Na casa da lua, mas de olho no sol
Enquanto tomam um farto café da manhã em uma das pousadas do vilarejo da Praia do Forte, na Bahia, os hóspedes são cumprimentados por um senhor de forte sotaque estrangeiro, mas de português claro. É o dono.
Seu nome, Markus Real, engenheiro suíço doutorado pela Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH), e pioneiro no desenvolvimento de tecnologia de energia solar e eólica como fontes de geração elétrica. Conhecimento que o tornou referência mundial sobre energia renovável desde a década de 80.
Quando tinha uns vinte e poucos anos, idade em que normalmente os jovens “andam com a cabeça na lua”, Markus Real focava seus estudos no sol. Foi atento a todo o potencial dessa estrela sobre o planeta, que se tornou responsável por projetos como a implantação da primeira usina fotovoltaica na Europa e a integração dessa energia na rede elétrica europeia.
Depois de quase três décadas como pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa Nuclear da Suíça, hoje Instituto Paul Scherrer, e depois à frente da sua própria empresa, a Alpha Real AG, ele abriu mão dessa rotina para aceitar uma oferta de negócio no Brasil e começar a se dedicar a outro “astro”. Assim, há 13 anos, Real é dono do hotel-pousada Porto da Lua, a cerca de 80 km da capital baiana, Salvador.
Mas não se enganem os que pensam que ele mudou de vida apenas pela beleza natural brasileira. Real mantém uma rotina árdua de trabalho para garantir a qualidade dos serviços da pousada, assim como para se dedicar a outros projetos, entre os quais alguns voltados para energia renovável.
Em entrevista exclusiva à swissinfo.ch, ele conta sua trajetória, fala dos motivos da sua mudança e, claro, da importância mundial da expansão do uso de energia renovável. Um tema fundamental para o Brasil, que apesar do grande potencial energético, ainda é refém de “apagões” e de ameaças de racionamento.
swissinfo.ch: O que o levou ao comando de uma pousada na Bahia?
Markus Real: Era um cliente fiel da Porto da Lua, uma construção com arquitetura estupenda, em um local estupendo e com pessoas estupendas. Quando Wilson Reis Netto, o arquiteto idealizador, me fez a oferta para vendê-la, achei que seria um caminho para deixar de me envolver com a falta de política da Suíça sobre uso de energia solar.
swissinfo.ch: Por que?
M.R.: Na Suíça, assim como na Europa, em geral, o consumidor pode optar se quiser usar energia solar em casa. Isso ajuda o desenvolvimento da tecnologia, mas não vai mudar nossa matriz de fontes energéticas, que é baseada em 80% de hidrogênio carburado, como petróleo, gás e carvão. É um percentual alto, com grandes impactos: poluição, alterações climáticas, preços flutuantes de combustível, guerras e muito mais. Breve, esse custo terá de ser pago pelas próximas gerações.
swissinfo.ch: Na Suíça, a questão da energia solar não é a quantidade de terreno?
M.R.:A falta de terrenos livres e baratos realmente não permite implantar no solo usinas solares em uma quantidade suficiente. Por isso, desde 1978 instalamos a primeira usina elétrica no teto de uma casa. O conjunto de todos os telhados de casas permite a utilização de placas fotovoltaicas para produzir um terço da eletricidade consumida no país. Hoje, as modernas casas suíças são pequenos milagres da tecnologia: consumem entre 10% e 20% de energia se comparadas as casas de 30 anos atrás. E muitas delas produzem mais energia no teto e nas paredes do que o que consomem o ano todo.
swissinfo.ch: Qual a expectativa para as energias renováveis a curto prazo no Brasil?
M.R.: Dados da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) demonstram que o Brasil terá de encarar números de crescimento de energia impressionantes até 2021. A previsão de demanda requer aumentar em quase 50% nos próximos 10 anos. Em termos de energia renovável, o Brasil já é um exemplo mundial: 75% da geração de energia elétrica são de hidrelétricas, ou seja, renovável. No setor de combustível de automóveis, nos carros que estão nas ruas brasileiras, o equivalente a 25% é movido a etanol (extraído da cana-de-açúcar). Já há matriz privilegiada para a energia renovável, que a longo prazo também é mais econômica. Realmente não conheço um país tão privilegiado para usar o sol, o vento e a água como o Brasil.
