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Guerra na Ucrânia ameaça a pesquisa crucial no Ártico

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Perfuração no gelo durante a missão do Mosaico. A maior expedição internacional de pesquisa no Ártico começou no outono de 2019 e durou um ano. Dezenas de pesquisadores de vários países, incluindo a Suíça, participaram. Keystone / Esther Horvath/alfred-wegener-in

A invasão da Ucrânia e as consequentes sanções contra a Rússia estão afetando a pesquisa científica no Ártico. A interrupção das colaborações internacionais, nas quais também participam pesquisadores suíços, compromete o estudo de uma das regiões mais vulneráveis às mudanças climáticas.

No verão passado, Beat Frey embarcou num quebra-gelo russo com aproximadamente 70 cientistas de diferentes países para participar de uma expedição ao Ártico coorganizada pelo Instituto Polar Suíço (Swiss Polar InstituteLink externo). Pela primeira vez, o pesquisador suíço do Instituto Federal Suíço de Pesquisa sobre Floresta, Neve e Paisagem pôde viajar para áreas do Ártico russo inacessíveis de outra forma.

“Fomos para ilhas isoladas e pouco conhecidas. Foi uma viagem extremamente interessante”, diz ele à SWI swissinfo.ch.

Frey e sua equipe coletaram amostras de solo, permafrost, água e ar. “Voltamos à Suíça com muitas informações valiosas”, diz o pesquisador. “As amostras do solo e da vegetação, contudo, permaneceram na Rússia.”

Estas amostras são importantes para estabelecer as propriedades químicas do solo, explica Frey, especialista no estudo de microorganismos no solo e no permafrost. Ele teme, todavia, que a guerra na Ucrânia dificulte o envio das amostras para a Suíça.

“Sem elas, fica difícil interpretar os dados que coletamos”, afirma. As descobertas de sua equipe são essenciais para compreender os efeitos do rápido descongelamento do permafrost ártico, um fenômeno que pode contribuir para o aquecimento global.

Longe do Ártico russo após 13 anos?

Frey não é o único pesquisador que se encontra em dificuldade por causa da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Centenas de colaborações entre instituições científicas russas e ocidentais foram temporariamente suspensas e numerosas expedições de pesquisa foram adiadas indefinidamente, de acordo com a agência de notícias ReutersLink externo.

O Conselho Ártico, uma instituição intergovernamental para a gestão e o desenvolvimento sustentável da região ao norte do círculo polar ártico, suspendeu temporariamente todas as suas atividades. O Conselho é composto pelos oito Estados árticosLink externo e a Rússia havia assumido a presidência para o período de 2021-2023.

Pesquisas suíças no Ártico

Apesar de sua localização no centro do continente europeu, a Suíça tem uma longa tradição de exploração polar e hoje é um dos líderes mundiais em pesquisa polar. Em 1912, o suíço Alfred de Quervain liderou a primeira travessia completa da calota de gelo da Groenlândia.

Os cientistas suíços podem utilizar os conhecimentos adquiridos com o estudo das geleiras, da neve e do permafrost nos Alpes. No Ártico, a pesquisa suíça contribuiu para obter resultados em áreas como a reconstrução das tendências climáticas do passado, a dinâmica do gelo na Groenlândia, as propriedades físicas da neve na Sibéria e a influência da banquisa nas condições climáticas e meteorológicas globais.

O Instituto Polar Suíço, fundado em 2016, tem como objetivo melhorar o conhecimento sobre os polos e fomentar a colaboração internacional. Desde 2017, a Suíça é membro observador do Conselho Ártico.

“Mesmo antes [da guerra], o acesso ao território russo para fins de pesquisa não era fácil. Agora, tornou-se ainda mais complicado”, disse à SWI swissinfo.ch Gabriela Schaepman-Strub, professora de ciências da terra na Universidade de Zurique e diretora científica do Instituto Polar Suíço. Até mesmo a organização de reuniões, workshops e conferências com participação russa é mais difícil agora, acrescenta.

