Os filhos do exílio entram na política local
Exilados políticos da época das ditaduras latino-americanas conseguem ser eleitos para a câmara municipal de Genebra.
Sua eleição confirma o processo de integração e o grau de aceitação dentro da sociedade suíça.
A integração de estrangeiros na Suíça é um tema constante. Excluídos dos direitos políticos, sem a possibilidade de expressar-se, a integração para eles passa pela naturalização, um processo que pode durar vários anos. Somente depois de assumir a cidadania suíça, é possível para estrangeiros ter participação política no país.
É ao fruto da experiência e do largo caminho realizado percorrido no esforço de integração, que recorreu toda uma geração de exilados latino-americanos, convertidos agora em cidadãos suíços e recém-eleitos vereadores.
Trata-se de um fato que, ao mesmo tempo, ratifica a aceitação dessa nova realidade, marcada pela mestiçagem de culturas. Nesse sentido, Genebra, uma cidade internacional, é um verdadeiro laboratório.
No cantão de Genebra foram eleitos vereadores, por diferentes partidos e municípios: um chileno, dois uruguaios e uma nicaragüense, uma das poucas mulheres de origem latino-americana a serem eleitas para esse cargo.
Outros seis não conseguiram ser eleitos, porém sua participação mostra que a sociedade helvética os reconhece como cidadãos de igual direito e ratifica o processo irreversível de integração.
Os políticos latinos, eleitos do cantão de Genebra, são originários do mesmo passado de militância de esquerda, iniciado há trinta anos.
Necessidade de se expressar e se organizar
A primeira geração de exilados que se organizou em torno das associações de solidariedade, constituíram suas próprias redes e partidos políticos no exílio. Eles também criaram centros culturais e publicaram boletins e jornais. Cada um contribuiu um pouco na resistência às ditaduras.
Foram anos de militância concentrados em atividades diretamente relacionadas com seus países de origem.
Com essa geração de exilados chegaram muitos jovens, filhos de desaparecidos, crianças e adolescentes que conheceram suas respectivas pátrias através do relato dos seus pais, ou através das esporádicas viagens familiares, quando era possível o retorno ao país.
Eles aprenderam o idioma local e começaram uma rápida integração na sociedade suíça. Quase trinta anos depois, no caso dos chilenos que permaneceram, eles apresentam com êxito sua primeira participação na vida política dos municípios onde vivem.
Eleitos da primeira geração de exilados
Dos dez candidatos que se apresentaram nas eleições municipais de março, três foram eleitos em primeiro turno: o uruguaio Javier Alonso, o chileno Patrício Herrera e a nicaragüense Luisa Pentzke, uma das poucas mulheres latino-americanas a ocupar um cargo numa câmara municipal. Essas eleições foram significativas, pois os três casos ocorrem no grupo de pessoas da primeira geração de exilados.
Luiza Pentzke nasceu em 29 de fevereiro de 1956 (“eu faço aniversário a cada quatro anos, brinca”). Ela é originária de Leon, na Nicarágua. A política pertence à geração que comandou a revolução sandinista. Ela vive há mais de 25 anos na Suíça, onde trabalha como especialista no diagnóstico de câncer nas células. Politicamente, Pentzke integrou-se desde o início no Partido Socialista de Genebra.
Perguntamos a ela, como foi a passagem da militância na revolução sandinista para a integração na sociedade suíça.
A solidariedade no norte
Luisa Pentzke responde. “Por nada eu posso esquecer a realidade latino-americana. Vivemos a realidade como podemos, porém não é possível viver duas vidas ao mesmo tempo. Não é possível viver em dois lugares. Aqui nós vivemos a verdadeira realidade do nosso continente”.
Pentzke explica que seu trabalho de solidariedade ganha maior importância através da eleição como vereadora. “Continuamos ajudando, pois sabemos o que faz falta. Afinal, nós vivemos a realidade daqui e estamos em melhores condições para atender aos pedidos de ajuda”. Dos exemplos tirados da sua atuação, a política latino-americana lembra da campanha financeira para a compra de uma rádio para uma associação de argentinos e outras formas de ajuda a países da América central.
O primeiro chileno a se tornar vereador em Genebra
O caso do chileno Patrício Herrera é também particular, pois se trata de um antigo militante da resistência chilena à ditadura. Ele pertence à primeira geração de exilados e tem toda uma vida dedicada ao seu partido, o Radical, e a Associação de Chilenos Residentes em Genebra, do qual foi presidente várias vezes.
Herrera trabalha como assistente social no governo local, onde atende aos solicitantes de asilo, provenientes em grande parte dos países da antiga Iugoslávia. O latino foi eleito vereador pelo Partido Socialista, no populoso município de Vernier.
Ele se naturalizou suíço, processo escolhido pela maioria dos chilenos que se estabeleceram definitivamente na Suíça ou daqueles que voltaram para o Chile, mas retornaram desiludidos.
Sobre o tema de integração e uma suposta renuncia a suas origens latinas, Herrera estima que se trata de um problema resolvido, tanto legal como culturalmente.
“Do ponto de vista legal e normativo, a questão da renúncia a nacionalidade de origem é explicada por eu ter tomado uma posição política em relação à Suíça”, explica. “A Suíça reconhece a dupla-cidadania”.
“Do ponto de vista cultural, sentimental e emocional, caio no racionalismo, pois o futuro da humanidade é a mestiçagem, não somente de raças, mas também de culturas. Os limites políticos das fronteiras têm cada vez menos importância”.
Um suíço uruguaio
Javier Alonso é originário de Montevidéu e chegou na Suíça em 1978, como exilado. Em Genebra, ele trabalha como assistente social há mais de vinte e cinco anos. Nos momentos de ócio, atua como musico concertista.
Alonso foi eleito vereador através do Partido Socialista. “Para mim foi uma verdadeira surpresa, pois estou apenas há cinco anos vivendo no município se Lancy. Antes vivia em Vernier, onde também estava integrado no Comitê do Centro Comunal de Reencontro”.
O uruguaio explica que sua eleição deve-se a sua participação em atividades de associação de bairros, não só na organização, mas também como músico.
Javier Alonso sente-se como um verdadeiro suíço e já apresenta seus planos de atuação como vereador. “Quero buscar uma política partidária de um conceito de apoio social permanente. Minhas prioridades são de ação social e cultural, e trabalhar na questão do espaço urbano”.
Entre suas maiores aspirações políticas, Alonso destaca a obtenção do direito de voto para os estrangeiros e também a plena participação na vida política local.
Apesar do sucesso na integração à sociedade suíça, os políticos de origem latino-americana não esquecem de dizer que seus corações ainda batem pelas pátrias tão distantes.
swissinfo, Alberto Dufey
tradução de Alexander Thoele
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