“Esperamos uma crise ecológica planetária”
Mudanças do clima, catástrofes ecológicas, poluição e guerras são conseqüências do capitalismo. Para o "decrescentista" Jacques Grinevald, é preciso frear o desenvolvimento.
swissinfo entrevista o professor da Universidade de Genebra e tradutor do economista Nicholas Georgescu-Roegen.
Quando Jacques Grinevald abre a porta, ele logo pede desculpas. O pequeno conjugado de quarto, sala e cozinha num bairro de classe média em Genebra lembra mais a Biblioteca Nacional de Paris. Por falta de espaço nas prateleiras, os livros estão empilhados em grandes colunas sobre a mesa, cadeiras, sofás e até mesmo no chão.
– Com relação aos livros, tenho um comportamento pouco condizente com o decrescimento – reconhece. Para receber o jornalista de swissinfo, ele abre um espaço no meios dos papéis espalhados em cima do sofá, convida para sentar e traz um café.
Grinevald, professor no Instituto Universitário de Estudos sobre o Desenvolvimento na Universidade de Genebra e da Escola Politécnica de Lausanne, é um dos representantes do decrescimento na Suíça.
Ele acredita tanto nas idéias desse movimento social surgido na França, que os aplica mesmo na sua vida: Grinevald não tem televisão, carro ou celular. Mesmo a Internet é para ele uma tortura.
Quais são as origens do decrescimento?
Em primeiro lugar, o decrescimento ainda é um movimento social de uma pequena minoria. Não devemos exagerar sua importância. Ele começou a ter mais visibilidade há apenas dois anos em Lyon, na França, depois de várias tentativas de pequenas associações de organizar um colóquio sobre o decrescimento. Essas associações eram as revistas “Silence”, uma publicação ecologista, pacifista e ligada às comunidades alternativas; a “L’Ecologiste”, que apesar de recente é uma versão francesa de uma revista ativa há trinta anos na Inglaterra e um grupo francês extremamente ativo e criativo chamado “Casseurs de Pub” (Destruidores de Propaganda).
O colóquio de Lyon aconteceu num salão muito bonito, na prefeitura da cidade. O local era um pouco paradoxal. Lembro-me que a primeira coisa que a assembléia fez foi pedir que as centenas de lâmpadas acesas fossem desligadas. Afinal, o sol que atravessava as janelas estava a pino. Esse foi nosso primeiro gesto de decrescimento.
O site do decrescimento na Internet destaca a obra do economista Nicholas Georgescu-Roegen. Qual sua importância para o movimento?
Esse grande economista romeno é origem intelectual do decrescimento. Ele era matemático e trabalhou muitos anos como estatístico. Depois que a Romênia foi dominada pelo comunismo, ele emigrou em 1948 para os Estados Unidos. Apesar de ser um brilhante profissional, ele começou muito cedo a criticar as ciências econômicas e as pretensões científicas da chamada “economia política”.
Para ele, no momento em que a economia decidiu se transformar numa ciência exata como a matemática, ela estava imitando o método da mecânica racional, que no fundo era um modelo aplicado para a mecânica celeste e outras coisas abstratas. Os fundamentos dessa mecânica são anteriores à Revolução Industrial. No fundo, a crítica de Nicholas Georgescu-Roegen às ciências econômicas era uma crítica aos seus próprios fundamentos, à definição do que nós chamamos “fenômeno econômico”, o “circuito econômico”, ou seja, produção, consumo, etc.
Os economistas haviam feito uma descrição do processo econômico como um sistema circular, independente do meio-ambiente, da temporalidade e da história. Na realidade, eles não viram que a Revolução Industrial é contemporânea de uma revolução cientifica: a passagem da mecânica fria à termodinâmica. Isso significa a troca de uma máquina circular para um motor de um tipo totalmente diferente, um máquina que queima, que tira sua força motriz da combustão de um estoque de matéria, o carvão, e no caso dos motores mais modernos, o petróleo.
Na escola as crianças aprendem que a Revolução Industrial foi um importante passo para a humanidade.
