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Transformando CO2 suíço em rocha

Um iglu de plástico em um descampado
No projeto-piloto o CO2 suíço é misturado à água do mar na Islândia e depois bombeado para o subsolo, onde se liga ao basalto e deve formar calcário dentro de alguns anos. KEYSTONE/© KESTONE / ANTHONY ANEX

Os esforços para remover as emissões de dióxido de carbono (CO₂) das indústrias sujas e armazená-las no subsolo estão gerando grande interesse em todo o mundo. A Suíça também está analisando o que fazer com suas emissões de CO₂ de difícil controle. Segundo pesquisadores, um projeto-piloto suíço na Islândia parece muito promissor, mas será que esse método caro e complicado vai fazer valer todo o esforço?

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Imagine capturar o CO₂ da indústria antes que ele entre na atmosfera e transformá-lo em pedra – para sempre. Cientistas suíços vêm estudando essa ideia em um projeto-piloto, no contexto de planos de captura e armazenamento de carbono (CCS) em andamento. Esses planos envolvem tecnologias que removem o CO₂ de processos industriais, tais como tratamento de esgoto ou usinas siderúrgicas, e o armazenam no subsolo, a fim de ajudar a cumprir a meta do país de atingir emissões líquidas zero de gases de efeito estufa até 2050.

O CO₂ capturado não é armazenado na Suíça, mas em reservatórios geológicos na Islândia. A equipe por trás do projeto-piloto anunciou recentemente que a abordagem é tecnicamente viável, tendo despertado grande interesse, como declara com orgulho o coordenador Marco Mazzotti, professor de Engenharia Mecânica e de Processos na Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH).

“O volume de CO₂ que armazenamos é irrelevante para o clima, mas o fato de termos feito isso, e de termos tido que resolver todos esses problemas práticos, envolvendo muitas instâncias, foi um grande incentivo”, afirmou Mazzotti à SWI swissinfo.ch. No caso, ele se refere às 23 universidades, institutos de pesquisa e empresas envolvidas.

Nos testes em andamento do projeto DemoUpCARMALink externo, o CO₂ é capturado e liquefeito na principal estação de tratamento de resíduos de Berna. De lá, é levado de caminhão, em um contêiner de 20 toneladas, para a Alemanha, depois de trem para a Holanda e, em seguida, por via marítima até a Islândia. Da capital Reykjavik, o contêiner é levado para um local no oeste da ilha. Cada trajeto de 2.400 quilômetros entre caminhão-trem-navio-caminhão leva cerca de cinco semanas. Uma viagem e um processo tão longos e complicados geram emissões adicionais, mas a equipe do projeto fez seus cálculos e está convencida de que a implementação desse trâmite, em escala maior, compensaria as novas emissões.

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gráfico ETH

Até o momento, cerca de 100 toneladas de CO₂ suíço foram enviadas para a Islândia, que é considerada ideal para o armazenamento subterrâneo devido às suas muitas formações rochosas de basalto. O basalto é uma rocha cinza-escura e porosa, formada pelo resfriamento da lava que contém grandes quantidades de cálcio, magnésio e ferro.

CO2 efervescente, água do mar e basalto

Na região litorânea de Helguvík, o CO₂ suíço é, de início, misturado à água do mar de um poço próximo. O líquido efervescente é então bombeado por uma empresa local a 300-400 metros de profundidade, onde se liga ao basalto. Espera-se que ele, então, venha a formar calcário em alguns anos. Nessa forma sólida, o CO₂ fica armazenado permanentemente. Mais entregas e testes de injeção continuarão até o segundo semestre de 2024, para que o projeto seja concluído, enquanto prossegue o monitoramento científico.

Há muito tempo vista como uma solução tecnicamente complicada e cara, de pouca utilidade, a CCS é agora considerada necessária tanto pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) quanto pela Agência Internacional de Energia (IEA), a fim de equilibrar inevitáveis emissões de gases de efeito estufa. De acordo com o Global CCS Institute, mais de 390 projetos de CCSLink externo estão em operação ou em desenvolvimento em todo o mundo.

