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Frango à base de ervilha para o almoço, porco “de girassol” para o jantar

Illustration pflanzliche Nahrung
Cada vez mais pessoas na Suíça optam por produtos substitutos da carne com proteínas de ervilhas, sementes de girassol, soja ou outras fontes vegetais. Helen James /swissinfo.ch

Alternativas vegetais à carne são cada vez mais atraentes para os consumidores ambientalmente conscientes, e que estão dispostos a pagar um pouco mais. Uma startup suíça está convencida de que não apenas é possível imitar o sabor da carne, mas até mesmo superá-lo. Só não faltam obstáculos.

A primeira vez que comi uma salsicha vegana, fiquei desapontada. Não tinha gosto nenhum de carne. Também não tinha gosto de soja ou amido de batata, que estavam listados como ingredientes. Parecia mais com um pedaço de plástico tostado. Isso foi há cinco anos.

Entretanto, a tecnologia alimentar tem dado grandes passos, impulsionada pela crescente demanda dos consumidores. Mesmo as imitações de pastrame e Cordon Bleu tem uma aparência e sabor cada vez mais semelhantes aos originais.

Os substitutos vegetais de carne ainda são um produto de nicho na Suíça – com uma participação de mercado de apenas 2,3% – mas as vendas dobraram desde 2016. Nos supermercados, um em cada seis hambúrgueres vendidos consiste em ingredientes à base de plantas.

Os produtos de origem vegetal também são populares entre as pessoas que realmente comem tudo, mas querem reduzir seu consumo de carne, em vista das mudanças do clima e do consumo de água e recursos do solo.

Vegetarischer Hamburger
Nos supermercados suíços, um em cada seis hambúrgueres vendidos já consiste em ingredientes à base de plantas. Marcel Rickli

O mercado alimentar ganha impulsos no país, especialmente nos cantões de Friburgo, Vaud e Zurique. Vários centros de inovação alimentar e os dois Institutos Federais de Tecnologia estão localizados aí.

De acordo com um relatório, cerca de 3% dos investimentos feitos em 2020Link externo (de um total de cerca de 2,3 bilhões de francos suíços) foram para as mais de 160 empresas iniciantes (start-ups) que operam no setor de novos alimentos. Portanto, o potencial de crescimento é grande.

Um dos atores mais importantes no campo das proteínas alternativas na Suíça é a ‘Planted Foods’, uma start-up fundada como uma subsidiária do Escola Politécnica Federal em Zurique (ETH). Seus produtos já estão disponíveis em restaurantes e lojas em toda a Europa, principalmente na Alemanha, Áustria e França.

Descobri esta empresa da maneira como a maioria das novas marcas são conhecidas hoje: através das mídias sociais. Um dia, em um post patrocinado, o Facebook me mostrou algumas imitações de nuggets de frango suculentos, em caixas de tom pastel com a palavra “planted” (plantada, em tradução livre) estampada nelas.

Ficou claro que isto não poderia ser carne. Eu já estava experimentando uma dieta vegana há alguns meses, mas procurando novos alimentos que me lembrassem o delicioso sabor da carne, e acrescentassem alguma variedade às minhas refeições.

As melhores ideias vêm enquanto se come

Então, eu mordo a isca e clico no link que me direciona para o site da ‘Planted Foods’. Quando tomo conhecimento de que se trata de uma empresa start-up suíça, decido contatar um dos quatro fundadores – Pascal Bieri – e fazer uma entrevista com ele.

Bieri me dá as boas-vindas na sede da empresa em Kemptthal, a meia hora de trem de Zurique, em uma antiga área industrial a um passo da estação ferroviária. Ali costumavam ser feitos caldos em cubos e sopas instantâneas.

