Jovem pesquisadora examina a fundo a origem da vida
Cara Magnabosco queria ser uma jogadora de futebol profissional. Então sua curiosidade venceu e ela decidiu-se pela pesquisa científica. Agora a professora da ETH está à procura das origens da vida – bem abaixo da superfície da Terra.
Qualquer pessoa que desça o Nufenenpass, no cantão de Valais, para o cantão suíço de Ticino, no Sul, passa inevitavelmente por ele. Mas quase ninguém repara na entrada da montanha. Chama-se “Finestra di BedrettoLink externo“, em português, “Janela de Bedretto”.
O túnel foi originalmente escavado na rocha como um acesso ao túnel de base de Furka, com 15,38 km de extensão. Entre outras coisas, o túnel de base também permite o transporte de automóveis de leste a oeste. Hoje, Cara MagnaboscoLink externo quer pesquisar acerca das origens da vida no universo lá a 1500 metros abaixo da superfície da Terra. Literalmente.
Para isso, ela viaja para o cantão do Ticino cerca de dois em dois meses. A geobióloga de 33 anos parece uma trabalhadora rodoviária: macacão laranja com listras reflexivas, capacete de segurança, equipamento autônomo de respiração – uma máscara com seu próprio suprimento de oxigénio, cuja alça de ombro é pesada.
Uma vez que Magnabosco percorreu dois quilômetros na horizontal rumo à montanha e chegou ao “BedrettoLab”, um laboratório subterrâneo da Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH), ela poderia evacuar-se do túnel em caso de emergência graças a este dispositivo.
É úmido e fresco no túnel. Não está rebocado. A rocha escura forma o teto e as paredes no meio do maciço de São Gotardo; o chão é irregular. Uma boa ventilação impede o cheiro a mofo que se poderia esperar aqui. Nesta segunda-feira de maio, está sossegado no túnel, apenas faíscas muito mais atrás estão voando – uma equipe trabalha com solda. Deveria haver vida aqui embaixo? Tudo o que vemos é água e pedra.
Amostras das profundezas da Terra
Um quilômetro e meio sob o maciço de São Gotardo, Magnabosco examina a evidência mais antiga de formas de vida em nosso planeta. Para fazer isso, ela não só desce às profundezas mais profundas da Terra, mas muitas vezes senta-se por horas em espaços de microscopia escuras ou prepara amostras no laboratório.
Por agora, no entanto, ela está no túnel, atarraxando uma torneira que foi instalada em um determinado ponto porque existe um veio de água – é a água que se infiltra na rocha há dezenas de milhares de anos. Ela vaza a água para colher amostras. Em seguida, esgaravata mais um pouco a rocha úmida com um tubo de plástico a fim de recolher micróbios.
“Pode haver milhares de microrganismos nesta amostra que nunca viram a luz do dia”, diz ela. “É um ambiente fascinante”, porque aqui estas formas de vida dos tempos pré-históricos da Terra estão protegidas de todos os processos de superfície. É precisamente isso que as torna interessante para a busca das origens da vida no universo.
Água e pedra – é tudo o que é preciso
Dois meses antes, encontrei-me com Magnabosco pela primeira vez em sua sala no Departamento de Ciências da Terra da ETH. Ela tirou com cuidado de uma caixa de papelão ricamente decorada uma pedra de cor ocre das montanhas de Omã, que recebeu como prêmio para jovens pesquisadores em ascensão: “Se eu colocar isso na água, teríamos os ingredientes mais importantes para a vida: água e pedra”.
Mas quando exatamente começa a vida? Os pesquisadores discordam sobre isso. A vida é uma questão de definição, e a resposta depende de quem se pergunta: biólogos, químicos, filósofos.
Como professora assistente de geobiologia, Magnabosco investiga a fronteira entre a matéria viva e a matéria morta. “Queremos compreender onde a vida pode e não pode mais surgir”, disse ela durante uma visita ao laboratório de dois andares acima de sua sala. Ali ela e seus alunos examinam as amostras de água que coletaram no “BedrettoLab”.
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A pesquisadora brilhante que não vê a própria genialidade
DNA deu chute inicial
O caminho para a ciência não era a única carreira profissional possível para a filha de uma tailandesa e de um americano. Ela cresceu com uma irmã mais velha nos EUA, no estado de Indiana. A mãe é oftalmologista, e o pai trabalha no setor financeiro. Quando criança, Magnabosco queria ser jogadora de futebol profissional.
Em seu último ano no ensino médio, ela fez um curso de biotecnologia – e se apaixonou pelo sequenciamento do DNA. “Pegamos o DNA de nossas bochechas e aprendemos a sequenciá-lo e analisá-lo. Isso foi muito legal”. Mais tarde, ela usaria esse método de análise uma e outra vez em seus estudos e pesquisas de biologia.
