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Português ganha prata em salão de inventores

Milene mostra o sapato com "amortecedor" criado pelo marido. swissinfo.ch

Em tempos de crise, o remédio é pensar. A Feira Internacional de Invenções em Genebra é o lugar ideal não apenas para máquinas geniais, mas também pessoas que são incorrigivelmente otimistas.

Na 37° edição do evento, um português ganhou uma medalha de prata. Sua idéia: um sistema para otimizar os gastos de combustível através de um indicador a laser no velocímetro.

As manchetes dos jornais relatam o desenvolvimento de uma das mais graves crises econômicas do século. Bancos pedem ajuda ao Estado e empresas fecham suas portas, demitindo ao mesmo tempo centenas de trabalhadores. Finalmente, analistas econômicos anunciam que tudo pode ficar ainda pior.

Frente ao impasse completo, o que fazer? A resposta estava em uma pequena feira organizada no Palácio de Exposições de Genebra na semana passada. Intitulada 37° Feira Internacional de Invenções, ela reuniu a nata dos inventores de várias partes do mundo, pessoas que passam o tempo livre encontrando idéias, boas ou malucas.

Muitos deles estão integrados em universidades ou outros centros de pesquisa. Alguns, com seus aparatos misteriosos, lembram até mesmo o Professor Pardal, aquele genial inventor personagem de Walt Disney, meio maluco e inocente e que sempre apresenta as mais fantásticas máquinas. Bom, vez ou outra elas não funcionam e podem até explodir.

De Portugal para o mundo

Um deles era Rajesh Pai. Esse português de origem indiana estava radiante com o resultado das premiações publicado no sábado (4/03) pelos organizadores do evento. Ele recebeu uma medalha de prata e enviava através de um torpedo a boa notícia a centenas de celulares de parentes, amigos e qualquer pessoa que ela havia encontrado em Genebra.

Nascido em Kumta, na Índia, Rajesh vive há vinte anos na Vila Praia de Âncora, vilarejo da região do Minho em Portugal. Apesar de trabalhar o dia inteiro como contabilista e ter dois filhos para criar, ele ainda encontra tempo para ter idéias. Sua última é um sistema de otimização de gastos de combustível através de um indicador a laser no velocímetro. Ele batizou-o com seu próprio nome. Green Pai Driving (GPD).

“O GPD é um mecanismo que informa o condutor a melhor forma de usar o combustível do seu carro. Com ele podemos ver se estamos prejudicando o meio ambiente”, explica enquanto mostra ao mesmo tempo uma simulação disponibilizada no seu próprio web site. “Dirigir rápido não apenas consume nossas fontes de energia não renováveis, mas também é perigoso nas nossas ruas e estradas”.

A participação na feira de inventores em Genebra foi paga do próprio bolso. Agora Rajesh sonha em vender sua idéia, patenteada internacionalmente, à indústria automobilística. Ele tira de uma pasta diversas cartas-resposta que recebeu de fabricantes renomados na Europa e na Ásia, todas com mensagem positivas e pedindo que aguarde para averiguação dos engenheiros. “Mas não publique o nome das empresas, pois tenho que manter segredo. A competição é feroz nesse mercado”, ressalta o português, animado.

Países exóticos

Os 710 expositores que estavam espalhados por 8.500 metros quadrados de superfície ofereciam uma gama variada de inventos e surpresas. Eles vinham de países diversos como a Rússia – o recordista de participação com 107 expositores – Irã (73), Malásia, Romênia, China, França, Suíça, Coréia, Alemanha, Itália, Polônia e até mesmo outros que surpreendiam. Quem poderia imaginar que a Arábia Saudita, Sri Lanka, Moldávia e Bósnia-Herzegovina têm tantos inventores? Eles também tinham seus estandes em Genebra.

Um deles era um engenheiro da Arábia Saudita. Em alemão afiado, ele apresentava a todos os interessados sua fantástica idéia: uma piscina de fundo móvel. Através de um sistema de sensores, ela identifica que uma criança está por perto e diminui automaticamente a profundidade através de um mecanismo hidráulico que levanta o piso. Uma bonequinha de plástico servia de modelo. Cada vez que ele a colocava próximo da borda, o aparelho dava prova da sua eficácia. Então ela “caía” na banheira que servia de piscina teste. “Estão vendo: o bebê está salvo e até vai aproveitar a situação para brincar um pouquinho na água”, gritava ele aos presentes como um vendedor no bazar.

Poucos metros distantes, um jovem sérvio chamava a atenção dos passantes ao dedilhar uma bela música no seu violão. Apenas uma aproximação e análise visual permitiam compreender porque o instrumento estava sendo exibido como invenção – os regulamentos do Salão Internacional de Inventores dizem que cada aparelho exibido em Genebra deve estar patenteado internacionalmente e só pode participar uma vez. O segredo: a guitarra é completamente torta. Os trastes, presilhas, base das cordas e outras partes parecem ter sido obra de um escultor surrealista. O jovem inventor não se incomodava com os olhares incrédulos e justificava que músicos precisam de instrumentos “anatômicos”, que não forcem os braços e os dedos. Experiências à parte, a música que sai do instrumento era tão afinada como a tocada por Baden Powell nos seus melhores anos.