“Uma nova tecnologia precisa de 50 a 100 anos para substituir outra existente. O carvão precisou de 100 anos para substituir a madeira, mesmo tempo que o petróleo para substituir o carvão. A tecnologia nuclear, depois de 60 anos de suporte de governos dos países mais ricos, produz menos de 2% de energia de uso, ou 5% de energia primaria. As fontes renováveis também precisam de tempo – 30 anos já se passaram. A boa notícia é que as tecnologias eólicas e fotovoltaicas estão prontas para serem aplicadas em grande escala.”
swissinfo.ch: Mas mesmo entre as energias renováveis há polêmicas?
M.R.: Sim, o álcool como fonte renovável tem problemas e, seguramente, seus limites. Não tenho dúvida, porém, que o fotovoltaico é uma revolução. É uma tecnologia que precisa de muito cuidado na produção industrial, mas uma vez pronta é muito fácil de usufrui-la.
swissinfo.ch: Não é preciso um certo cuidado na produção industrial das placas fotovoltaicas?
M.R.: Se você se refere a placa fotovoltaica baseada em silício, não vejo nenhum elemento que possa se tornar resíduo tóxico e contaminar o ambiente. Há uma linha de produção, no entanto, que usa cádmio, que descartado incorretamente pode causar sérios danos ao meio ambiente. Essa linha é questionável. Já o silício, seguramente não causa problemas. É areia.
swissinfo.ch: O que te inspirou a trabalhar com energia solar?
M.R.: Depois de 20 anos, com a tecnologia pronta, mas sem efetivamente uma política que pudesse explorá-la, senti que precisava mudar. Lembrei do que o meu tio Theodor Real, fundador da Força Aérea Suíça, dizia. Depois de conhecer o avião, em 1911, ele foi a Berna convencer as lideranças militares da importância dessa tecnologia para o futuro, mas sempre o respondiam: “Isso parece muito bom, senhor Real, mas já temos a cavalaria”. Todas as vezes quando voltava de trem de Berna para Zurique, depois de conversas com políticos, me lembrava dessa frase: “já temos a cavalaria”. Mas a Alpha Real ainda existe, no entanto, fundei outra empresa, a Edisun Power AG, voltada para planejar, financiar e operacionalizar usinas solares.
swissinfo.ch: A energias solar e eólica já estão ganhando reconhecimento no Brasil?
M.R.: A porta está sendo aberta. Mas como disse: o Brasil tem de aumentar o parque gerador de eletricidade, terá de encarar um crescimento de energia impressionante até 2021. Um número enorme que nem dá para ser atendido por um setor só. Para dar uma ideia, a hidrelétrica de Itaipu tem 15 GW, então nos próximos 10 anos é preciso instalar 4 Itaipus. Como fazer? Com todo respeito pela Petrobras, é impossível tirar tanto gás nesse período, assim como construir tantas hidrelétricas. Usina nuclear, então, nem pensar. Não há dúvida quanto a importância das contribuições eólica e fotovoltaica. Mas ainda há desafios.
swissinfo.ch: Quais exatamente?
M.R.: No Brasil, o preço da tecnologia eólica e fotovoltaica é até duas vezes maior do que na Alemanha, por conta de fatores como taxa de juros para financiar as usinas fotovoltaicas e eólicas, taxa de importação, além dos custos da burocracia. Se as condições fossem as mesmas das termoelétricas ou hidrelétricas, o preço da energia produzida seria, já hoje, quase igual. Mas sou otimista. É indiscutível que nos próximos anos haverá um crescimento no setor. O Brasil já demonstrou sua capacidade de liderança e na próxima década estará entre os dez principais países líderes no uso de novas fontes renováveis de energia.
“Tivemos muitos momentos gratificantes pelo nosso trabalho pioneiro. A joint venture com a Mercedes-Benz, com a qual construímos em 1986 um carro movido a energia solar, foi um grande sucesso, sem dúvida. Nosso carro, Mercedes-Benz solarpowered by Alpha Real ganhou a primeira corrida de carros solares e hoje está no Museu da Mercedes-Benz, em Stuttgart (Alemanha). Tenho muito orgulho desse trabalho.”
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