“Migração climática também afeta os países ricos”
O grupo de especialistas do clima (IPCC, na sigla em inglês) publica um novo relatório sobre as consequências das mudanças climáticas. Ele contém um aspecto muito importante: o impacto sobre os fluxos migratórios é um fenômeno que não se limita às regiões mais pobres, adverte o especialista em migrações Etienne Piguet, na entrevista a seguir.
Milhares de americanos fogem do gelo procurando refúgio no México. Pura fantasia? Certamente. A cena está num filme hollywoodiano de alguns anos atrás ilustra, todavia, um fenômeno real: a migração climática. Entre 2100, centenas de milhões de pessoas abandonarão a zona costeira devido a alta do nível dos mares, reitera o Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC) no relatório que publica amanhã, 31 de março.
O impacto do clima sobre o comportamento da população é bem conhecido, explica Etienne Piguet, professor na Universidade de Neuchâtel (oeste da Suíça). Todavia, em sua última pesquisa sobre migração climática no mundo emergem aspectos surpreendentes e mesmo paradoxais.
O Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês), do qual também fazem parte cientistas suíços, elaborou seu quinto relatório de avaliação do clima. O documento, que sintetiza todo o conhecimento científico sobre clima, é publicado em diversas etapas.
A primeira parte (Base cientifica das mudanças climáticas) foi apresentada em setembro de 2013. Afirmam em particular que o aquecimento global é inequívoco e que é causado (em 95%) pela atividade humana.
A segunda (impasses, adaptação e vulnerabilidade) é publicada em 31 de março de 2014. Analisa a consequência da mudança climática sobre os sistemas naturais (florestas, ecossistemas, recursos hídricos) e humanos.
A terceira parte (Mitigação das mudanças climáticas) está prevista para 13 de abril de 2014, enquanto a síntese final do relatório será apresentada em Copenhague no final de outubro de 2014.
presentata a Copenaghen a fine ottobre 2014.
swissinfo.ch: É verdade que a migração climática é um fenômeno recente?
Etienne Piguet: Desde 2007, ano da publicação do quarto relatório de avaliação do IPCC, de fato assistimos a uma espécie de volta da noção de migração climática. Na realidade, trata-se de uma ideia muito antiga. Me vem em mente o chamado “dust bowl” nos anos 1930: a tempestade de areia e a forte erosão eólica do solo forçou muitos cidadãos das Grandes Planícies nos Estados Unidos a migrarem para a Califórnia.
Muito mais tempo atrás temos a carestia da batata na Irlanda, que favoreceu a migração para os Estados Unidos. Certo, a causa foi a doença que reduziu a colheita, mas ela foi provocada pelo clima particularmente muito chuvoso e úmido que ocorreu durante várias estações.
swissinfo.ch: Então o clima é um motor da imigração?
E. P.: Sim e não. Contrariamente ao passado, hoje se considera que o clima é um dos múltiplos fatores que provocam a migração. O “dust bowl” ocorreu depois da crise de 1929, que havia fragilizado a situação dos cidadãos. Sem contar que, na Irlanda, foi a política da Grã Bretanha que favoreceu a migração. Além do clima, há outros aspectos políticos, sociais e econômicos.
Os estudos mostram um forte impacto da temperatura e dos períodos de seca sobre a produtividade agrícola. Por duas razões: algumas plantas são menos produtivas e a uma certa temperatura o trabalho físico do homem torna-se difícil. As pessoas ficam muito vulneráveis, mas migram realmente? Difícil dizer. Por vezes são ajudadas por seus governos a mudar de atividade econômica e acabam ficando onde estão. Pensemos por exemplo na Holanda e alta do nível do mar. Se o governo não tiver construído os diques, as pessoas teriam sido obrigadas a partir.
swissinfo.ch: Quando se fala de migração climática dos países pobres está correto?
E. P.: Os países pobres são os que têm mais dificuldade, por questões técnicas e políticas, de enfrentar o desafio colocado pela mudança climática. Porém, de nosso estudo emergiu, com um pouco de surpresa, que a migração afeta também os países ricos.