Veganes Restaurant von Hiltl am Hauptsitz von Planted
O primeiro restaurante da cadeia Hiltl a ser completamente vegano. SWI – si

Na entrada, fico um pouco confusa: em vez de adentrar em uma fábrica cinza, me encontro em um restaurante no meio de um grande espaço aberto de dois andares. “Os matadouros se escondem atrás de paredes de concreto. Nós, por outro lado, não temos nada a esconder”, diz Bieri.

Enquanto isso, no primeiro restaurante completamente vegano da cadeia Hiltl, que também está aberto ao público, as pessoas estão comendo e conversando ao nosso redor. O proprietário do restaurante vegetariano mais antigo da Europa, Rolf Hiltl, foi um dos primeiros investidores da ‘Planted’.

Durante nossa conversa, Bieri – que veste um pulôver cinza que contrasta com seu sorriso radiante –  gesticula, ri muitas vezes e fala muito casualmente de si mesmo. Ele cresceu em um vilarejo perto de Lucerna. Seu avô criava vacas e porcos. “Eu não tinha ideia de que a carne que comia tinha um impacto sobre o planeta. Até que eu me envolvi com a criação de animais.”

Ele me conta como começou a reduzir seu consumo de carne em 2016, quando morava nos EUA. Enquanto fazia isso, comia freqüentemente hambúrgueres vegetais da empresa Beyond Meat – até descobrir a longa lista de ingredientes altamente processados. “Todos estes produtos químicos e substâncias não naturais que as pessoas normais não entendem.”

Junger Mann
Pascal Bieri, 37, é um dos fundadores da startup “Planted Foods”. planted

Assim, no início de 2017, ele contatou seu primo Lukas Böni, então estudante de doutorado em ciência alimentar, e apresentou-lhe sua ideia: “Por que não criamos uma alternativa vegetal para a carne, que seja mais natural do que o que essas pessoas estão produzindo?”

Os primos lançaram a empresa em julho de 2019, junto com os co-fundadores Eric Stirnemann e Christoph Jenny. Em janeiro de 2020, seu primeiro produto Planted Chicken (frango a base de plantas) já estava disponível na rede Coop. Como a empresa se desenvolveu financeiramente desde então não se sabe: ela não fornece números.

Em busca da proteína perfeita

O frango vegetal da ‘Planted’ é feito misturando-se proteínas e fibras de ervilhas importadas com óleo de canola e água da Suíça. As proteínas de girassol e aveia são adicionadas ao “bife de porco” para diversificar o perfil de aminoácidos. O pó de girassol é um subproduto na produção do óleo rico em proteínas, que é obtido através da prensagem das sementes.

‘Planted’ trabalha com muitos tipos diferentes de proteínas, dependendo do produto e do processo de fabricação. Enquanto Bieri me explica como se vai das plantas à carne vegetal, ele aponta para um grande saco atrás de uma parede transparente.

“Este está cheio de fibras e proteínas, uma espécie de farinha. Nesta fase do processo, é como ser um padeiro”, diz ele brincando. Imagino-o usando um avental e girando uma massa de legumes como uma base de pizza. Para mim, como italiana, é uma imagem bem familiar.

Para produzir este vídeo, visitei outros setores, incluindo um ‘cultivador de insetos’:

Na verdade, a proteína, as fibras, o óleo e a água são processados em uma massa quente, em uma máquina: a chamada “extrusora”. A extrusão é atualmente um dos processos mais populares para a produção de produtos substitutos de carne.

Mas isso é tudo, menos simples. Através de uma combinação de umidade, calor e energia mecânica, os ingredientes são triturados, misturados e homogeneizados. A mistura é então separada para produzir “pedaços de frango”, “bifes de porco” ou “bolo de carne” marinado.

A estrutura e consistência da carne vegetal pode mudar muito dependendo da temperatura, pressão e quantidade de água. Mas as propriedades morfológicas das proteínas utilizadas também são cruciais para um produto final de alta qualidade.

