“Sim, sou gay e assim é melhor.”
Entrevista: Peter Steiner, empresário e coordenador do grupo de pais homossexuais na Associação Gay de Zurique.
Das dificuldades de um homem casado, com duas filhas e empresário para assumir a homossexualidade e mudar a vida.
swissinfo: como surgiu a idéia de criar um grupo exclusivo para agregar pais gays?
Peter Steiner: Há oito anos atrás, a Associação de Gays de Zurique criou o grupo “Pecadores Tardios”, voltado para pessoas de maior idade e com desejos de realizar um “coming-out”. Eles têm entre 25 e 80 anos e a forte impressão de que descobriram tarde demais sua homossexualidade.
E você foi um desses “veteranos”?
Minha homossexualidade assumi quando tinha 48 anos. Quando cheguei no grupo, acabei conhecendo pessoas fantásticas que também tinham uma história semelhante a minha. Eu me interessei tanto pelo trabalho, que decidi me engajar.
E como surgiu o grupo de pais gays?
Nós percebemos que no grupo “Pecadores Tardios” ainda existia um outro sub-grupo: pessoas que são casadas, com filhos e uma vida social convencional. Porém, ao descobrir a homossexualidade, eles acabam tendo problemas diferentes dos jovens gays ou aqueles que sempre foram solteiros.
Quais são esses problemas?
Em grande parte dos casos, o primeiro grande problema é de relacionamento com a esposa. O segundo é quando a pessoa já tem um namorado. No relacionamento ela fica dividida entre a família e o parceiro. Isso pode ser uma pressão enorme, pois pais gays também amam seus filhos. Outros problemas comuns para pais homossexuais são de ordem jurídica e financeira.
E você, que descobriu a homossexualidade numa idade bem avançada, teve problemas?
Eu já tenho duas filhas crescidas. Quando vivi meu “coming-out”, elas ainda estavam com 16 e 18 anos. Na verdade, eu tive muita sorte, pois minha ex-esposa sempre foi uma pessoa que atraiu homossexuais. Por isso acabei me interessando por ela (risos). Durante todo o nosso casamento, sempre tivemos um grande círculo de amigos gays. Nossas filhas eram acostumadas a conviver com casais de homossexuais. Tínhamos inclusive um casal de amigos gays, que sempre nos acompanhava nas férias e cuidava das crianças, quando eu e a minha mulher saíamos para passear.
Então imagino que você não viveu nenhum drama típico, como as pessoas podem imaginar.?
Isso não é verdade. Nessa época eu li um artigo de jornal, que falava sobre a grande quantidade de pessoas casadas, com filhos, que na verdade eram homossexuais. Essas pessoas sempre reprimiram sua personalidade. Se, por interesse de proteger a família, esses sentimento são combatidos, no final dessa condição teatral, existe o risco de surgirem sérios problemas psicológicos. Isso ocorreu comigo: no meu caso, passei um grande período da minha vida sofrendo de dores de cabeça terríveis.
E logo depois do dia “D” esses problemas acabaram?
Sim. Completamente. Esses problemas eram claramente de origem psicossomática.
Quais são os grandes desafios do “coming-out”?
O maior problema do “coming-out” é que a pessoa deve fazer, em primeiro lugar, o seu “coming-out” interior. Ela tem que dizer para si próprio: – “sim, eu sou gay e assim é melhor”. Para muitos, dar esse passo é uma grande desafio. Eu por exemplo, já sabia que, desde os oito anos de idade, me interessava por homens. Porém os mecanismos de repressão são tão fortes, que podemos viver de forma esquizofrênica. Por um lado eu sentia que olhava mais para homens do que mulheres. Por outro lado eu pensava: – “é preciso ter uma família, isso é normal; é preciso ter uma namorada, os outros já têm uma; preciso me apaixonar, etc”. No final dessa história, acabei me casando com uma mulher. Muitas pessoas acham que essa situação é incompreensível, porém ela é mais comum do que parece.
Você não teve medo das conseqüências, ao mudar radicalmente de vida aos 48 anos de idade?
Para mim, essa mudança não significou a solidão automática. Eu até me senti rejuvenescido! Logo depois do meu “coming-out”, fui trabalhar como voluntário na discoteca do nosso clube. Lá me apaixonei pela primeira vez. Foi como se estivesse na puberdade! Nunca tinha vivido uma situação dessas! Acho que a idade não é importante, mas sim o que a pessoa sente. A dificuldade para um pai gay é primeiro conseguir se libertar da sua família. Depois dessa barreira, a pessoa cai numa nova vida que é, afinal, interessante, desconhecida e animada. Por isso nunca senti solidão.
Pais gays, como você, tem que tipo de vida familiar? Trata-se da família moderna?
Conheço um caso de um homem, na metade dos trinta, que apesar dos seus três filhos, assumiu há poucos anos a homossexualidade e se separou da mulher. Logo depois ela encontrou também um namorado. Como eles se entendem muito bem, o grupo inteiro aluga uma casa na Itália, onde todos passam as férias juntos. Primeiro a mulher e seu namorado curtem as crianças, depois eles partem em viagem. Ao mesmo tempo chegam o homem e seu namorado e assumem o trabalho de cuidar dos filhos. Eles dividem lazer e trabalho com harmonia e amizade.
Se na parte social, os problemas são contornáveis, como fica com o trabalho? Não deve ser muito fácil, quando o chefe de seção, casado, pai, conta para os colegas que virou gay?
Essa é uma situação que pode ser complicada. Nesse caso eu também tive sorte. Como dono da minha própria empresa, não tive grandes problemas em tornar pública a minha homossexualidade. Meus funcionários têm uma situação de dependência em relação à minha pessoa: eles tiveram de escolher entre aceitar a minha decisão ou sair da empresa! Apesar disso, essa foi uma situação arriscada, pois poderia ter perdido uma grande parte do pessoal, caso eles não aceitassem minha decisão. Para evitar esse problema, resolvi chamar cada um dos funcionários para uma conversa pessoal no meu escritório. A aceitação foi ótima, mesmo estando a nossa empresa numa área rural e conservadora, no cantão de Aargau. Nem com nossos motoristas de caminhão ou operários tive problemas. Hoje em dia, levo o meu namorado até mesmo nas festas da empresa.
E para os funcionários que devem ser contratados por você? Você abre o jogo logo no início?
Antes de contratar qualquer pessoa em cargo de chefia, conto durante a entrevista pessoal que sou gay. Com isso eu só quero dizer que é melhor que eles saibam dessa realidade por mim, do que através de terceiros nos corredores da empresa.
Por que tanto engajamento na Associação de Gays de Zurique
Quando assumi a homossexualidade, estava me sentindo tão liberto e resolvido, que senti vontade de participar mais ativamente das atividades na associação. Lá eu conheci também outros homossexuais. Logo depois encontrei um namorado, com quem fiquei dois anos juntos. Agora, já estou há mais de cinco anos com o meu segundo namorado.
swissinfo, Alexander Thoele
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