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Neutralidade da rede aprofunda abismo entre Europa e EUA

Manifestantes protestam em frente à sede da Comissão Federal de Comunicações em Washington, DC
Manifestantes protestam contra o fim das leis de neutralidade da rede em frente à sede da Comissão Federal de Comunicações em Washington no começo de dezembro. Keystone

Quais são as consequências para a Suíça e a Europa da decisão dos EUA de revogar as regras de neutralidade da internet? Isso poderá sufocar a inovação on-line, diz um pesquisador americano que trabalha em Zurique em questões de acesso à internet. Mas paradoxalmente, muitas leis destinadas a garantir uma internet neutra podem ter o mesmo efeito.

A decisão “cria um mundo em que você deve ter pelo menos essa altura para jogar “, disse Brian Trammell, da Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos, em dezembro passado, ao revogar os regulamentos que impedem os provedores de serviços de Internet de cobrarem aos provedores de conteúdo dinheiro para um melhor acesso a suas redes.


Neutralidade da rede: o princípio de que os provedores de serviços de Internet devem permitir o acesso a todos os conteúdos e aplicativos independentemente da fonte e sem favorecer ou bloquear determinados produtos ou sites.

Uma vez que a internet dos EUA não precisa mais ser “neutra” – ou um universo igualitário para todos os que a usam e acessam – Trammell prevê que grandes empresas como Google e Facebook poderão ser forçados a pagar provedores de internet para que seu conteúdo seja baixado mais rápido, enquanto que projetos web menores e outras inovações irão comer poeira.

Trammell trabalha especificamente na chamada “evolução do protocolo de transporte” da internet, que se refere à forma como o tráfego da internet passa de um ponto A a um ponto B e quem pode vê-lo. Ele e suas equipes de pesquisa, coordenadas de Zurique mas espalhadas por toda a Europa, estão trabalhando em um novo tipo de protocolo de transporte chamado “QUIC” que melhor criptografa o tráfego de internet no seu caminho de origem até o destino, oferecendo aos usuários maior velocidade de navegação e privacidade on-line .

retrato de Brian Trammell
O trabalho de Brian Trammell no Instituto Federal de Tecnologia ETH Zurich é focado em arquitetura e medições da internet, assim como na evolução dos protocolos da rede. courtesy Brian Trammell

O projeto de Trammell é um exemplo de uma inovação que não seria possível sem uma internet neutra e que possa enfrentar os desafios lançados pelo fim da neutralidade da rede.

Isso porque os provedores de serviços de internet dos EUA – como Comcast ou Verizon – agora estão livres para configurar ferramentas especiais de monitoramento on-line para saber quem usa os serviços e cobrar dinheiro pelo acesso a eles. Essas ferramentas, explica Trammell, podem acabar interferindo ou bloqueando certas aplicações, como o “QUIC”, que deverá gerar uma quantidade significativa de tráfego na internet nos próximos três ou quatro anos. 

A solução então é mais leis?

Para Trammell, a decisão de neutralidade da rede é apenas o último exemplo de uma “divisão transatlântica” mais profunda entre os mercados e práticas da internet dos EUA e da Europa.

“A idéia de que o seu provedor de serviços de internet possa mantê-lo refém porque ele quer mais dinheiro não é algo que encontra muita simpatia na Europa, em todos os seus círculos políticos”, diz ele.

E, em seguida, há o simples fato de que o mercado suíço, assim como vários na na Europa, têm muito mais concorrência entre os provedores de serviços de internet, em vez dos pseudo-monopólios que muitos provedores dos EUA desfrutam em grandes partes do país. Isso torna mais difícil para um único provedor começar a cobrar pelo acesso a certos tipos de conteúdo sem que seus clientes corram para a concorrência.

Mas há vários anos, em 2013, uma lei relacionada à neutralidade da rede ganhou força nos círculos políticos suíços – embora pelo motivo oposto ao dos EUA. À medida que a Suíça desenvolvia uma nova versão de sua lei de telecomunicações, o deputado socialista Balthasar Glättli apresentou uma moção que visava proibir qualquer ação de provedores de serviços de internet que violem a idéia de uma internet neutra.

Na época, Trammell fazia parte de um painel de discussão sobre a proposta, que, em última análise, não chegou à lei de telecomunicações. Ele acha que isso foi bom.

“Muitas das técnicas que um provedor de serviços de internet usaria para violar voluntariamente a neutralidade da rede são indistinguíveis das técnicas que você usaria para realmente administrar a rede [e melhorá-la para os clientes]”, explica.

“O limite da matéria se resume à intenção do negócio, que é muito difícil de monitorar”.

“A idéia de que o seu provedor de serviços de internet possa mantê-lo refém porque ele quer mais dinheiro não é algo que encontra muita simpatia na Europa, em todos os seus círculos políticos”

Diretrizes simples, olhos aguçados 

O parlamento suíço está prestes a negociar outra versão da sua lei de telecomunicações, que será debatida no parlamento em 2018. Provavelmente incluirá uma seção sobre a neutralidade da rede, mas Matthias Hürlimann, chefe da unidade de lei de telecomunicações do Departamento Federal de Comunicações, diz que “as opiniões variam amplamente” sobre como o texto deve ser escrito.

Alguns legisladores, segundo ele, acreditam que a lei deva conter regras claras que proíbam as violações da neutralidade da rede por provedores de serviços de internet, conforme as linhas pregadas por Glättli. Mas outros acham que a discriminação de fontes on-line deve ser permitida, desde que seja totalmente transparente para os clientes.

Em 2013, Carsten Schloter, então chefe do maior provedor de telecomunicações da Suíça, Swisscom, pronunciou-se a favor da segunda opção. Durante o mesmo painel de discussão que Trammell fazia parte, ele declarou seu apoio para permitir que os provedores de internet façam o que quiserem em relação à neutralidade da rede, mas exigindo que eles sejam bastante abertos sobre isso.

Trammell concordou em grande parte com essa abordagem na hora, mas agora passou a acreditar que descrever ao cliente médio o que está acontecendo nos bastidores com sua conexão com a internet, de uma maneira que lhes permita tomar decisões informadas, “pode ​​ser incrivelmente difícil”.

Em vez disso, Trammell defende uma abordagem menos pesada da regulamentação, com regras simples e um grupo de especialistas encarregados de analisar se os provedores de serviços de internet estão jogando limpo. Ele cita as diretrizes de neutralidade BEREC da União Européia, introduzidas em agosto de 2016, como um bom exemplo. A Suíça, que não é membro da UE, participou das discussões sobre essas diretrizes, mas não está obrigada a segui-las.

A BEREC, diz Trammell, não é diferente das diretrizes que os Estados Unidos tinham – até a decisão da FCC no fim do ano.

“Agora, isso tudo foi derrubado, bem como uma quantidade razoável de regras que foram discutidas e trabalhadas desde a administração de George W. Bush”.


O Fórum de Governança da Internet 

De 18 a 21 de dezembro de 2017, cerca de 3.000 pessoas se reuniram em Genebra para o Fórum de Governança da Internet, uma reunião anual sobre como os países devem estabelecer regras que regem o uso do espaço online. Genebra está hospedando o evento pela primeira vez.

Em suas declarações de abertura no Fórum, a presidente suiça Doris Leuthard instou os delegados a trabalhar para um “futuro digital mais justo e estável” e pediu uma atmosfera de “liberdade, diálogo e consenso” nas palestras.

Adaptação: Eduardo Simantob

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