Suíça e o sistema eleitoral proporcional
Em 1918, uma época de grande instabilidade política, o povo suíço tomou a decisão de mudar para a representação proporcional.
No ano de 1918, em meio à total instabilidade política, o povo suíço deu uma guinada marcante em direção à representação proporcional. Este ensaio histórico analisa como essa transição foi possível, porque a população acreditava firmemente que as eleições parlamentares sob voto proporcional eram mais justas, e como esse novo sistema impactava o comportamento eleitoral dos cidadãos suíços.
A guerra civil na Suíça terminou em 1847 com a vitória dos cantões protestantes e o estabelecimento da hegemonia política dos liberais. A Suíça contemporânea, que emergiu em 1848 com base em uma nova Constituição, também foi dominada por liberais. Sua política mais dinâmica de desenvolvimento social e econômico, em um novo ambiente único de mercado nacional, impulsionou o país para o grupo dos mais desenvolvidos da Europa. No entanto, houve um lado negativo neste avanço.
Este fator foi a fusão da política e da economia e o surgimento de um “Sistema EscherLink externo” oligárquico. Esse sistema foi responsável por uma fusão ‘mutuamente benéfica’ entre a elite política federal liberal e a nova elite industrial. As pessoas viram o “Sistema Escher” como extremamente injusto. O movimento popular liberal que surgiu nos cantões levou, em 1874, à primeira revisão geral da Constituição de 1848.
Essa revisão concedeu ao povo o direito de submeter a um referendo as leis que já haviam sido aprovadas pelo parlamento. Ao fazê-lo, o oligárquico “Sistema Escher” foi privado de seu fundamento principal, que era a capacidade da elite industrial de exercer influência ilimitada na elaboração de leis no nível federal. A pior das injustiças foi removida. No entanto, a sociedade também se tornou cada vez mais consciente da necessidade de mudar o princípio de formação do parlamento, e acima de tudo, sua câmara baixa – o Conselho Nacional.
Naquela época, o Conselho Nacional (corpo de sete ministros que governa a Suíça) era formado de acordo com a regra da maioria, onde os candidatos eram considerados eleitos se recebessem a maioria dos votos em seus respectivos distritos eleitorais. Esses locais eram os cantões (estados), e esse princípio era especialmente conveniente para as elites cantonais que acumularam recursos materiais e administrativos significativos no período do rápido desenvolvimento econômico das décadas de 1840 a 1880.
Em busca de um sistema mais justo
De acordo com todas as estimativas, o sistema majoritário foi incapaz de cobrir adequadamente o cenário político da época, o que foi confirmado pelos resultados das eleições parlamentares de 1890. A representação proporcional e a injustiça do sistema vigente se tornaram os temas mais importantes nos debates da Suíça no período. Os ataques dos socialistas contra esse funcionamento foram especialmente ferozes. Contudo, o sistema eleitoral não poderia ser tão drasticamente revisado sem amplo consentimento popular.
O referendo de 4 de novembro de 1900 rejeitou essa iniciativa legislativa por maioria de votos. A proposta também foi rejeitada no referendo de 23 de outubro de 1910. Naquele tempo, a maioria dos cantões apoiava a transição para a representação proporcional, porém não havia maioria de votos qualificada. Foi apenas no referendo de 13 de outubro de 1918 que a iniciativa foi aprovada pela maioria de 66,8%. Por que essa mudança?
Reivindicando mudanças
No passado, os protagonistas da representação proporcional faziam um caso contra o projeto, sustentando a moralidade política. Do seu ponto de vista, um sistema proporcional era uma “praga estrangeira” (que poderia dividir o parlamento e eliminar seus partidos tradicionais. Sem uma maioria parlamentar clara, o país seria engolido pela “confusão e anarquia”.
“Representação proporcional significa justiça”– foi a resposta de seus adversários, principalmente do campo católico da esquerda. Como sempre, a guerra mundial mudou as coisas. A neutra Suíça não fazia parte do conflito, mas sua situação social e econômica era terrível. Escassez de alimentos e problemas sociais exacerbados eram típicos no ano em que as pessoas elegiam o novo parlamento.