Sim, mas a Revolução Industrial precisa ser analisada do ponto de vista teórico. Não vivemos mais num sistema mecânico que dá voltas perpétuas, mas sim dentro de um sistema que se alimenta de uma fonte de energia e a esgota. Muitos cientistas já tinham na época a intuição de que o futuro desse sistema acabaria no momento de aplicar a teoria termodinâmica à economia industrial: isso significa que o processo industrial tem necessariamente começo e fim. A exploração do subsolo da terra tem limites do ponto de vista geológico e também termodinâmico. Por quê? Quando queimamos carvão, a gente só o queima uma vez. A energia que foi retirada dessa quantidade de carvão só pode ser utilizada uma vez.
Com o petróleo é a mesma coisa. Georgescu-Roegen foi uma espécie de profeta que analisou muito bem a realidade. Ele também admitia que a exploração do subsolo permitiu um crescimento fantástico para muitos países num determinado período histórico.
Por que Georgescu-Roegen só é conhecido por alguns especialistas nos meios acadêmicos?
O contexto no qual Georgescu-Roegen desenvolveu suas idéias eram os anos sessenta. Infelizmente ainda era muito cedo para seu reconhecimento. A comunidade de economistas e o grande público não estavam prontos a aceitar essa crítica das ciências econômicas. Isso foi antes da crise do petróleo e da publicação, em 1972, do famoso relatório “The Limits of Growth” (Os limites do Crescimento), do Clube de Roma. No mesmo ano ocorreu também em Estocolmo a primeira grande conferência das Nações Unidas sobre o meio-ambiente.
As idéias de Georgescu-Roegen são anteriores a essa tomada de consciência, a dos limites da biosfera, o meio-ambiente global que permite a vida na terra. Elas também antecedem à crise do sistema capitalista industrial, que nós sempre conseguimos superar postergando os problemas para o futuro. Esse é o caso do petróleo, do qual nosso sistema de crescimento econômico é cada vez mais dependente: 40% da energia do sistema vêm desse combustível, uma proporção absurda! O petróleo está ligado aos problemas ecológicos e de rarefação das reservas.
Georgescu previu esses problemas fundamentais. Para ele é importante ver o sistema econômico não como um processo circular isolado, mas sim unidirecional. Ele tem começo e fim. Trata-se de um sistema que extrai matérias-primas e energia do meio-ambiente, as transforma e depois expele os dejetos no meio-ambiente. Existem limites dos dois lados: na entrada, através da penúria e rarefação de recursos, e na saída, ou seja, na capacidade de absorção da poluição do eco-sistema e de carga ligada à estrutura e estabilidade da biosfera.
Podemos dizer que incluiu na economia parâmetros ecológicos?
Sim, ele incluiu elementos exteriores. Ele redefiniu o processo econômico integrando variáveis ecológicas. Georgescu descobriu que as ciências econômicas, como elas eram constituídas, não apenas eram incompletas por não integrar determinados problemas. Pelos seus dogmas mecanicistas e matemáticos, ela não chegava nem mesmo a vê-los.
Teria sido esse economista um revolucionário?
Ele deu uma nova perspectiva de mundo, uma visão onde nós reconhecemos que, antes de sermos “Homos Economicus”, somos seres vivos. Ele chamou suas idéias de “Bio-Economia”. Sua revolução teórica é bio-econômica: ele une as ciências econômicas não à física ou à matemática abstrata, mas sim às ciências biológicas. Se precisamos da economia, é porque precisamos comer. E comemos, pois somos seres humanos. Não nos alimentamos de dólares, mas sim de batatas.
Não podemos confundir a noção do dinheiro, que faz circular o sistema econômico, com bens indispensáveis que alimentam as pessoas. O problema é que as ciências econômicas não fazem essa distinção. Elas consideram que todos os bens são substituíveis. Elas não fazem distinção intrínseca entre os bens necessários – ou como dizemos em inglês, os “basics needs”, as necessidades básicas.
