Mercenários: uma tradição suíça
Durante quinhentos anos mercenários suíços foram à guerra por governantes estrangeiros em troca de remuneração.
Graças a esse “produto” de exportação a Suíça foi poupada em sua história, como explica o historiador Jost Auf der Maur, autor do livro “Mercenários pela Europa”.
O primeiro material de guerra para exportação do país dos Alpes era de carne e sangue: eram seus próprios filhos, que saiam para outras terras servir imperadores estrangeiros em suas batalhas através da Europa.
Para utilizar uma expressão moderna, os serviços de mercenário eram uma situação “win-win”, ou seja, onde todos ganhavam, como explica o historiador suíço Jost Auf der Maur em seu mais recente livro. Potentados estrangeiros asseguravam seu poder graças a essa mão-de-obra especializada. Esta retornava à Suíça com bastante dinheiro e ainda assegurava outra benesse: a região que compreendia a Suíça no passado foi poupada das batalhas para que não necessitasse ela própria de soldados. Um conflito interno teria minado esse “produto” de exportação.
swissinfo.ch: O senhor mesmo é originário de uma família do cantão de Schwyz que, graças à intermediação de mercenário para potentados estrangeiros, ganhou muito dinheiro e poder. Existe um orgulho pelos antepassados?
Jost Auf der Maur: Não, pois eles faziam um negócio sujo.
swissinfo.ch: Foi a própria história da família que levou o senhor a escrever esse livro?
J.A.d.M.: Eu quero destacar em um capítulo que o mercenarismo teve muito mais importância do que é ensinado nas escolas. Durante meio milênio mercenários suíços colaboraram em conflitos conduzidos por governantes estrangeiros. Isso ocorre em completa oposição à tradição humanitária da Suíça, hoje tão comumente invocada, mas que existe na verdade há relativamente pouco tempo.
swissinfo.ch: O senhor descreve que muitos homens se ofereciam como mercenários mais pela paixão por aventuras. Não teria sido a penúria econômica o argumento mais importante?
J.A.d.M.: Na época existiam várias razões para abandonar a pátria, dentre elas também a fome. Mas na realidade havia outras necessidades como a sede pelo butim e por aventuras. Um mercenário podia ganhar dinheiro vivo, o que na época era algo muito raro. O interesse era tanto por esse trabalho, que por vezes chegou até mesmo a faltar mão-de-obra na agricultura.
swissinfo.ch: Os mercenários retornavam, se conseguissem, muitas vezes como inválidos, traumatizados ou alcóolatras. Isso não provocava também problemas sociais para as famílias?
J.A.d.M.: Um motivo de escrever o livro é iluminar alguns aspectos pouco esclarecidos como as consequências políticas, sociais, culturais e científicas, pois o contexto militar do mercenarismo é bastante conhecido. Mas seguramente o estado de saúde daqueles que retornavam era seguramente um problema.
swissinfo.ch: A intermediação de mercenários estava na mão de poucas famílias, que na verdade eram empresas militares e de guerra. Elas chegavam a ter lucros de até 18%. Como era esse negócio realmente?
J.A.d.M.: Essas famílias de intermediadores eram formadas geralmente por antigos suboficiais, muitas vezes também gastrônomos. Elas necessitavam de uma licença, que era dada pelos cantões. Os intermediários faziam os contratos com os mercenários, lhes pagavam um dinheiro de mão e informavam sobre as futuras funções e obrigações.
Faltava mão-de-obra nas tropas de mercenários suíços e para arregimentar pessoal muitas vezes eram utilizados métodos pouco lícitos. Jovens homens, por exemplo, eram conquistados através de vinho barato oferecido por gastrônomos. Muitas vezes colocava-se dinheiro nos seus bolsos e depois diziam que eles teriam assinado antes um contrato.
swissinfo.ch: Haviam empresas militares dirigidas pelas esposas, enquanto seus maridos chefiavam regimentos de suíços nas casas reais europeias. Esses eram casos excepcionais?