No curso, os estudantes teriam também lido o livro “Zona Quente: Vírus Mortais da Floresta Tropical” de Richard Preston. Nele, o autor best-seller descreve como os pesquisadores conseguiram rastrear a origem do vírus Ebola e decompô-lo após os primeiros surtos na África. Esta mistura de aventura e ciência agradou muito à jovem Magnabosco. O fascínio por isso permaneceu.
Na equipe de um novo centro de pesquisa
Magnabosco fala dos seus vários trabalhos de pesquisa no arquipélago norueguês de Spitsbergen, no Death Vale e nas fontes termais portuguesas.
Como estudante de doutorado em Princeton (2011 a 2016), uma das universidades mais prestigiadas e ricas do mundo, ela esteve, entre outros, no fundo das minas de ouro na África do Sul, onde enormes elevadores descem às profundezas em grande velocidade. “Ch-ch-ch-ch”, imita, a fim de ilustrar a alta velocidade. No mesmo elevador, um caminhão gigantesco era às vezes transportado para baixo.
Em 2019, Magnabosco candidatou-se finalmente a uma vaga de professor assistente (“Tenure Track”) em geobiologia na ETH. Sua área de pesquisa se encaixa perfeitamente no novo Centro para a Origem e Prevalência da Vida (Center for the Origin and Prevalence of Life), cuja inauguração está prevista para setembro na ETHLink externo (ver box).
Centro para a Origem e Prevalência da Vida
O novo Centro para a Origem e Prevalência da Vida (Centre for the Origin and Prevalence of Life) será inaugurado em 2 de setembro de 2022 na ETH de Zurique, como parte do Latsis-Simpósio 2022Link externo.
Deverá tornar-se o primeiro centro interdisciplinar e interuniversitário de pesquisa sobre a vida na Europa. A Universidade de Cambridge, na Inglaterra, também se fará participar.
O Centro será dirigido pelo astrônomo e ganhador do prêmio Nobel Didier Queloz. Em 1995, juntamente com seu compatriota Michel Mayor, o suíço descobriu o primeiro planeta a orbitar uma estrela parecida com o Sol. Os planetas semelhantes à Terra são chamados exoplanetas. Queloz continuará também com suas pesquisas na Universidade de Cambridge.
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As mulheres que estão transformando a ciência na Suíça
Magnabosco irá trabalhar com o vencedor do Prêmio Nobel, Didier Queloz, entre outros, que dirigirá o Centro de Pesquisa em dois locais em Zurique e arredores.
Está previsto como um centro multidisciplinar envolvendo diversos campos da ciência, tais como química, biologia, geociências, astrofísica e outras disciplinas interessadas.
Especificamente, Magnabosco procura os micróbios que estão no início do surgimento da vida – cerca de dois bilhões de anos atrás. “É uma espécie de trabalho de detetive”, responde ela quando lhe perguntam como eles evoluíram e se influenciaram mutuamente ao longo dos quatro bilhões e meio de anos de história da Terra.
Subterrâneo protegido
Por que Magnabosco procura as origens da vida no subsolo da Terra e não na superfície de outros planetas onde o sol também brilha? Para discutir esta questão, subimos ao telhado do Departamento de Ciências da Terra em Zurique para lançar um olhar ao céu.
“Pelo menos no nosso sistema solar, sabemos que grande parte da superfície dos planetas é inabitável”, diz ela. No subsolo, porém, as formas de vida estão bem protegidas da instabilidade que pode reinar sobre a superfície de um planeta.
Para Magnabosco, é muito provável que a vida exista em outros lugares que não apenas na Terra. “Os ingredientes básicos para o que pensamos ser vida – água e pedra – parecem estar possivelmente presentes também em outros planetas”, afirma. Ela tem, portanto, grandes esperanças no telescópio James Webb, que foi recentemente lançado ao espaço. Sua missão? Encontrar exoplanetas sobre os quais a vida poderia ocorrer.
Mas temos de dizer adeus à ideia de um ser complexo como um ET ou um Alienígena. Em outros planetas, é mais provável que encontremos vida que tenha mais em comum com os microrganismos, salienta Magnabosco. E já sabemos da Terra que vivem mais microrganismos no subsolo do que à superfície ou nos oceanos.
Enquanto isso, chegamos ao laboratório subterrâneo no túnel do Vale de Bedretto. Não é uma sala, mas apenas uma parte ligeiramente mais larga do túnel. Na extremidade há algumas mesas com aparelhos de medição e computadores, e em um poço maior desaparecem alguns canos da espessura de um punho.