Os pobres sabem o que significa comer o suficiente. No entanto, nas sociedades ricas, nós esquecemos o significado desse problema fundamental. Na Europa todos comem o suficiente. O problema de muitas pessoas é saber se haverá dinheiro para comprar o último modelo de telefone móvel ou de câmera digital. Na verdade, nós esquecemos que o processo econômico tem raízes biológicas.
Quando você adotou as idéias de Georgescu-Roegen?
Meu primeiro contato já foi suficiente para me convencer das suas idéias. Isso ocorreu num congresso organizado pelo departamento de Econometria da Universidade de Genebra. Eu me lembro como se fosse ontem: foi em 6 de junho de 1974. Na sua conferência, muito simples por sinal, ele nos mostrou que estávamos na direção errada. Não apenas seria necessário frear o crescimento econômico, mas sim ir em outra direção.
E você traduziu seu livro, intitulado “O decrescimento: entropia, ecologia e economia”.
Sim, eu fui amigo dele e tradutor. Meu objetivo era mostrar que as idéias de Georgescu-Roegen eram exatamente o tipo de pensamento que procurávamos para o movimento ecológico, que ainda não tinha uma teoria econômica.
Qual a diferença entre decrescimento e desenvolvimento sustentado?
Um defeito grave na teoria do desenvolvimento sustentado é de acreditar que a tecnologia é uma solução para a rarefação dos recursos naturais e aos problemas gerados pela poluição. É como se a tecnologia fosse uma panacéia, um “abre-te Sésamo” para resolver todos os problemas do mundo. Esse é o mito do progresso técnico.
Mas a maioria dos economistas não acredita que o crescimento econômico é fundamental para a saúde política e social?
Sim, essa é a crença geral. Porém, veja que a ligação entre o emprego, ou seja, o trabalho, e o crescimento econômico praticamente não existe mais. Essa é apenas uma questão de estatística. O problema do crescimento é a forma de medi-lo. Quando falamos de crescimento, estamos falamos de números, cifras, que determinam a taxa de crescimento. E o que é a taxa de crescimento? É o resultado de um amálgama estatístico extremamente complicado e que ninguém compreende, com exceção dos especialistas. Ela só mede o volume que foi produzido em termos de valor e não em termos reais. A diferença é essencial: o que chamados de “crescimento” é algo muito abstrato.
Mas essas taxas não são baseadas em elementos concretos como o soma do consumo, investimento ou exportações de um país?
Você pode também fazer aumentar o crescimento nacional comprando quadros do Leonardo da Vinci e pagando vários milhões. Porém você poderia também ter comprado, com o mesmo dinheiro, toneladas de arroz para alimentar uma população. A economia financeira não faz distinção entre conteúdo e valor. Um valor que seja gerado e produzido pela troca de coisas abstratas não leva em conta dados como o custo de transporte das mercadorias ao meio ambiente, por exemplo.
Então a solução é crescermos menos, ou seja, sermos mais pobres?
As conseqüências sobre o meio ambiente não estão ligadas ao fato de sermos ricos ou pobres. Elas estão ligadas à maneira como o dinheiro é gasto. Um rico que compra quadros de Leonardo da Vinci por milhões não contribui para a degradação do meio-ambiente. Porém se ele dá para cada um dos seus filhos no natal um veículo utilitário de luxo, com tração nas quatro rodas, então o consumo de combustível da família aumenta e, por conseqüência, a poluição. Não é o dinheiro em si o culpado pelos problemas ecológicos, mas sim a forma como ele é gasto e investido. É necessário diferenciar o crescimento como conceito monetário, de contabilidade, e o crescimento em termos reais, de fluxo de materiais e energia.
O que devem fazer os países pobres? Parar de crescer para defender o meio ambiente?
Georgescu não era contra o crescimento para todo mundo e de uma maneira universal. Pelo contrário, ele era um economista do desenvolvimento e dizia que muitas pessoas no mundo vivem num nível abaixo das suas necessidades básicas. Elas, sim, teriam direito ao crescimento. Georgescu fazia bem a distinção afirmando que existem países demasiadamente pobres, que existem grupos humanos que são miseráveis e que eles devem ter a possibilidade de ter um mínimo para as suas necessidades básicas. Esses países precisam crescer.