Neste verão, Schaepman-Strub não poderá viajar para o nordeste da Sibéria, onde vem estudando o efeito do aquecimento global na precipitação e na biodiversidade há vários anos. Sua presença ali é essencial para substituir equipamentos danificados e dar continuidade às medições.

“Não poderei fazer nada este ano e isso ameaça prejudicar o trabalho feito até agora”, diz ela.

Os parceiros russos do projeto estão tentando salvar o que podem. No entanto, devido às sanções, não é possível enviar-lhes contribuições financeiras, que são utilizadas, entre outras coisas, para pagar os voos para locais de pesquisa em áreas remotas. “Trabalho na Rússia há 13 anos e não quero perder os poucos locais de medição que temos na Sibéria. Mas estou começando a me perguntar se terei que trabalhar em outro lugar no Ártico”, diz Schaepman-Strub.

Colaboração com a Rússia

A pesquisadora da Universidade de Zurique afirma que há muito tempo existe “uma estreita colaboração [entre o mundo científico russo e internacional] da qual ambas as partes se beneficiam”. A parte russa fornece equipamentos e cuida de toda a infraestrutura para a realização da pesquisa, inclusive dos quebra-gelos. Segundo ela, os russos também contribuem com habilidades e conhecimentos específicos, como, por exemplo, sua grande experiência em perfuração de núcleos de gelo, uma técnica utilizada na paleoclimatologia.

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Para os pesquisadores no Ártico, não há tempo a perder. No extremo norte do planeta, as temperaturas estão subindo quatro vezes mais rápido do que no resto do mundo. Enquanto o rápido degelo está abrindo novas oportunidades para a navegação e a extração de recursos naturais, o derretimento do permafrost pode ter um grande impacto no aquecimento global.

O especialista em permafrost Beat Frey explica que os solos do Ártico são muito antigos e contêm grandes quantidades de carbono. Devido ao aquecimento global, os microorganismos são reativados e começam a metabolizar o carbono. Este processo produz CO2 e metano, gases de efeito estufa.

“Ao estudar o clima, é importante entender a dinâmica destes processos, até porque eles têm um efeito global”, diz ele.

Os cientistas estimam que 1.700 bilhões de toneladas de CO2 estão armazenadas no permafrost árticoLink externo, o dobro da quantidade presente na atmosfera. À medida que o permafrost descongela, este gás pode ser liberado na atmosfera, o que, por sua vez, aceleraria o aquecimento global.

Para Schaepman-Strub, a Rússia é crucial para a pesquisa sobre o permafrost e não faria muito sentido dar continuidade aos estudos em outros lugares do Ártico. “Dois terços do permafrost ártico estão na Rússia”, afirma. “Ali, a camada de permafrost é muito mais extensa e profunda. Além disso, a tundra siberiana é diferente das outras [tundras árticas], e há um clima continental na Rússia que não pode ser comparado ao do Alasca ou do Canadá.”

Futuro das pesquisas em perigo

Por enquanto, Schaepman-Strub está acompanhando a situação para avaliar se é possível seguir em frente. “Ninguém sabe o que vai acontecer: a situação será resolvida em alguns meses ou levará anos?”, pergunta a cientista.

Os memorandos de entendimento que o Instituto Polar Suíço estabeleceu com instituições estrangeiras que fazem pesquisa no Ártico estão prestes a expirar, e não é possível iniciar novas colaborações no momento, afirma a pesquisadora. “Esta situação ameaça desfazer parte do trabalho que foi feito até agora. Serão necessários anos para reabrir os canais institucionais.”

As preocupações de Gabriela Schaepman-Strub também vão além das questões de pesquisa, uma vez que milhares de cientistas russos assinaram uma carta contra a guerraLink externo e, por consequência, enfrentam prisões e multas. “Uma colega me disse que, em seu instituto na Rússia, 10% das pessoas foram embora”, afirma. “Estamos perdendo muita competência e, sobretudo, muitas pessoas que teriam ficado felizes em colaborar internacionalmente.”

Adaptação: Clarice Dominguez

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