Magnabosco verifica algumas configurações em uma tela. Com efeito, quase todos os dados necessários para a pesquisa também podem ser lidos a partir de Zurique. “Mas não podemos abrir ou fechar os poços ou recolher amostras deles”, explica. É por isso que a pesquisadora viaja para o Ticino a cada dois meses.
Como que é a vida?
Na busca pela vida no espaço e na Terra, é preciso atropelar as ideias sobre as formas de vida. Difícil imaginar um ser capaz de viver em água fervente. Mas, na realidade, existem micróbios que podem sobreviver e se reproduzir mesmo em temperaturas ainda mais altas.
Em 1966, o microbiologista Thomas BrockLink externo encontrou uma bactéria resistente ao calor em uma fonte termal no Parque Nacional de Yellowstone, nos EUA, que pode viver acima do ponto de ebulição da água (devemos a Brock o teste de PCR, que pode detectar uma infecção por Sars-Cov-2).
Magnabosco já era fascinada por Brock durante seus anos de estudante. O pesquisador, que morreu no ano passado aos 94 anos, foi para ela um grande modelo a seguir. Especialmente porque ele também falava e trocava ideias com pessoas que haviam feito pesquisas longe de seu campo de estudo.
São também esses métodos de trabalho interdisciplinares que distinguem a pesquisa de Magnabosco. O astrofísico germano-suíço Sascha Quanz, um dos fundadores do Centro para a Origem e Provalência da Vida, sente-se muito feliz por poder trabalhar com uma pesquisadora interdisciplinar, diz ele. Magnabosco e seu grupo de pesquisa recorrem a vários instrumentos que ainda são incomuns nas ciências que estudam a Terra, por exemplo, o sequenciamento do DNA.
Sob o microscópio
Após o sequenciamento em uma máquina especial no laboratório em Zurique, Magnabosco segura um frasco de plástico com uma amostra de água. Um mililitro de água captada no “BedrettoLab” pode conter centenas a dezenas de milhares de células microbianas.
Magnabosco liga uma bomba e as células ficam então presas em um filtro. Assim que o filtro está seco, ela adiciona um corante fluorescente que se liga ao DNA e o torna visível sob iluminação adequada.
A jornada dos micróbios termina na sala escura, na placa de vidro de um microscópio. Pequenos pontos verdes podem ser vistos na tela. São bactérias e vírus. “Contar pontos é uma tarefa bastante simples, mas dela obtemos informações muito importantes”, diz Magnabosco enquanto foca o microscópio.
Por exemplo, esses pontos podem ser utilizados para descobrir como a atividade biológica na Terra mudou ao longo de bilhões de anos – e, portanto, sua atmosfera. Há micróbios que podem dobrar de tamanho a cada 20 minutos. E há aqueles que precisam de mil ou mesmo dez mil anos para isso. Dessa forma, os pesquisadores podem modelar como a vida terrestre poderia ter-se desenvolvido ao longo do tempo.
Evolução por meio de erros
O DNA são os blocos de construção que podem programar informações em um genoma; tais blocos de construção também são capazes de se copiar para criar mais de sua espécie.
Mas com essa duplicação, os erros também podem introduzir-se furtivamente. E esse é o cerne da questão para Magnabosco. Porque só esses erros no processo de cópia permitem a evolução de um organismo. E apenas aquelas mutações que podem resistir às circunstâncias mais adversas acabariam por prevalecer.
Um ponto importante para o pesquisador é a reação que ocorre entre os seres vivos e um planeta, assim que este é animado. A ciência chama isso de coevolução. “Se olharmos para a história da Terra, vemos que a evolução do planeta é muito diferente da de seus vizinhos. E isso se deve a esses ciclos de retroalimentação entre os seres vivos e a Terra”, diz Magnabosco.
Ela cita o oxigênio como exemplo dessa reação. Na primeira metade da história da Terra, o teor de oxigênio estava abaixo do limite de detecção, portanto, praticamente inexistente. Registros de rochas comprovam isso.Link externo Somente a fotossíntese possibilitou que a Terra formasse uma atmosfera. E graças a isso, surgiram formas de vida mais complexas.
Por um momento, ficamos um pouco sem fôlego no túnel, porque tínhamos de nos apressar para alcançar o ônibus da Postauto. O próximo só partiria três horas mais tarde. Na barraca em frente ao túnel, Magnabosco enfia o macacão na caixa de plástico para roupa suja e a tranca. Enquanto esperamos pelo ônibus, começa a chover. Água sobre pedra.
Adaptação: Karleno Bocarro
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