Por outro lado, existem os super-ricos, países que são demasiadamente desenvolvidos. O dilema é que uma parte da humanidade vive abaixo das suas necessidades e outra parte acima. Um exemplo flagrante desse superdesenvolvimento na época de Georgescu, algo que não é diferente hoje em dia, é o excesso de armamento dos países ricos, as chamadas superpotências. Elas têm um gigantesco arsenal nuclear, um estoque de armas como tanques de guerra, caças aéreos e navios de combate. Vamos ser francos, a pergunta é: será que a humanidade tem necessidade disso para sobreviver? Seguramente não, pois essa é uma das causas de insegurança no planeta. Esse é mesmo um dos grandes problemas que nos deixou a Guerra Fria, essa fantástica corrida aos armamentos.
Na minha opinião, esse é um dos reflexos do excesso de superdesenvolvimento: temos tanto dinheiro e tanta criatividade técnica, que fabricamos coisas para serem destruídas. Todos os países criam grandes exércitos para se destruírem mutuamente.
O pacifismo faz parte também do decrescimento?
O desarmamento era uma idéia-chave de Georgescu-Roegen. Ele era muito bem colocado para dizê-lo: ele era um anticomunista roxo, que foi obrigado a abandonar seu país e também conheceu a guerra de perto. Ele era consciente de que o problema estava intimamente ligado ao capitalismo industrial, ao crescimento industrial. Se o Estado não fosse cliente das empresas mecânicas e químicas que fabricam armamentos, elas não teriam tido o crescimento que tiveram.
Para Georgescu, algumas tecnologias não são apenas supérfluas, mas também nocivas ao futuro do planeta. Interessante é que muitas vezes esquecemos que os aparelhos e sistemas que usamos tiveram origem militar. As ligações entre a técnica e a guerra são consideradas tabu. Durante vinte e cinco anos fui professor da Escola Politécnica, onde ministrava um curso de história da técnica. Quando certos professores descobriram que eu falava sobre a guerra, sofri pressões enormes. Agora me desculpem, mas é possível falar da história da técnica, separando tecnologia da guerra?
A Internet também surgiu por interesses militares americanos e hoje é utilizada por milhões de pessoas no mundo. Qual o problema de tocar no assunto?
Existe uma espécie de censura sobre o tema. A gente não quer desmoralizar os jovens e mostrar, no meio acadêmico, os aspectos destruidores da técnica. Mas se quizeremos fazer uma abordagem histórica, somos obrigados a ver que o crescimento econômico não foi uma necessidade, pelos menos prioritária, para fazer as pessoas mais felizes e lhes dar mais conforto. Na verdade, ela estava ligada à competição militar entre os Estados-Nação.
Eles competiam por quê?
A competição era pelos mercados e pelo crescimento econômico. Era uma luta pela riqueza. Mas para o Estado-Nação, por muitos séculos, ser mais rico significava ter mais poder. É necessário refletir sobre o relacionamento entre a riqueza e o poder.
Como o decrescimento pode ser aplicado nos países pobres?
O decrescimento pode ser aplicado nos países em desenvolvimento, sobretudo naqueles onde existam classes sociais extremamente ricas. Não esqueça que na Índia vivem mais milionários do que na Suíça! O debate proposto pelo decrescimento não se limita apenas a países, mas sim às classes sociais. Existem aquelas que consomem demais em relação a outras. E esse comportamento priva as outras de recursos naturais que são necessários para a sua sobrevivência.
Mas não podemos ver o problema apenas como uma questão de distribuição geográfica, mas também de gerações futuras. Não podemos acreditar que teremos uma solução futura para o momento em que o petróleo acabar. Enquanto uma resposta não for encontrada, é importante saber que os grandes carros consomem hoje a gasolina que irá faltar nos tratores dos países do Terceiro Mundo no futuro. Gastamos atualmente a gasolina que iremos necessitar em cinqüenta anos.
