nas próximas duas décadas, ou seja, depois de amanhã.
Conflito entre gerações
O agravante é que esses países ainda são obrigados a ter políticas voltadas para o desenvolvimento. Os hospitais, postos de saúde e pessoal médico são preparados para atender uma população infanto-juvenil “e não entende este novo tipo de usuário que é a pessoa idosa”, afirma Martha Pelaez.
Os programas de ajuda ao desenvolvimento dos países industrializados fazem o mesmo. Investem em problemas típicos do terceiro mundo, ignorando a existência de uma parte importante da população como perfil de idade de primeiro mundo.
Boa parte dessa população teve uma vida difícil com pouca instrução, pouco acesso a atendimento médico e, conseqüentemente, terá sua autonomia diminuída precocemente. A autonomia é o terceiro maior desejo das pessoas idosas, depois da comida e da saúde, de acordo com Pelaez.
Iniciativas como o “estatuto do idoso” no Brasil” a pesquisadora estadunidense diz que o texto é excelente mas para ser aplicado quando houver recursos, não se sabe quando. Ela preferiria um plano preciso de cinco metas concretas e mensuráveis a serem atingidas em determinado período.
Martha Pelaez acha que pode haver inclusive um conflito entre gerações por recursos básicos, com o aumento do número de idosos. “Já ouvi de um peruano idoso em que várias pessoas moram na mesma casa, que, se um dia tiver só um pedaço de pão, será para a neta” conclui a especialista.
Os problemas da memória
A única brasileira que participou do Congresso de St.Gallen veio … da Austrália. Doutora em Psicologia Cognitiva, a professora e pesquisadora da Universidade de Queensland estuda os problemas de memória em pessoas de mais de 50 anos.
“Na minha própria família tenho 13 pessoas que estão com mais de 70 anos, portanto sou diretamente interessada”, brinca Elizabeth.
O fato de uma pessoa manter sua capacidade de memória e até melhorá-la com o envelhecimento depende de vários fatores, explica e psicóloga, como a herança genética (histórico de longevidade sadia numa família, por exemplo); o nível educacional (maior acesso à informação, cuidados com a saúde, empregos melhores etc).
Fatores a favor e contra
“Outro fator importante que constatamos é a eficácia da percepção de uma pessoa em relação à capacidade de sua própria memória; tem a ver a personalidade da pessoa e com o meio social em vive”, afirma Elizabeth Green. Está comprovado também, de acordo com a psicóloga que o estilo de vida também influi na preservação da memória, como as pessoas que fazem exercício regulamente.
Por outro lado, fatores de risco para a perda de memória são doenças como hipertensão, diabetes e cardiovasculares, quando não tratadas e controladas o mais cedo possível. Isso sem falar de patologias mais graves como o mal de Alzeimer, outras formas de demência e derrames.
swissinfo, Claudinê Gonçalves, St.Gallen
Dos três dias de debates e palestras no Congresso de St.Gallen, alguns pontos foram evidenciados:
– há muitos estudos e iniciativas isoladas em curso nos países industrializados mas nenhum ainda tem uma política clara para o crescente e contínuo envelhecimento da população;
– o fenômero é ligado ao nível de formação das pessoas, às aspirações de consumo ou de melhor qualidade de vida e ao amadurecimento da sociedade;
– as pessoas vivem cada vez mais e pretendem ser ativas mas são geralmente forçadas a sair do mercado de trabalho, muitas vezes sem estar preparadas;
– os sistemas de saúde e previdência enfrentam sérios problemas de custos e até de insolvência (no Japão, por exemplo, 70% da população tem mais de 30 ans);
– as soluções mais discutidas são flexibilidade da idade da aposentadoria e imigração.
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