Sapato com “amortecedor”

Para um visitante leigo, muitas das invenções expostas pareciam ter saído de um filme de ficção científica. Um chinês até se esforçava, em um inglês enigmático, a explicar a utilidade de um ventilador equipado com painéis de células fotovoltaicas ao invés de pás. Os escolares presentes gostavam de ver o funcionamento barulhento da máquina, mas apostavam entre eles o seu sentido. “Um ventilador que não precisa de bateria?”, dizia um. “Não, um satélite de bolso”, respondia o outro.

Para o simpático Philippe Glimes, a surpresa fazia parte de um evento como o salão. A todos esse belga, que vive há vários anos na Espanha, mostrava seu banheiro canino: uma esteira rolante imitando um gramado, onde na superfície é jogado ferormônio através de uma mangueirinha. Ele estava seguro de que prefeituras de cidades como Paris, conhecida pela enorme quantidade de “minas” deixadas pelo melhor amigo do homem nas suas calçadas, serão clientes garantidos.

Seu vizinho de estande era o francês Philippe Pontarollo. Sua invenção era um sapato com “amortecedor”. “Eu tive a idéia quando estava com a Milene, minha esposa, no carnaval de Veneza. Vimos na vitrine um sapato que tinha uma espécie de cobra subindo pelo salto. Como a Milene sempre reclamava de dores com os modelos que usava, imaginei que não seria nada mal ter um calçado feminino que desse para a mulher a impressão de estar andando em um gramado”, conta Philippe em um português digno de academia, ganho durante os quinze anos de casamento com uma brasileira e várias estadias na sua cidade natal, Fortaleza.

Depois de patentear internacionalmente a idéia, ele procurou uma manufatura na Suíça para fabricar os primeiros protótipos. As imagens exuberantes do Brasil exibidas em telões planos combinavam com a “mis en scène” preparada no estande em Genebra: enquanto a música tropical saia das caixas de som, sua esposa requebrava no tablado vestida de passista de escola de samba. “Isso é para mostrar que o Zebuloni, o nome que dei para meu invento, ajuda até as pessoas a se soltarem”, brincava.

O primeiro prêmio

Um personagem inevitável nos salões de inventos é o pesquisador solitário, sem estande, que passa meses colocando suas idéias em uma folha de papel até fazer uma descoberta genial. O problema é mostrá-la para os outros.

Esse era o caso de Domenique Lendi, um suíço originário do cantão do Valais e que não quis revelar sua profissão. Sua invenção era uma estranha caixinha vermelha, que ele tirava cuidadosamente de um saco de papel. Às pessoas que abordava, ele explicava que se trata de um novo sistema modular de móveis. “Você pode fazer o que quiser com eles: mesas, cadeiras ou armários”, explicava humildemente. Quem se mostrava cético, ele ainda tirava outros planos técnicos da bolsa. Um dos objetos desenvolvidos por ele era um alicate com mais de vinte funções. “Eu tenho muitas idéias, só preciso encontrar um investidor para executá-las”, disse.

Não se sabe se o suíço teve êxito. Concreto é o fato de que o principal prêmio do Salão de Inventores saiu para uma empresa romena com uma idéia realmente prática: um veículo intitulado Roboscan, capaz de escanear sem intervenção humana caminhões e reboques de grandes dimensões.

Com a União Européia reforçando cada vez mais os controles de fronteiras para combater a imigração ilegal e o contrabando, o invento poderá ser um sucesso de vendas. Isso mostra que mesmo o inventor mais maluco é capaz, um dia, de gritar “heureca”, aquela famosa expressão de triunfo ao encontrar-se a solução de problema difícil. Dizem que o primeiro a utilizá-la foi, nada mais nada menos…Arquimedes.

swissinfo, Alexander Thoele

O evento ocorreu este ano entre 1 e 5 de abril no Palácio de Exposições de Genebra. Segundo os organizadores, um quarto dos 710 expositores eram inventores privados e pesquisadores. O resto vinha de empresas, institutos de pesquisa e universidades.

Mais da metade dos 70 mil visitantes vinham do setor empresarial. Também presentes: grupos escolares e curiosos.

Alguns números: 59% dos expositores vinham da Europa, 35% da Ásia, 8% eram suíços e 6% vinham de outros continentes. Dos países lusófonos, apenas Portugal estava presente com um inventor.

Países com o maior número de expositores: Rússia, Irã, Malásia, Romênia, China, França, Suíça, Itália, Polônia, Alemanha, Espanha, Croácia, Moldávia, Coréia do Sul, Arábia Saudita e Sri Lanka.

A invenção só pode ser exposta no evento uma vez e deve estar protegida por direitos de proteção intelectual.

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