Como geralmente ocorre em tempos como esses, a demanda popular por mudanças políticas estava presente. Todavia, os resultados das eleições parlamentares de 28 de outubro de 1917 mostraram que os liberais haviam novamente conquistado a maioria absoluta na câmara baixa do parlamento (103 dos 189 assentos). Todas as esperanças de reformas foram frustradas. Assim, o referendo de 13 de outubro de 1918 foi realizado em uma atmosfera de dramática deterioração da situação social e política do país.
A Suíça à beira da revolução
Com os resultados das eleições parlamentares de 1917 sendo absolutamente inaceitáveis para a esquerda, suas tentativas de dominar a situação no país foram intensificadas. As forças de direita, classe média, censuraram a esquerda, primeiro por violarem a paz política alcançada após a eclosão da guerra e, em seguida, por serem agentes da influência dos bolcheviques. O governo suíço, na figura do Conselho Federal, foi chamado a usar as tropas para estabilizar a situação no país.
O conflito entre a direita e a esquerda representava uma ameaça à unidade da nação em uma época de guerra. O governo teve que escolher entre duas opções: iniciar reformas beneficiando a esquerda ou recorrer a represálias. Uma repressão à agitação esquerdista foi a escolha. A autoridade militar do país foi trazida à tona, por meio da intimidação no uso das forças armadas “para reprimir a agitação bolchevique esquerdista”.
A esquerda reagiu ameaçando com uma greve geral, embora os líderes moderados dos socialistas e sindicatos vissem a greve como método de última instância em sua luta. Até que ponto a agitação de esquerda era realmente uma ameaça revolucionária para a Suíça? O uso das tropas teria sido uma medida excessivamente dura? Esta questão ainda está em aberto. Não importa muito de que lado se esteja, já que em um período de guerra e na esteira do golpe bolchevique na Rússia, as tensões estavam em alta no país.
Em 1º de outubro de 1918, os bancários entraram em greve em Zurique, beneficiando-se do apoio dos sindicatos de esquerda. Para as forças direitistas, a greve era mais do que um sinal inquietante de que algumas camadas sociais de classe média poderiam estar do lado da esquerda. Um artigo de um proeminente advogado suíço e teórico legal, Fritz Fleiner (Fritz Fleiner, 1867-1937), publicado no jornal Neue Zürcher Zeitung (NZZ), sintetizava esses medos. O artigo dizia que a greve dos bancários era “um ensaio geral para tornar a Suíça um país bolchevique”.
Salvação na democracia direta?
Tendo este pano de fundo, pouca gente se concentrou no referendo de 13 de outubro de 1918. No entanto, 66,8% dos cidadãos votaram em emendas ao processo de eleições para o Conselho Nacional e na transição para a representação proporcional na maior câmara do parlamento federal. Hoje em dia, esse referendo é visto na linha cronológica como o marco mais significativo na história suíça do século XX. Porém, naquela época a agenda do país era bem diferente.
Em 25 de outubro de 1918, Fritz Fleiner solicitou diretamente ao governo que acabasse com a propaganda de esquerda na Suíça, pelo fato de espiões bolcheviques estarem infiltrados em todo país, sendo um deles o então embaixador da Rússia Soviética, Jan Bersin (1881-1938). Em 31 de outubro de 1918, o cantão de Zurique solicitou oficialmente ao governo que enviasse tropas para lá. O Conselho Federal demorou para responder a demanda porque a desobediência civil deveria chegar ao clímax apenas no dia 10 de novembro, quando a força de esquerda suíça planejava comemorar o primeiro aniversário da revolução russa.
As autoridades militares suíças consideraram essa posição do governo como uma traição. O embaixador francês na Suíça tinha a mesma opinião e enviou uma carta ao governo, criticando a relutância da Suíça em tomar medidas contra a “bolchevização do país”. Sua interferência se tornou um fator determinante para que o Conselho Federal decidisse usar a força militar em 6 de novembro de 1918. Naquela noite, o exército assumiu o controle de Zurique. Simultaneamente, o Conselho Federal rompeu formalmente as relações oficiais com a Rússia Soviética.