Você não acredita que o preço crescente do petróleo irá frear seu consumo?
Na questão do petróleo, não vemos que o essencial não é seu preço, mas sim a quantidade que podemos utilizar. A grande imprensa só se interessa pelo petróleo quando seus preços estão elevados. Se eles diminuem, ninguém mais fala sobre o tema. É fácil de imaginar que amanhã os preços do petróleo possam diminuir consideravelmente. E por quê? Pois o desperdício de petróleo é tão grande que os nossos governos, se fizessem um esforço real, poderiam, sem prejudicar a qualidade de vida das pessoas, diminuir em até 30% nosso consumo de petróleo bruto.
Não seria uma solução elevar os impostos sobre combustível ou introduzir planos de racionamento?
Isso não é o cerne da questão! O comportamento das pessoas é o fundamental. Sem trocar de carro, é possível economizar dirigindo de forma mais lenta ou parando de comprar carros grandes. Quando eu era jovem, fazia parte de uma geração que adorava carros rápidos. A gente sonhava com veículos conversíveis ou esportivos, cujos motores se tornavam mais possantes a cada ano. Porém quando passei a ter consciência dos problemas ecológicos e quando conheci as idéias de Georgescu-Roegen, o desejo de ter uma máquina dessas desapareceu da minha cabeça. Então eu comprei o menor dos carros: o Twingo. O engraçado é que eu era consultor da Renault e cheguei a lhes dizer: o automóvel de vocês ainda anda rápido demais!
Qual a solução para o problema do petróleo?
Sabendo que o petróleo é um recurso esgotável e que não temos ainda uma solução para substituí-lo, é importante começar a adotar programas de economia, de combate ao desperdício e de precaução. No debate sobre o futuro, introduzimos cada vez mais o princípio da precaução, que está ligada a nossa ignorância: não sabemos como os aviões irão voar no futuro a partir do momento em que não tivermos mais querosene.
Mas a indústria pesquisa soluções como as células de combustível para veículos. Você não acredita nessas soluções alternativas?
Veja, essa famosa história do futuro baseado na economia do hidrogênio tem seus problemas. O hidrogênio não é um recurso energético primário. Primeiro é necessário fabricá-lo, o que provoca também a um elevado gasto de energia.
Muitos cientistas afirmam que não devemos ter a ilusão de que as células de combustível irão substituir as quantidades gigantescas de petróleo e carvão que consumimos atualmente. Ainda estamos vivendo a era do combustível fóssil. Esse é o mundo industrial, que eu chamo de “civilização termo-industrial”. Ela está fundamentada sobre motores térmicos que queimam uma matéria-prima à base de carbono. O carbono está no carvão, petróleo e gás natural. Nós queimamos isso e criamos um problema grave: o gás carbônico é liberado na atmosfera. Na atmosfera esse carbono oxida e se transforma em CO2, o dióxido de carbono.
A nossa civilização produziu, nos últimos cinqüenta anos, uma quantidade tão grande de dióxido de carbono, que a natureza não está sendo mais capaz de reciclá-lo normalmente. Isso significa que estamos desequilibrando o ciclo global planetário. As conseqüências são gigantescas para o clima e, por conseqüência, para a ecologia como um todo.
Você também acredita que o aumento da freqüência de catástrofes naturais é uma resposta do planeta aos abusos ecológicos dos últimos anos?
Os meios científicos estão diagnosticando uma crise ecológica planetária para o futuro. Eu tenho todos os dados aqui na minha biblioteca: os relatórios da Organização Meteorológica Mundial, da ONU, as pesquisas intergovernamentais de especialistas sobre a evolução do clima, etc. Já faz anos que eles dão alarme!