Verarbeitung von pflanzlichem Fleisch
Branco de ovo, fibras, óleo e água são transformados numa massa quente numa máquina chamada extrusora. A mistura é então separada para fazer “pedaços de frango”, “costeletas de porco” ou cortes frios marinados. © Keystone / Gaetan Bally

Frango “sem carne”

A esta altura já está quase na hora do almoço. O restaurante ganha vida aos poucos, a música de fundo fica mais animada. O buffet vegano no meio da sala parece convidativo. Aí eu me dei conta de que vi no site ‘Planted’ um pacote de 400 gramas de “nuggets de frango” à venda por 13,50 francos.

Isso significa um custo de mais de 30 francos por quilo, enquanto um quilo de nuggets de frango convencionais custa menos de 20 francos no supermercado. “Este é provavelmente o aspecto mais absurdo: nós, consumidoras e consumidores, pagamos com nossos impostos por carne barata e suas consequências ambientais”, afirma Bieri.

Ele está se referindo ao fato de que os agricultores podem frequentemente importar proteínas – como a soja para alimentar o gado – com isenção de impostos, o que não se aplica à produção suíça de carne de origem vegetal. Em 2020, a Suíça importou mais de 460 mil toneladas de grãos para alimentação animalLink externo, e apenas cerca de 245 mil toneladas para consumo humano.

“Se importamos proteína de ervilha para uso como ração animal, não teríamos que pagar nenhuma taxa sobre ela. Mas como a importamos para consumo humano, somos obrigados a fazer isso”, diz Bieri, visivelmente aborrecido. Isto torna difícil para empresas como a ‘Planted’ competir com o mercado de carne, diz ele.

Mas Michael Siegrist, professor de comportamento do consumidor na ETH, não concorda completamente: “É verdade que os produtores de carne recebem subsídios, mas na Suíça eles estão sujeitos a mais regulamentações e padrões de produção, e os custos são muito mais altos do que em outros países europeus. Isto afeta o preço da carne, que na Suíça é mais do que o dobro da média europeia.”

Não há campos para ervilhas

Aqueles que produzem substitutos vegetais de carne na Suíça enfrentam outro obstáculo: plantas proteicas – como ervilhas amarelas ou grão-de-bico – não são fáceis de cultivar, porque as condições do solo e da luz solar não são óptimas.

Além disso, existe uma falta de instalações de grande escala capazes de produzir as proteínas e fibras isoladas a partir de cereais crus e a preços competitivos, que são necessárias por empresas como a ‘Planted’.

“Estamos buscando uma solução com o Departamento Federal de Agricultura para obter as proteínas que precisamos na Suíça, mas no momento temos que importá-las do exterior, principalmente da França”, acrescenta Bieri.

“Nuggets de frango” e “bifes de porco” feitos de proteína de ervilha são apenas o começo para a ‘Planted’. Novas tecnologias, como a impressão 3D, definirão a próxima geração de proteínas alternativas.

A empresa também está experimentando microalgas como uma fonte sustentável de proteína. “Nosso objetivo é desenvolver proteínas de origem vegetal que melhorem o sabor e a textura da carne”, diz Bieri.

Assim, a busca pelas matérias primas certas para produzir alternativas à carne – que sejam ricas em proteínas, sustentáveis e acessíveis – continua. Mas, segundo Bieri, os consumidores suíços estão dispostos a experimentar novos alimentos. “A quem você diz isso…”, eu respondo. Às vezes eu compro produtos que não conheço no supermercado, só porque eles parecem estranhos.

Já é quase uma da tarde, e estou com fome. Depois de duas horas de conversa sobre comida, também é hora de eu comer algo. Bieri me convida para provar de seu buffet, mas tenho que ir a outro compromisso e já trouxe meu almoço comigo.

Enquanto isso, já sei o que vou cozinhar para o jantar: “Riz Casimir”, uma versão suíça do prato indiano com frango, frutas fritas e arroz. No meu caso, não terei que mudar os ingredientes para torná-lo vegano.

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Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos

(Übertragung aus dem Italienischen: Christian Raaflaub)

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