Nesse contexto, os sindicatos de Zurique pediram aos líderes da esquerda, que viabilizaram o Comitê de Ação de Olten, que organizassem imediatamente uma greve geral. O Comitê respondeu espalhando a greve para 19 cidades e vilas, com seu epicentro em Zurique. Na manhã de domingo, 10 de novembro, houve confrontos entre os que comemoravam o aniversário da revolução russa e as tropas. Tiros foram disparados, com um soldado morto e três manifestantes feridos. O que o Comitê de Olten deveria fazer?
Deveria deixar que a violência seguisse para uma revolta armada? Assim sendo, a esquerda seria culpada por se alinhar a Moscou. Não deveria fazer nada? Isso seria uma traição aos que entraram em greve. Um dos líderes do Comitê, o proeminente socialista Robert Grimm (1881-1958), encontrou uma solução. Ele elaborou uma lista de demandas cabíveis para o governo, literalmente com aquilo que fosse útil. Na lista estavam incluídos o sufrágio feminino, na forma como foi colocado em prática na Rússia e as eleições para o Conselho Nacional por representação proporcional. E havia ainda mais uma razão para isso, no fato das pessoas já terem se posicionado de acordo com o recente referendo.
Decisão histórica
Para confirmar que essa situação deveria ser levada a sério, o Comitê de Ação de Olten decretou uma greve geral em 11 de novembro de 1918. Em 12 de novembro, Berna presenciou uma extraordinária sessão parlamentar, da qual também participou Robert Grimm. Felix Calonder (1863-1952), o presidente federal da Suíça, prometeu em seu discurso considerar os interesses dos social-democratas e dar-lhes maior responsabilidade no governo. Após sua fala, Robert Grimm fez seu próprio discurso, mas para aqueles que se reuniram na praça em frente ao Palácio Federal.
Mais uma vez, ele expôs uma longa lista de exigências, deixando claro que os socialistas estavam dispostos a atingir seus objetivos por métodos legítimos e que se viam preparados para apoiar as reformas a que Félix Calonder se referira anteriormente. Contudo, a proposta de representação proporcional foi rejeitada pela maioria parlamentar de classe média, com 120 votos contra 14. O governo teve que desistir das negociações com o Comitê de Olten, e no mesmo dia 12 de novembro, expulsou deliberadamente toda a Embaixada Soviética junto com J. Bersin. Naquele tempo, todo o país estava sob controle militar. Na noite entre 13 e 14 de novembro de 1918, o Comitê de Olten resolveu cancelar a greve.
Anulada a manifestação, tornou-se possível reeleger o Conselho Nacional com base nos princípios da representação proporcional. A eleição foi realizada um ano depois, em 26 de outubro de 1919. Os liberais (FDP) perderam quase metade de seus assentos de uma só vez (60 contra 103 assentos no passado), e os vencedores foram os socialistas (SP, 41 contra 20 assentos anteriormente) e o Partido dos Camponeses, Artesãos e Burgueses (hoje, o Partido do Povo Suíço – SVP, 29 assentos contra 4 assentos no passado, fora do total de 189 mandatos). Assim, as forças de esquerda conseguiram aumentar significativamente sua influência política, o que permitiu que, em 1943, seu representante Ernst Nobs (1886 – 1957) fosse incluído no gabinete do país pela primeira vez na história da Suíça.
Sistemas de votos proporcionais e majoritários
Representação proporcional: um tipo de sistema eleitoral aplicado em eleições para órgãos representativos.
Eleições sob representação proporcional implicam que os mandatos dos deputados sejam distribuídos entre as listas de candidatos em proporção aos votos dados aos diferentes partidos.
O sistema eleitoral majoritário é um sistema de eleições para um órgão colegiado (parlamento) onde os candidatos que receberam a maioria dos votos da população são considerados eleitos.
Adaptação: Renata Bitar
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