Além do uso intenso de energias renováveis e de medidas de economia de energia, o governo suíço afirmaLink externo que 12 milhões de toneladas de emissões de difícil controle de CO₂, provenientes de usinas de resíduos, da agricultura e de setores como a indústria do cimento, devem ser cortadas para que o país alcance a neutralidade de carbono até 2050. Cerca de 500 mil toneladas de CO₂ poderiam ser permanentemente armazenadas até 2030 e até sete milhões de toneladas até 2050.

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No entanto, os projetos de CCS vêm sendo criticados por alguns grupos ambientalistas, em parte devido aos altos custos e às necessidades de infraestrutura. WWF alertouLink externo que a CCS “ainda não foi comprovada em escala e não é uma solução milagrosa” para combater as emissões industriais na Europa.

Nathan Solothurnmann, especialista em energia e clima do Greenpeace Suíça, diz que o país deveria evitar primeiramente as emissões de CO₂, antes de desenvolver megaprojetos desse gênero. Isso, segundo ele, poderia ser feito através de um aprimoramento dos métodos de reciclagem de resíduos, substituindo o concreto convencional por outros materiais de construção e reduzindo a pecuária. “Essas medidas ajudariam a eliminar uma proporção considerável das emissões climáticas consideradas ‘inevitáveis'”, disse Solothurnmann.

Desafios de infraestrutura

A equipe suíça por trás desse projeto na Islândia está convencida de suas credenciais ecológicas. Embora emissões adicionais de CO₂ sejam geradas quando o CO₂ é transportado para a Islândia, os envolvidos afirmam que o processo ainda remove muito mais CO₂ da atmosfera do que emite. Ao todo, a equipe suíça calculou que, para cada 100 quilos de CO₂ armazenado, 20 quilos de CO₂ são emitidos por caminhões, trens, navios e outros meios.

A captura, o transporte e o armazenamento de dióxido de carbono usando o modelo DemoUpCarma custam cerca de 300 francos suíços (328 dólares) por tonelada. No futuro, esses custos poderiam ser reduzidos por meio de um sistema de armazenamento mais eficiente e integrado, bem como por uma estrutura regulatória estabelecida e por mais experiência no gerenciamento do transporte.

Uma das maiores dores de cabeça da equipe de Mazzotti tem sido resolver questões regulatórias e legais. Um dos problemas é o fato de que muitas partes envolvidas estão observando e esperando para ver como as tecnologias, as regulamentações e o mercado de CCS evoluem, para só então começar a investir.

O Departamento Federal de Meio Ambiente (FOEN), um dos órgãos que financia o projeto na Islândia, também reconhece isso. “Os emissores só querem capturar CO2 quando a infraestrutura de transporte estiver disponível, mas as estruturas de transporte e armazenamento só serão desenvolvidas quando houver clientes que queiram capturar e vender seu CO2”, aponta Sophie Wenger, gestora de projetos da FOEN, à rádio pública suíça SRF.

Mão segurando dois bastões de pedra
Amostras de pedra sem injeção de CO2 (inferior) e com injeção de CO2 do projeto piloto DemoUpCARMA próximo a Reykjavik, Islândia, em 16 de maio de 2023. KEYSTONE/© KESTONE / ANTHONY ANEX

A CCS ganhou um ponto de apoio inicial na América do Norte. Na Europa, as ideias sobre a futura captura, o futuro armazenamento, transporte e uso do CO₂, estão evoluindo rapidamente. Diversos projetos na região do Mar do Norte pretendem demonstrar que as soluções que atravessam fronteiras são viáveis. Entre elas, está o projeto GreensandLink externo, iniciado no ano passado, no qual o CO₂ da Bélgica está sendo injetado em um campo esgotado de petróleo no Mar do Norte dinamarquês.

