Sonhando com um príncipe encantado nos Alpes
A falta de esclarecimento, no entanto, pode estragar o sonho das desavisadas...
A fantasia da felicidade eterna no casamento com um homem estrangeiro ainda faz parte de um considerável número de brasileiras que emigram. Elas se apaixonam ou vêm para trabalhar, de forma legal ou ilegal e se casam. O fato é que deixam família e emprego no Brasil para se casarem com um suíço.
Organizam a festa, algumas famílias viajam e se conhecem, mas um detalhe fica esquecido: a informação. No calor das emoções, quem pensa em procurar dados sobre o país de destino, quem participa de um treinamento de interculturalidadeLink externo, que prepararia para a vida em uma nova cultura? Praticamente ninguém. A maioria acha que está a caminho do paraíso do Primeiro Mundo. Resultado: conflitos desnecessários, falta de comunicação e muitos mal-entendidos, podendo terminar até em divórcio.
* Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.
Esclarecimento é, portanto, a palavra chave. De acordo com a psicóloga e pesquisadora da Universidade Católica de Pernambuco, Flavia de Maria Gomes Schuler, que escreveu a dissertação de mestrado Casamento intercultural e suas peculiaridades: um estudo sobre brasileiras na Suíça, informação é fundamental, tanto para o processo de adaptação ao novo país quanto para entender o companheiro de uma outra cultura. “Relação a dois não é conto de fadas, muito menos quando o casal é formado por pessoas de mundos tão diferentes. Não pense que eu seja contra esse tipo de relacionamento. Só dissemino a ideia de que as brasileiras precisam vir com consciência de que irão encontrar uma nova realidade”, explica Flavia Schuler.
A psicóloga vive hoje em Recife, é casada com um suíço-brasileiro, mas morou na Suíça durante 17 anos. A motivação para escrever sobre o tema veio quando trabalhava na organização não-governamental MEOSLink externo, na Basiléia. Foi prestando assistência psicológica a mulheres de língua portuguesa que ela percebeu as dificuldades daquelas pessoas em lidar com o diferente, a falta de esclarecimento sobre o país e sobre o que significa ser uma estrangeira. “Eu percebi que elas idealizavam aquele país lindo, mas que com a convivência com o parceiro e com os problemas da adaptação, os sonhos desmoronavam”, diz.
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193 nações na Suíça
Para a dissertação, escrita sob a orientação da Profa. Dra. Cristina Maria de Souza Brito Dias, Flavia Schuler entrevistou 20 brasileiras moradoras dos cantões de Argóvia, Zurique e Basiléia, algumas no país de forma ilegal. As entrevistas foram realizadas em 2010. A constatação veio de encontro ao que ela já desconfiava: ao migrarem, de modo geral, não estavam conscientes das dificuldades que seriam enfrentadas ao deixar o seu país. Elas, inicialmente, só percebiam as facilidades que teriam ao deixar o Brasil, pois migraram acalentando vários sonhos, mas a realidade do dia a dia, no entanto, se mostra bem diferente.
Se informar é preciso
Exatamente nesse ponto entra a importância da informação. Sem a consciência sobre o que significa viver em outro país e até que ponto isso pode afetar a vida, as pessoas se desiludem muito e algumas até desistem ou desenvolvem uma depressão.
Dificuldades encontradas no novo contexto: Neste item, as falas das participantes destacaram como principais dificuldades encontradas: língua, solidão, saudade, ilegalidade, deixar os filhos (quando fruto de uma união anterior e precisam ficar no Brasil), a mentalidade suíça e o preconceito.
De acordo com a dissertação de Schuler, para o migrante a chegada ao novo país marca o início das interações com a nova cultura e com a população. Esta é, sem dúvida, a etapa mais longa da migração e, para algumas pessoas nunca acabará, ou seja, o sentimento de estar sempre em contato com o estrangeiro, com o estranho, com o que não é familiar, pode durar toda uma vida no país de acolhimento.
O estudo afirma que mesmo que as condições de vida, para essas mulheres, se apresentem melhores por certo prisma, haverá sempre um choque cultural e um duro processo de adaptação, daí ser importante estudar as condições de integração no país de destino. As dificuldades encontradas por essas mulheres são inúmeras. De acordo com o estudo, uma das grandes dificuldades é a língua. Muitas pessoas se veem reduzidas quase a uma criança, pois elas têm que aprender tudo de novo.
“A língua é a mais complicada que eu já ouvi e por isso eu não queria ficar aqui, mas como minha mãe estava doente, eu tinha que trabalhar para mandar dinheiro para ela. Eu saía de casa muda e voltava calada. Eu tinha saudade de tudo que eu tinha lá e não tinha aqui. Isso foi o mais difícil”, diz Lilian, uma das entrevistadas de Flávia Schuler.
A mentalidade suíça também é apontada como uma das dificuldades, porque culturalmente o brasileiro e o suíço são muito diferentes. O relato seguinte afirma:
“Quando eu cheguei à casa de minha tia foi muito difícil para tomar conta do meu sobrinho, para ela poder trabalhar fora. A convivência com o marido dela foi impossível! Ele é bem suíço mesmo. Tudo tem que ser sempre do mesmo jeito, como um desenho, nada pode mudar. Eu vivia triste, não me acostumava, mas precisava ajudar minha família”, relata Gil, outra entrevistada.
Nem tudo está perdido
De acordo com a pesquisadora, o relacionamento entre casais binacionais pode dar certo sim. Mas para que todo o processo de adaptação e a convivência ocorra de forma mais suave, é importante ficar atento a algumas dicas:
• Aprender a língua do país
• Não se isolar no seu mundo brasileiro
• Não fazer amizades somente com brasileiras. Conecte-se com suíços também. Muitos maridos reclamam que as esposas não querem conhecer pessoas de outras nacionalidades
• Se prepare para deixar o país e para enfrentar uma nova cultura
• Casamento não é conto de fadas, muito menos com um estrangeiro. As duas culturas são muito diferentes e cada um tem um modo de ver o mundo
• Não se feche para a cultura do (a) parceiro (a)
• Esteja ciente de que conceitos como família, amizade, trabalho, dinheiro etc. são muito diversos
• Abra seu coração.
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