Vivemos hoje em dia um processo de superdesenvolvimento. Porém o crescimento da economia mundial – falamos de economia mundial, pois carros ou computadores já são produzidos atualmente em escala mundial – precisa ser refletido. O mundo econômico ainda não escuta o que dizem os especialistas das ciências da Terra. Muitos deles explicam que a rarefação do petróleo não é o problema, mas sim a sua abundância. Se queimarmos todas as reservas existentes, os problemas ambientais – cujos diferentes nomes podem ser aquecimento do planeta, efeito-estufa ou mudança do clima – irão se agravar ainda mais. Então chegaremos num momento em que não poderemos mais gerir o problema ecológico. A desestabilização do sistema, que se chama biosfera, estará fora de controle. É necessário agir agora!
O que dizer a um chinês, que sonha em ter seu carro próprio e ver seu país no topo do desenvolvimento?
Você escolheu a palavra perfeita: eles podem continuar a sonhar! Mas rapidamente os chineses irão ver que o veículo individual produz engarrafamentos e que o consumo de gasolina aumenta. E de onde sairá petróleo para esses milhões de automóveis?
O crescimento fantástico vivido pela China nos últimos anos parece, do ponto de vista puramente humano, legítimo e desejável. Porém temos de levar em conta os aspetos ecológicos e sociais. O que está acontecendo na China? A sociedade chinesa está sendo desequilibrada. Estão sendo criadas enormes desigualdades sociais no país. A China tinha certa estabilidade porque a diferenças entre os ricos e pobres ainda era reduzida. Ela era, como ainda é hoje, uma sociedade camponesa. Acreditar que todos os chineses irão viver nas cidades, que cada um terá computador ou veículos de luxo, que todos irão de avião fazer turismo na Suíça é não apenas uma ilusão, mas também um desastroso erro de perspectiva.
Mas a China e muitos investidores internacionais acreditam nesse sonho, ou não?
Não podemos esquecer que o crescimento econômico da China é uma ambição de poder. A China é uma potência nuclear. Ela irá no futuro ameaçar os países que não irão querer vender o petróleo que ela necessita. Não é possível analisar essa lógica de crescimento em termos econômicos, mas sim multidimensional. É necessário ver que essa lógica é uma lógica de competição internacional pelo poder e pela dominação do mundo.
Quais são os riscos atuais de um conflito armado em escala mundial?
O perigo de uma guerra é grande. Nos anos oitenta, percebi que muitos países começaram a se interessar pelo tema. Em alguns deles isso já era tratado como uma questão de segurança nacional. No Brasil, país que visitei em 1980 e 1984, lembro que o meio ambiente era debatido pelos militares no mesmo tom.
Mas o medo da internacionalização da Amazônia ainda é debatido no Brasil.
Esse é um bom exemplo: a oposição dos brasileiros a qualquer internacionalização da Floresta Amazônia. Na época o país viu que o argumento da proteção da biodiversidade, da questão da ecologia global, poderia atacar a soberania nacional.
Mas essa posição não é justificável, sabendo que recursos como a água já são motivos de conflito em muitas regiões do globo?
Eu estou de acordo, mas lembro que na famosa conferência de Estocolmo o representante do Brasil disse que preferia a destruição da Floresta Amazônica à sua ocupação pelos Estados Unidos. Essa é uma atitude estúpida e que eu só posso compreender pela polêmica da época. Isso é como preferir destruir a dividir com os outros.
A Floresta Amazônica faz parte do conjunto de florestas tropicais úmidas e têm um papel indispensável na biosfera do planeta. No fundo, elas não pertencem a nenhum país! E por quê? Pois os países são construções históricas transitórias. Se hoje eles existem, talvez amanhã não mais. Em todo caso, eles não existiram sempre. A Floresta Amazônica não foi sempre o Brasil. Os EUA não foram sempre os EUA, pois antes a região era ocupada por índios, que foram massacrados pelos colonizadores.