Em termos de população, esses países estão em primeira linha. Basta pensar na China e aos milhões de pessoas que vivem ao longo da costa. Qualquer catástrofe brutal ou progressiva, forçando a transformação espacial da atividade econômica, podem provocar importantes transformações na Europa e na América do Norte, como se viu com o furacão Katrina em 2005.
Quero sublinhar um outro aspecto crucial. Constatamos que a zona mais ameaçada pela subida do nível do mar são as estão em pleno crescimento demográfico. Apesar da vulnerabilidade, as cidades costeiras da China e da África atraem cada vez mais gente. É uma situação paradoxal, potencialmente explosiva.
Os migrantes são conscientes do perigo, mas têm horizontes temporais diversos. Têm uma estratégia de sobrevivência e pensam em como alimentar suas famílias hoje. Não consideram o risco de, amanhã, o canal sobre o qual estão instalados pode desaparecer por causa de um furacão.
swissinfo.ch: E a Suíça? Segundo um estudo, os vales alpinos podem não ser mais habitáveis por causa do degelo e dos deslizamentos de terra.
E. P.: A Suíça, como outros países vizinhos desenvolvidos, não está ao abrigo de consequências econômicas e sociais da mudança climática. O país não será de modo algum confrontado a vagas de migrantes climáticos.
Nenhum vale alpino é muito vulnerável a ponto de tornar-se inabitável. Pode-se perder no máximo algumas centenas de casas. Certo, para as pessoas afetadas é dramático, mas devemos relativizar. Não podemos comparar a situação suíça com a de uma província de Bangladesh onde 95% da população que vive da agricultura estão expostas a períodos de seca cada vez mais frequentes.
swissinfo.ch: No futuro, terá de ser definido o estatuto a atribuir a quem foge de um lugar por causa do clima. Teremos em breve “refugiados climáticos”?
E. P.: É um tema que se discute muito. Basicamente, há três correntes de pensamento. Uma acha necessário criar uma nova convenção específica para proteger as pessoas que devam mudar devido uma catástrofe ambiental e da evolução lenta do ambiente.
Outra quer ampliar a definição existente e incluir os motivos climáticos na convenção sobre os refugiados. Este é o caso da convenção da Organização da Unidade Africana, em que a noção de refugiado engloba a catástrofe ambiental. A terceira opção é de melhorar a capacidade de assistência humanitária, de fazer prevenção e insistir nos mecanismos de solidariedade nas zonas de maior risco.
O que é certo é que numerosas pessoas estarão na impossibilidade de fugir da catástrofe. Somente as pessoas mais abastadas e em melhor estado de saúde poderão fugir. A população imobilizada estará em situação humanitária ainda mais grave do que a que migra.
Os desastres naturais em 2012 forçaram 32,4 milhões de pessoas a abandonarem suas casas.
98% dos casos foram causados por eventos climáticos e meteorológicos como inundações, tempestades e incêndios.
Os países mais atingidos foram China, Índia, Paquistão, Filipinas e Nigéria.
Só no nordeste da Índia, as inundações repetidas na estação das monções provocaram 6,9 milhões de desabrigados (quase tanto como a população da Suíça).
Nos Estados Unidos, quase 800.000 pessoas tiveram de fugir do furacão Sandy.
Fonte: Relatório “Estimativas Globais 2012” do Centro de monitoramento dos deslocados internos e do Conselho Norueguês para os Refugiados.
O relatório “Mudanças climáticas 2014: impasses, adaptação e vulnerabilidade” publicado em 31 de março de 2014 pelo Grupo de Trabalho II do IPCC sublinha que os efeitos da mudança climática já estão presentes em todos os continentes e nos oceanos.
Os eventos meteorológicos extremos podem comprometer a biodiversidade de plantas e animais, reduzir drasticamente as colheitas agrícolas e agravar os problemas sanitários, indica o documento.
Os riscos de inundação aumentarão sobretudo na Europa e na Ásia, enquanto um dos aspectos mais marcantes do aquecimento na África será o acesso à água ainda mais difícil.
Inundações da zona costeira, seca e ondas de calor levarão a uma intensificação dos deslocamentos de população e, indiretamente, aumento dos riscos de conflitos violentos, advertem os pesquisadores.
Adaptação: Claudnê Gonçalves
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