Juventude de Appenzell se apega às tradições
A reputação de conservadora e amante da liberdade é a marca registrada da população de Appenzel, uma região rural e montanhosa na Suíça, onde tradições milenárias sobrevivem. A mais famosa delas é a "Landsgemeinde".
swissinfo encontra um grupo de jovens durante essa tradicional assembléia popular ao ar livre e mostra porque seus cidadãos e eleitores são tão orgulhosos da sua cultura.
Para muitos habitantes, as tradicionais “Landsgemeinde” de domingo eram o ponto alto da vida política e social no cantão de Appenzell, uma das poucas regiões que preservam e ainda vivem as mais antigas tradições do país dos Alpes.
A assembléia popular ao ar livre, que normalmente une centenas e centenas de eleitores, não serve apenas para tomar decisões de importância local, mas sim como uma forma de aproximar amigos.
Os jovens sentados em volta à mesa num velho restaurante da pequena cidade de Appenzell têm apenas entre 18 e 20 anos, mas de forma nenhuma eles imaginam abandonar a instituição de mais de 600 anos que representa a Landsgemeinde.
Todos, sem exceção, se prepararam com afinco para o grande evento do cantão. Importante era ler a agenda da assembléia e também tirar o pó das roupas tradicionais guardadas no armário.
“Eu visto o meu melhor traje e, como a maior parte de nós, também carrego uma espada. Normalmente ela é a prova tradicional de um cidadão masculino capaz de exercer seus direitos políticos”, explica Matthias Eugster.
Mulheres também podem ser vistas no local. Para Madeleine Walzthöny, uma estudante de 18 anos, a Landesgemeinde é uma ocasião especial. Ela comprou uma saia, apesar de não ter o costume de utilizar uma. Não existe um código estrito de vestimenta para a participação na Landesgemeinde, mas a maior parte dos jovens parece gostar da atmosfera festiva e formal do evento.
Genuíno
A mesa parece estar de acordo no apreço ao valor das tradições. Os jovens gostam realmente do seu dialeto, que soa especial até nos ouvidos dos suíços de outros cantões. Eles se orgulham de viver numa região tão bonita, marcadas por montanhas escarpadas e casas de madeira construída na arquitetura tradicional. E finalmente, eles também amam a música local, uma das mais ricas do país.
Mas Simona Koller, estudante, afirma que é importante ir além do cenário idílico que marca o cantão. “Eu gosto das pessoas que mantém nossas tradições e preservam nossa mentalidade especial, mas vejo também que elas estão sendo cada vez mais exploradas comercialmente. Esse é um grande risco para algo que sempre foi muito genuíno”, declara.
Seu comentário encontra uma certa oposição por parte de Aline Heim, que trabalha na secretaria local de turismo, e Matthias Fässler, um jovem rapaz com um boné de baseball na cabeça e um piercing no nariz. Ele adiciona mais um comentário à conversa: – “Tradições não podem me impedir de viver do jeito que eu quero”.
Sua namorada, Natascha Guarino, considera muito “positivo” o respeito às tradições. A filha de imigrantes italiano afirma que nunca teve problemas em combinar a mentalidade dos seus pais com a que aprendeu em Appenzell. “Afinal, as duas mentalidades são igualmente conservadoras”, brinca.
Normas estritas
Mas Simona volta a participar da conversa lembrando que existem também os pontos negativos da vida em uma sociedade pequena e rural. “A variedade de opiniões é muito limitada aqui e as normas estritas impostas pela Igreja católica podem ser intimidadoras”.
Ela revela que fica realmente muito chateada quando escuta pessoas – a maior parte as gerações mais velhas – fazendo abertamente comentários racistas.
Outros em torno da mesa tentam relativizar a opinião, afirmando que esse tipo de comentário não precisa ser levado à sério. Eles dizem que a população da próxima cidade, St. Gallen, e de outras regiões são xenofóbicos contra o povo de Appenzell.
Matthias Eugster, que freqüenta um curso de formação para trabalhar em escritórios, concorda de uma certa forma com a opinião de Simona. Ele também diz que se envergonha pelo fato de Appenzell Innerrhodes ter sido o último cantão a permitir às mulheres o direito de voto. Por outro lado, ele lembra que sua região também tem aspectos positivos. O mais marcante deles seria a simpatia das pessoas.
O debate sobre o direito de voto para os estrangeiros nas Landsgemeinde não é uma questão aberta. Os jovens à mesa são unânimes em dizer que “não deve existir o direito de voto sem o passaporte suíço”.
Rituais
Natascha, que recentemente adquiriu a nacionalidade suíça, não faz exceções. “Em uma pequena comunidade, os habitantes esperam que os estrangeiros que lá queiram residir adotem a sua mentalidade”, afirma.
“A atitude hostil ou cética em relação aos estrangeiros ou influências modernas nunca foi um problema sério para mim”, acrescenta a jovem.
Natascha, Madeleine, e Reto Fässler, também com 18 anos, aprendiz de açougueiro, são todos noviços na Landsgemeinde.
Eles esperavam ansiosamente pelo dia: o momento das pessoas entrarem na grande praça pública – conhecida também como o “círculo” – e a lenta procissão das autoridades locais, as bandas amadoras e a realização das votações. Eles também esperavam com alegria para as festas que são costumeiramente organizadas para acompanhar o evento.
Os jovens cidadãos interpelados por swissinfo dizem que querem ser capazes de participar dos debates políticos. Reto afirma que “isso é parte do amadurecimento, mas não o mais importante passo da vida”.
“Um verdadeiro homem é alguém que completou seu serviço militar no exército suíço”, diz, acompanhado logo depois pelas risadas dos amigos no restaurante.
swissinfo, Urs Geiser, Appenzell
Appenzell Innerrhodes tem a menor população dos 26 cantões suíços. Ele é uma região rural localizada no nordeste da Suíça, com uma área de apenas 172,5 quilômetros quadrados.
A maior parte da população (15.400 pessoas) é católica.
Da totalidade, 10.500 cidadãos têm o direito de participar das “Landsgemeinde”. O direito de voto para as mulheres só foi adotado em 1991, a partir de intervenção do governo federal.
A tradição obriga que pelo menos 30% dos eleitores participem da “Landsgemeinde”.
A tradição existe há 650 anos. Normalmente as votações ocorrem no último domingo de maio. A assembléia ao ar livre aprova leis e elege os sete membros do governo, o senador que representa o cantão em nível federal, assim como os juízes.
As “Landsgemeinde” são assembléias populares ao ar livre, onde os eleitores votam diferentes questões. Ela é a importante forma de tomar decisões políticas no cantão.
Acredita-se que sua origem já data 1.500 anos. Normalmente esse tipo de reunião popular ocorria primariamente nas regiões alpinas – onde hoje está localizada a Suíça, o norte da Itália e a Áustria. Ela também seria realizada nos Pirineus, na parte central e norte da França e no norte da Alemanha.
Apenas as assembléias populares da Suíça sobreviveram após a Idade Média.
Dos oito cantões suíços nos quais a “Landsgemeinde” existem teoricamente, apenas Glarus e Appenzell Innerrhodes mantém viva a tradição. Os outros abandonaram a prática nos últimos 150 anos.
85% das mais de 2.700 comunas (municípios) das Suíça têm regularmente assembléias realizadas em espaços fechados, nas quais os eleitores votam diferentes questões de interesse local.
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