É necessário ter uma perspectiva. É lá que podemos pegar algumas idéias de Georgescu-Roegen, um naturalista. Os verdadeiros ecologistas são naturalistas. Trata-se de saber que antes de sermos franceses, suíços ou brasileiros, somos membros de uma espécie zoológica que divide a face da Terra com outras espécies. A grande ilusão antropocentrista da modernidade é de acreditar que um planeta, onde suprimimos algumas centenas de espécies vegetais e animais, será um bom planeta, um planeta humano. Na verdade, criamos com isso um planeta inumano. Parece um paradoxo, mas o triunfo do homem sobre a natureza irá nos levar a um resultado fatal e inelutável: o suicídio da humanidade!
Precisamos reconhecer que não é possível ganhar a guerra contra a natureza. Ao invés de lutar contra ela, deveríamos ter uma outra filosofia, a de simbiose com a Terra. Para isso precisamos ultrapassar barreiras como as disputas do nacionalismo ou das divisões religiosas, por exemplo.
O que o decrescimento sugere para os países mais ricos?
Em primeiro lugar, abandonar os sonhos de poder absoluto! Esse sonho é bem simbolizado pela bomba atômica. Ela é o símbolo de um país que diz ao outro: se você nos incomodar, iremos simplesmente apagá-lo do mapa. Me lembro que esse assunto já foi abordado por um grande historiador inglês, o Edward Palmer Thompson, que escreveu um pequeno livro intitulado “Exterminismo – estado supremo do capitalismo”.
Não podemos colocar ao lado a questão do poder, da violência e da dominância política. Não podemos acreditar que esses elementos não têm nada a ver com o problema do crescimento. O decrescimento é uma mudança de lógica: o abandono do sonho da dominação, do sonho do poder, e retornar a essa mensagem de Gandhi, que na época dizia: – “não há espaço no planeta para duas Grã-Bretanhas”. Na época da dominação do Império Inglês sobre a Índia, Gandhi estava consciente de que a potência da chamada “Pax Britannica” estava baseada na acumulação das riquezas do mundo. A idéia de Gandhi era bem simples: – “é necessário que os ricos vivam de maneira mais simples, para que os outros possam simplesmente viver”.
Muitas pessoas vivem na atualidade o medo do desemprego e das crises econômicas. O termo “decrescimento” não soa um pouco perigoso para elas?
O decrescimento é uma outra lógica. Esse termo não significa crescimento negativo que, em termos econômicos, não é nada mais, nada menos, do que a recessão. O termo amedronta as pessoas, pois elas pensam logo em recessão. Evidentemente se o decrescimento não for voluntário, mas sim algo que caiu sobre a cabeça das pessoas como uma catástrofe, um tsunami, como algo imposto pela conjuntura, então essa situação pode ser muito negativa.
Se quiser me tornar um adepto do decrescimento, como devo agir?
O decrescimento também é algo que pode ser desejado. Dou alguns exemplos: você pode escolher entre comprar um carro grande ou um pequeno; você pode escolher entre ir para a cidade de carro ou de ônibus. Todos esses gestos do cotidiano são dirigidos por essa bifurcação entre dois tipos de lógica: a lógica do crescimento e a do decrescimento.
Um amigo meu, milionário de família e que aplica seu dinheiro na causa ecológica, costuma dizer: “no fundo é simples, o importante é fazer exatamente o contrário do que estamos fazendo”. Eu diria que, ao invés de comprar a maior coisa, você pode comprar a menor. Ao invés de comprar o maior carro, você pode comprar o menor deles. Trata-se de uma mudança de valores.
Na Alemanha, a contenção do consumo é considerada por muitos analistas como uma das causas do desemprego.
Não no caso do decrescimento! Se aplicado, ele cria outros tipos de emprego, muito mais no setor de serviços do que na produção. No contexto atual, imagino que um número razoável de países poderia diminuir seus gastos, por exemplo, com a defesa nacional. Eles poderiam incentivar a criação de empregos em outras áreas.
O problema é que é necessário rediscutir o trabalho. Atualmente esse é um tema muito debatido por vários sociólogos e economistas. No fundo, construímos a sociedade industrial com base no trabalho. Sair dessa sociedade industrial e da sua lógica de crescimento é rever a idéia do trabalho assalariado. Talvez seria possível imaginar outros sistemas de distribuição do dinheiro na sociedade.
