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O difícil equilíbrio entre manter a cultura dos pais e a do país de acolhimento

Muitos pais que criam seus filhos fora do país de origem vivem um paradoxo: querem garantir uma identidade brasileira ou portuguesa, mas ao mesmo tempo adaptada ao local onde vivem. 

O medo de criar crianças desconhecidas até deles mesmos passa pela cabeça desses genitores e está longe de ser uma preocupação infundada. O respeito às características da procedência foi um ponto fundamental a ser seguido, mencionado por todos os entrevistados, tanto mães quanto especialistas. É fato: quem não valoriza suas raízes, tem problemas para se integrar em novos ambientes culturais. Mas estima à cultura do país estrangeiro também é imprescindível: por isso a necessidade de os pais se integrarem ao novo lugar, falar a língua e, definitivamente, se sentir bem nessa nova sociedade.

* Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.

O possível desencontro de gerações – Outro fator complicador nessa relação é a própria diferença entre gerações, conhecido como gap geracional. Filhos e pais são distintos mesmo simplesmente pelo fato de terem nascido em épocas variadas. Em sua tese intitulada Gerações e famílias: Polissemia, mudanças históricas e mobilidade, o professor Parry Scott explica que a migração – uma mobilidade que frequentemente resulta em deslocamentos geográficos e sociais – apresenta um desafio para os estudos sobre família no tempo, já que leva a inserções em novas realidades de interpretações e de relações que precisam ser equacionadas para se entender as transformações e os mecanismos que dão continuidade ao sentimento de pertencimento a grupos familiares e de parentesco em espaços diferenciados. Scott é professor associado do Departamento de Ciências Sociais, Programas de Pós-Graduação em Sociologia e em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco.

A importância da língua portuguesa – O próprio governo suíço está ciente da necessidade da valorização do idioma do país de origem como promotora de integração e até na melhoria do idioma estrangeiro, tanto que criou o projeto Conte-me uma Estória – Family Literacy. O programa nasceu em 2006 na Suíça com o objetivo de apoiar a leitura nas famílias migrantes. O tema foi publicado na coluna Suíça de Portas abertas no dia 2 de maio.  Conte-me um Estória consiste no oferecimento gratuito de sessões de contar de estórias na língua do imigrante para pais e crianças de dois a cinco anos. A proposta é baseada em estudos que mostram que experiências variadas com a escrita e a oralidade, além de domínio da primeira língua, são fatores fundamentais que facilitam a eficiente aprendizagem da segunda língua e, posteriormente, do mecanismo da leitura na escola e desenvolvimento dos bons hábitos de leitura. 

Carmen Dragoni, do Rio de Janeiro, que vive há 33 anos na Suíça e criou dois filhos já adultos, dá o seu recado às mães mais jovens: “Tem que falar português. Não tem jeito. Como você vai se exprimir com a criança em uma língua que não é sua, que não expressa corretamente a sua emoção? E pior, ainda com erros e ensinando errado”, explica. Além de falar a língua, a especialista Miriam Müller Vizentini, coordenadora Pedagógica da Associação Brasileira de Educação e Cultura (ABEC), ressalta que é imprescindível demonstrar orgulho em relação ao país de origem. 

Carmen Dragoni complementa: “a sua cultura é você. Se a mãe fala mal do local de onde vem, as crianças criadas na Suíça podem ficar confusas e até desenvolverem vergonha de sua hereditariedade. Já vi meninos que não queriam convidar os amiguinhos para brincar em casa porque os pais falavam mal do seu país de origem”, conta Carmen.

Por um outro lado, não se deve criticar os hábitos dos suíços simplesmente para mal dizer. Isso também pode gerar confusão na cabeça dos mais jovens e acaba por criar um sentimento de inadequação nesses cidadãos de segunda e terceira geração.

Imagem de Carmem Dragoni
Carmem Dragoni swissinfo.ch

Íntimo dos filhos ainda que com outra criação – O grande desafio de criar família no exterior é se deparar com uma sociedade de valores muito diferentes dos seus. A interação com o novo ambiente cultural é a chave que vai propiciar a aproximação com esse filho. De acordo com a psicóloga brasileira Raquel Motta, que vive em Dubai há nove anos, se os pais estrangeiros não conseguem se inserir no novo contexto, irão perder esse lado da identidade de suas crianças. Com experiência em liderar movimento voluntário de ajuda a mulheres brasileiras naquele país, Raquel explica que famílias que emigram formam descendentes de identidade híbrida. “O meu filho namora uma jovem da Coréia. Se eu me isolar no meu mundo brasileiro, não vou conseguir entender os dilemas dele, os valores que ele carrega, que são fruto dessa sociedade, o que certamente irá me afastar dessa pessoa que tanto amo”, explica. Raquel utiliza o horário do projeto A Hora do Conto de Dubai, quando crianças ouvem estórias em português, para trabalhar a psicologia de migração com mulheres brasileiras naquele país.

A brasileira Sonia Jordi, há 35 anos na Suíça, já criou quatro filhas e agora se delicia com netos. Do alto de sua experiência como genitora e como treinadora de cursos de integração na cidade de Zurique para migrantes de língua portuguesa, ela reforça o aprendizado do alemão e o respeito às duas culturas como pontos fundamentais na felicidade do imigrante, na sua integração na sociedade estrangeira e como importante ferramenta de educação das crianças. De acordo com Sonia, ela procura passar para as famílias a importância de se dominar o idioma estrangeiro. “Se os pais não dominam a língua local, não irão conseguir conversar com os amigos dos filhos, não entenderão se as crianças utilizam vocabulário apropriado, se usam palavras de baixo calão, se seguem as regras de educação. A falta de fluência na língua reduz o papel destinado aos pais, que é o de educar”, diz.

Para as famílias que têm medo de terem crianças sem identidade do país de origem, Sonia dá o seguinte recado: “há filhos que vão sempre querer ser brasileiros, outros nem tanto. Uns irão até procurar voltar a sua vida profissional para o Brasil ou Portugal. Mas a escolha será sempre deles. “É um direito individual de cada um escolher o que quer ser ou seguir. Mas permita que cada um goste da sociedade onde habita. É uma escolha mais saudável para todos. No entanto, os costumes da casa serão sempre uma referência. Não tem como ignorar esse fato”. Parece que o respeito às diferenças, seja à cultura ou ao seu filho criado no exterior, são a resposta a muitas das inquietações.


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