Suicidas deverão passar teste de doença mental
Um documentário acompanhando o passo-a-passo de um homem sofrendo de transtorno bipolar para obter assistência ao suicídio levantou o debate sobre a prática com doentes psiquiátricos.
O documentário, chamado “Tod nach Plan” (Morte Planejada), foi ao ar na televisão da Suíça alemã no início de fevereiro, quase ao mesmo tempo que um outro da televisão da Suíça francesa, contando a viagem de uma escritora francesa até Zurique para pôr fim em seus dias.
Uma pesquisa realizada no ano passado pela Universidade de Zurique revelou que a maioria dos suíços são favoráveis ao suicídio assistido. O Tribunal Federal reconhece o direito de uma pessoa terminar com sua vida, desde que seja em sã consciência.
A prática do suicídio assistido por pessoas com doenças terminais, como o câncer, não é novidade na Suíça. Mas os casos envolvendo transtornos mentais, não letais, ainda que debilitantes, e os idosos, levantaram o debate em torno da questão de se, e como, a prática deve ser regulamentada.
Propostas de mudanças do Código Penal suíço, restringindo a prática do suicídio assistido, vêm ocupando o governo federal há mais de dez anos.
As principais questões ainda deixam em aberto como serão definidos os tipos de distúrubios que dariam direito a uma ajuda ao suicídio e quantas opiniões médicas deveriam ser obtidas antes da autorização de morte.
Papel da sociedade
Embora haja pouca dúvida de que distúrbios psíquicos, como transtorno bipolar (anteriormente conhecido como psicose maníaco-depressiva) e esquizofrenia podem ser extremamente debilitantes, causando grande sofrimento, a diferença óbvia entre tais doenças e as doenças terminais como o câncer é que elas não trazem em si a certeza da morte.
“O fato de se estar com uma doença crônica é uma coisa, o fato de que seja uma doença incurável é outra”, disse Panteleimon Giannakopoulos, diretor de saúde mental e psiquiatria do Hospital Universitário de Genebra, à swissinfo.ch.
Giannakopoulos observa que as doenças psiquiátricas se manifestam geralmente ao longo de muitos anos, durante os quais o paciente pode passar por períodos em que tenha pensamentos suicidas e períodos de melhora quando é capaz de viver uma vida relativamente normal.
“É claro que podemos tratar essas pessoas, melhorando sua situação”, disse.
Mas essas pessoas são muitas vezes marginalizadas da sociedade por meio de fatores tais como perda de emprego e amigos, como resultado de sua doença, disse o psiquiatra, advertindo que a falta de regulamentação para esses casos pode levar a um “certo tipo de engenharia moderna”.
“Essas pessoas geralmente apresentam um estado de saúde [física] muito bom, mas muitas vezes têm poucos amigos e são muito solitárias”, disse. “Será que devemos permiti-las que, durante uma fase de resignação, digam ‘bem é isso, vou pôr um fim em tudo?’ De forma indireta há um risco, se deixarmos as coisas correrem dessa maneira, de querermos nos livrar dessas pessoas”.
Quem decide?
Psiquiatra em Lausanne e vice-presidente da Sociedade Suíça de Psiquiatria e Psicoterapia, Pierre Vallon disse à swissinfo.ch que não deveria ser permitido o acesso ao suicídio assistido aos pacientes com problemas mentais.
“Não é trabalho de um médico dizer se tal problema é incurável”, disse. “Temos de ser restritivos com esses problemas, pois eles variam em intensidade. Como você pode saber com precisão [se um paciente esgotou todas as opções de tratamento]?”.
Já para Giannakopoulos, os pacientes com problemas mentais devem ter o mesmo direito ao suicídio assistido que os pacientes com doença física, mas o médico admite a dificuldade em julgar quando o problema pode ser considerado sem cura.
“Este é o ponto no qual o parlamento deve ser muito preciso, embora eu não ache que seja assim tão simples”, disse.
“O que acontece com as pessoas com doenças psicológicas para as quais a deficiência não é uma desvantagem física, mas uma desvantagem psicológica e social? Vai depender de quem julga e de como nós julgamos a deficiência psicológica”.
Casos raros
Jérome Sobel, presidente da EXIT, uma organização de auxílio ao suicídio sediada em Lausanne, disse à swissinfo.ch que ainda são raros os casos em que as pessoas põem fim à vida através do suicídio assistido.
Sua empresa, que tem cerca de 16 mil inscritos na Suíça de língua francesa, ajudou 91 pessoas a morrer em 2010. Os casos que envolvem doenças mentais são mais raros ainda.
“Tod nach Plan” mostrou um senhor de 56 anos em perfeita forma física, André Rieder, tomando sua medicação semanal e dizendo adeus aos amigos e familiares, chamando calmamente um táxi para um edifício não descrito em Zurique, onde terminou sua vida.
Sobel defendeu a ação da organização da Suíça de língua alemã no caso Rieder, considerando-a como justa e humana. Ele ressaltou os 25 anos de doença do paciente durante os quais havia sido internado quase 20 vezes, incluindo períodos passados em uma enfermaria psiquiátrica fechada.
“Ele conhecia bem sua doença e não queria sofrer uma nova queda seguida de nova hospitalização. Durante um período em que sua condição era estável, ele julgou que, por estas razões, sua vida não era digna de ser vivida”, disse.
Sobel insiste que não é dever da sociedade impor regras sobre a maneira de tratar ou não tais doenças, e que uma pessoa que sofre de uma doença debilitante tem o direito de escolher as circunstâncias de sua morte.
“Essas situações [envolvendo doenças mentais] são extremamente raras. Eles verificaram se a sociedade lhe tinha dado todo o tratamento e apoio que deve ser dado a alguém, mas no fim a vida não é uma prisão”, disse.
“É algo pessoal de cada um. Ninguém é obrigado a viver quando escolhe a morte”.
A lei suíça tolera o suicídio assistido quando o paciente comete o ato por si mesmo, os auxiliares não tendo interesse em sua morte. O suicídio assistido é permitido no país desde a década de 1940.
O suicídio assistido é quando um médico ajuda um paciente com os meios para acabar com sua própria vida, no entanto, o médico não pode administrar a substância letal.
A morte geralmente é induzida por uma dose letal de barbitúricos receitados por um médico. A ingestão do veneno, seja por via oral, intravenosa ou por tubos no estômago, deve ser realizada pela pessoa querendo morrer.
Uma decisão do Tribunal Federal Suíço, de 2006, considerou que todas as pessoas em sã consciência, independentemente de sofrerem de doença mental, têm o direito de decidir a forma de sua morte.
Uma nova proposta de alteração do código penal para regulamentar as práticas do suicídio assistido deve ser apresentada em junho, mas é improvável que seja submetida ao parlamento antes de meados de 2012.
A Suíça tem dois principais grupos que atendem às pessoas que buscam um suicídio assistido, Exit e Dignitas.
Adaptação: Fernando Hirschy
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