Veja, mesmo o dinheiro hoje em dia já não está mais ligado ao trabalho. Não existem pessoas que não trabalham e ganham dinheiro simplesmente pelo fato de já o possuírem? Outros que trabalham de verdade não tem nada.
Como você vê a questão do consumo?
O ocidente deixou-se enganar pelas coisas, pelo consumo dos objetos. Dou um exemplo através da pergunta: será que é possível dizer que o telefone portátil realmente melhorou a nossa comunicação? Nenhuma pesquisa foi realizada para avaliar a satisfação no relacionamento interpessoal. Será que essa tecnologia – não podemos esquecer que ela consome energia, matéria-prima e que numa bateria de telefone portátil existem cerca de cinqüenta elementos minerais que exigem uma atividade intensiva de mineração e transporte – considerada por muitos como um progresso da tecnologia, pode ser também vista como um progresso social e psicológico? As pessoas vivem melhor e são mais felizes hoje em dia? Podemos duvidar disso levando em conta o mal-estar geral da juventude, a violência vivida na nossa sociedade.
Os “decrescentistas” pregam, na sua opinião, uma espécie de revolução social?
É necessário chegar a um consenso social para realizar essas mudanças. Efetivamente teremos muitas dificuldades se apenas uma pequena minoria estiver de acordo com esses novos preceitos e aceitar mudar sua lógica de vida. Existe uma fase de transição que é extremamente difícil. É necessário um novo contrato social. Isso significa que todos os atores da vida econômica e que compõem a sociedade – sejam sindicatos, partidos políticos, administrações públicas, igrejas ou outros – apóiem essa revolução cultural, mental, e psicológica.
Existe algum exemplo bem-sucedido do decrescimento?
O tabaco! Nas décadas passadas o consumo de tabaco cresceu extraordinariamente em grande parte dos países democráticos e industrializados. Com as campanhas de saúde e de esclarecimento houve repentinamente uma inversão completa da atitude da maioria das pessoas e dos governos. Antigamente a regra é que o fumo era possível em qualquer lugar e que os não-fumantes se contentavam com espaços exclusivos. Hoje é o contrário! O decrescimento é essa inversão dos valores.
O decrescimento é a nova bandeira para o futuro?
Não queremos nos transformar numa igreja, com um catecismo e que a solução está na sua aplicação. Eu creio que os adeptos do decrescimento não querem ser os novos Saint-Simonianos, a seita francesa que pregava a industrialização, o tudo pela indústria. Eu penso que esse movimento nasceu de uma reflexão profunda, não apenas econômica, mas de apego à não-violência.
Por que a não-violência?
Isso é fazer, por exemplo, as pessoas compreenderem que andar com veículos de tração nas quatro rodas no meio urbano é uma forma de violência. O triste é que o poder público não fala disso. Porém eu não ficaria surpreso se, em dez anos, algumas cidades na Europa pribissem a circulação desses veículos. O triste é que, antes de escolher a solução física, iremos provavelmente preferir a solução capitalista, que é de fazer pagar por isso. Assim os ricos, que não estão nem aí para esse problema, irão continuar a circular com seus carrões nas cidades. Acho até que nós teremos um número ainda maior desses veículos. Como todos os carros serão taxados e como esses carros potentes serão comprados apenas para mostrar que o proprietário é rico, então será ainda mais fácil mostrar em público a sua riqueza. Apenas eles terão recursos para pagar a gasolina e as taxas, que serão caríssimas no futuro. É como se todos quisessem ter uma carroça de Luis XIV, que, na época, era um dos poucos franceses que dirigia algo tão exclusivo.
As diferenças sociais irão crescer?
Estamos demolindo a democracia e suas idéias de base. Estamos fabricando uma sociedade de duas velocidades: uma onde haverão os ricos, que serão na realidade super-ricos, e outra onde as pessoas serão, por definição, pobres. E o que é um pobre: é um rico que não tem dinheiro! Criamos assim um sistema simbólico onde existe apenas a riqueza.
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