A União Europeia publicou recentemente sua Estratégia de Gestão do Carbono IndustrialLink externo, bem como um estudo sobre o desenvolvimento de infraestrutura e dutos de CO₂ na Europa, que substituiriam caminhões e trens. A fato de a Suíça não estar incluída nos planos desapontou Mazzotti.

“É muito triste ver que os oleodutos simplesmente circundam a Suíça, pois não temos nenhuma colaboração nesse sentido em nível adequado. Não podemos fazer essas coisas sozinhos. Os suíços precisam fazer isso junto com a Europa”, diz ele.

Armazenando CO₂

As autoridades suíças estão também desenvolvendo planos locais de CCS, embora de forma mais lenta. Elas reservaram um antigo depósito de resíduos radioativos no norte do país, de grande profundidade, como futuro local de armazenamento de CO₂. Os primeiros testes podem começar em 2030. No entanto, de maneira geral, o potencial de armazenamento de CO₂ na Suíça é baixo. Um esquema nacional de exploração subterrânea continua investigando o assunto, mas o Departamento Federal de Energia admitLink externoe que os locais de armazenamento não estariam em condições de funcionar por 15 a 20 anos.

Em uma fase inicial até 2030, as autoridades suíças planejam promover opções de armazenamento de CO₂ no exterior. No nível regulatório, o governo está preparando o terreno. Após a emenda de 2009 ao Protocolo de Londres, a Suíça pode exportar CO₂, desde janeiro, para o armazenamento em formações geológicas submarinas. Berna assinou acordos para desenvolver tecnologias de armazenamento de carbono na Suécia, Holanda e Islândia, e há discussões em andamento com a Noruega.

Para capturar ou remover CO₂ e armazená-lo permanentemente, são necessárias tecnologias. As CCS capturam e armazenam CO₂ fóssil e resultante de processos em instalações como usinas de tratamento de resíduos, a fim de reduzir emissões, enquanto as tecnologias de emissões negativas (NETs) se concentram na remoção permanente de CO₂ da atmosfera.

As NETs incluem, entre outros, o florestamento e o reflorestamento; a gestão da terra para aumentar e fixar o carbono nos solos por meio de aditivos como o biochar; a produção de bioenergia com captura e armazenamento de carbono (BECCS); a melhoria do desgaste natural das rochas; a captura direta de CO₂ do ar ambiente com armazenamento de CO₂ (DACCS); a fertilização dos oceanos para aumentar o CO₂.

De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o cumprimento das metas do Acordo de Paris exigirá uma expansão global muito rápida de CCS e NETs, aliada a uma redução substancial nas emissões de gases de efeito estufa.

“As empresas na Suíça estão agora livres para recorrer a essa alternativa, como parte de acordos do setor privado com fornecedores estrangeiros de armazenamento de CO₂, a exemplo daqueles situados no Mar do Norte”, afirmou Robin Poëll, porta-voz da FOEN, por e-mail.

Os projetos subsidiados pela Foundação Suíça Climate Cent, uma associação criada por empresas para compensar as emissões de CO₂, poderiam se beneficiar disso. O mesmo poderia acontecer com o setor de tratamento de resíduos, que prometeu capturar CO₂ até 2030 por meio de um acordo do setor com o governo federal. As empresas suíças que participam do sistema de comércio de emissões da UE, tais como os produtores de cimento, também estariam aptas a receber créditos pela captura e armazenamento de CO₂ no fundo do mar a partir de 2025.

Nathan Solothurnmann recomenda que as autoridades suíças sejam cautelosas. Ele alerta que a corrida pela adoção de tecnologias CCS poderia levar a um efeito de bloqueio.

Não haveria, segundo o especialista, incentivo para reduzir seriamente as emissões e examinar alternativas naturais para capturar e armazenar CO₂. “Seriam feitos grandes investimentos em infraestrutura de CO₂ e esse seria um caminho sem volta”.

Adaptação: Soraia Vilela

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