J.A.d.M.: Também nesse caso as pesquisas ainda estão no seu estágio inicial. Uma das novidades que conto no meu livro é o papel das mulheres em determinadas empresas militares familiares. Elas tinham obrigações complexas de administração ao chefiar esses escritórios de intermediação. Dentre suas tarefas incluíam-se também a organização do trabalho de engajamento, abrigar aqueles que assinaram os contratos e planejar a viagem até o local de trabalho. A flutuação era relativamente elevada. Os efetivos das tropas nas casas reais eram controlados mensalmente e precisavam ser sempre completados. A tarefa das mulheres era também de vigiar a construção das residências que os chefes de tropas faziam construir na sua pátria.
swissinfo.ch: Seria possível definir a forma de negócios na antiga Confederação Helvética através da seguinte fórmula: “Filhos vendidos e felicidade comprada para o país”? Talvez o juramento do Rütli não seja o verdadeiro fundamento da Suíça, mas sim o sangue dos seus próprios filhos?
J.A.d.M.: Dizer isso talvez seja pouco diferenciado. Mas a felicidade da Suíça é um dos mais interessantes aspectos da história do mercenarismo. De forma nenhuma é verdade que a Confederação Helvética conseguiu conquistar sua independência somente através dessas lutas por liberdade. O país agradece a sua relativa tranquilidade apenas ao exportar o seu melhor produto: os mercenários. Por isso podemos dizer que a felicidade suíça é um predecessor da atual neutralidade.
swissinfo.ch: Um dos lucros do mercenarismo é avaliado pelo senhor no ponto em que os mercenários, ao retornarem às suas terras, traziam novas ideias e conhecimentos para uma Suíça que era relativamente atrasada. O futuro Estado moderno beneficiou-se disso?
J.A.d.M.: Oficiais como Henri Dufour seriam impossíveis de se pensar sem sua formação educacional na França. Dufour conseguiu resolver de forma ideal a guerra civil de 1847, que praticamente não deixou vestígios.
Também é simbolicamente uma forte imagem que o general tenha, juntamente com o pacifista Henry Dunant, fundado a Cruz Vermelha Internacional.
Do latim mercenariu, de merce = comércio), o termo denomina o nome pelo qual é chamado aquele que trabalha por soldo ou pagamento.
Ele designa, especificamente, os soldados que lutam objetivando o pagamento ou a divisão dos despojos, sem ideais ou fidelidade a um estado ou nação.
As depredações e os saques eram uma praga para muitas regiões. Carlos V pagou milhares de escudos para proteger o pretendente ao trono de Castela, Henrique de Trastâmara, contra Pedro, o Cruel, aliado dos ingleses.
Em 1444, o Rei Luís XI de França contratou mercenários sem ocupação para combater mercenários suíços, lorenos e alsacianos.
O papa Urbano V, sentindo ameaçado pelos mercenários, se propôs a reuní-los para uma nova Cruzada à Terra Santa.
Foi do rei Carlos VII de França que veio a primeira sugestão prática para resolver o problema dos mercenários: reuniu os estados gerais em Orléans (1439) e sugeriu a criação de um exército permanente.
A partir daí, o rei detinha poder sobre as tropas, seria o único a nomear oficiais e decretar impostos para mantê-los. Os capitães seriam responsáveis pela conduta de seus homens.
No Brasil D. Pedro I contratou formou o Corpo de Estrangeiros para lutar na Guerra da Cisplatina. Mais tarde, no tempo de D. Pedro II, foram contratados os mercenários Brummer. (Texto: Wikipédia em português)
Em seu livro “Mercenário para Europa – mais do que uma história familiar no cantão de Schwyz”, o escritor Jost Auf der Maur apresenta para leigos as informações mais recentes sobre o fenômeno do mercenarismo.
O maior desejo do autor é que seja criada uma comissão para estudar a história de 500 anos do mercenarismo como a chamada “Comissão Bergier”, que se dedicou ao papel da Suíça durante a 2° Guerra Mundial.
“Falta um livro básico sobre o tema e também a consciência na Suíça”, declarou Jost Auf der Maur.
Adaptação: Alexander Thoele
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