Um gel barato para se defender da aids
Pesquisadores da Universidade de Genebra descobriram uma nova molécula capaz de impedir a infecção nas mulheres através do vírus do HIV, se utilizada como gel ou creme.
A grande vantagem para países em desenvolvimento é o custo extremamente baixo de produção. Porém, a indústria farmacêutica nega seu apoio à continuação das pesquisas.
Oliver Hartley corresponde pouco à imagem que se faz de pesquisadores. No seu espartano escritório na Faculdade de Medicina da Universidade de Genebra, o jovem inglês divide o espaço com a bicicleta, um notebook e algumas poucas pastas empilhadas em prateleiras. A única decoração na sala são cartazes científicos, como tabelas periódicas de química. “Mas veja que bela vista eu tenho da janela”, diz apontando para o horizonte, onde despontam algumas montanhas. “Aqui é muito mais bonito do que na Inglaterra.”
Apesar da pouca idade – Hartley nasceu em 1968 – ele já tem um impressionante currículo. Com um Ph.D obtido na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, o biólogo molecular já desenvolveu pesquisas em temas complexos, como doenças lisossomais de sobrecarga – alterações metabólicas hereditárias que costumam atingir crianças – ou produtos para a multinacional farmacêutica Glaxo-Welcome. Desde 1997, ele trabalha na Universidade de Genebra, onde coordena diversas pesquisas na área de biologia estrutural e bioinformática.
Apaixonado por futebol, ele logo pergunta ao repórter da swissinfo sobre a situação da seleção brasileira. “Imagino que vocês devam estar tristes com a derrota na Copa”, sem negar que a seleção inglesa também não tem brilhado no gramado. Porém, seu interesse pelo Brasil tem mais uma origem pessoal. “Minha esposa nasceu na Suíça, mas é filha de uma brasileira.”
Nova molécula
Esportes à parte, a verdadeira paixão do inglês é o trabalho. Ele e outros pesquisadores da Universidade de Genebra acabam de anunciar a descoberta de uma nova molécula, que pode ser utilizada por mulheres na forma de gel para se proteger contra uma infecção com o vírus do HIV. A grande vantagem do produto é seu baixo custo de produção, o que permitiria países em desenvolvimento com um alto índice da doença a produzi-lo sem problemas. A descoberta foi publicada no início de novembro na revista especializada Procedimentos da Academia Nacional de Ciências dos EUA (PNAS, na sigla em inglês e depois amplamente noticiada pela mídia internacional.
O projeto começou nos anos 90 sob a liderança do professor inglês Robin Offord, atualmente aposentado. Na época, ele havia descoberto uma molécula extremamente eficaz contra o HIV. A partir de 2004, quando Hartley entrou no grupo de pesquisadores, eles descobriram uma nova molécula cinqüenta vezes mais forte e resistente às mutações efetuadas pelo vírus para escapar de sua ação. A “PSC-RANTES”, como foi intitulada, foi testada na vagina de macacas e mostrou ser capaz de impedir qualquer infecção vaginal por HIV.
Apesar de promissor, o projeto tinha defeitos. “O maior deles era o custo extremamente alto para desenvolver a molécula, pois sua estrutura era química”, revela Hartley. Isso fez com que o jovem professor dedicasse três anos de pesquisas até encontrar uma nova molécula, batizada por ele de 5P12-RANTES. “Ela tem uma estrutura natural e é tão eficaz como a outra, mas custa apenas uma fração do seu preço.”
Como Hartley explica, ao contrário da primeira molécula, o trabalho de produzí-la é feito pela natureza. “A 5P12-RANTES é uma molécula extremamente complexa, mas micro-organismos é que a fabricam para nós”, completa, revelando ao mesmo tempo o segredo. “A matéria nutritiva pode ser uma simples solução nutritiva, na qual células de levedura modificadas serão cultivadas e que irão secretar a molécula microbicida.”
Segundo o pesquisador inglês, os custos de produção não são mais elevados do que o processo de fabricação da cerveja. Mesmo o processo de industrialização da molécula também não seria um problema para países em desenvolvimento. “África do Sul, Brasil, China, Índia e Tailândia têm uma indústria farmacêutica de genéricos capaz de fabricá-la. É só uma questão de interesse.”
A utilização prática da 5P12-RANTES seria na forma de um gel ou creme microbicida, que pode ser aplicado na mucosa vaginal das mulheres. Isso significa que ela poderia aplicar o produto e ter relações sexuais com seu parceiro sem o perigo de se infectar com o vírus HIV ou infectá-lo, caso já esteja doente. “A substância impede a entrada do vírus nas células do organismo durante as relações sexuais”, ressalta Hartley.
Desinteresse da indústria farmacêutica
Os sucessos obtidos em laboratório com os testes feitos em macacos são importantes, mas não garantem o avanço. O maior problema dos pesquisadores é o desinteresse da indústria farmacêutica. “Apesar do apoio que recebemos de várias fundações internacionais, o custo elevado da concepção dos medicamentos só pode ser assumido pelo setor privado. E, por enquanto, seus representantes ainda não foram atraídos pela idéia”, revela o inglês. A razão está em um fator puramente econômico. “Qual o interesse que a indústria farmacêutica teria de investir em um produto destinado a clientes potenciais dos quais 95% não têm dinheiro?”, pergunta-se.
O ceticismo das multinacionais também pode ser explicado por uma questão legal. “Elas temem ser responsabilizadas em caso de incidentes, tanto durante os testes clínicos, como após a colocação do produto no mercado”, afirma Hartley.
Mas o produto não poderia ser vendido nos países do Primeiro Mundo? Hartley é cético. “Talvez seja possível utilizar o gel como uma espécie de aditivo para produtos como camisinhas, mas o fato é que não sabemos se existe um verdadeiro mercado para isso. Nos países ricos, já são aplicadas outras medidas mais efetivas.”
Uma fundação para resolver o problema
Frente ao impasse, o inglês e sua equipe decidiram apostar em alternativas. A patente da molécula foi entregue pela Universidade de Genebra à Fundação Mintaka, criada por Hartley, Robin Offord e um cientista suíço. Ela gere vários projetos de desenvolvimento de tecnologia de ponta na área médica, com o objetivo de fornecer soluções simples aos problemas de saúde pública nos países em desenvolvimento. “Mintaka já recolheu pouco mais de um milhão de francos suíços em fundo e é considerada de utilidade pública pelo cantão de Genebra.”
Com a patente em mãos, a fundação procura agora financiadores potenciais para continuar o desenvolvimento do projeto do gel microbicida. “Precisamos iniciar o chamado desenvolvimento pré-clínico que é, por exemplo, descobrir uma forma segura de produzir a molécula e depois a fórmula ideal do vetor para a sua aplicação”, explica o pesquisador. “O segundo passo é iniciar os testes em seres humanos, sendo que eles não poderão ocorrer nos países do Terceiro Mundo, mas, por uma questão de ética, nos Estados Unidos ou na Suíça, onde a infra-estrutura é boa.” Seu objetivo é ter 100% de segurança da capacidade da molécula de impedir o contágio pelo HIV nos seres humanos.
O objetivo concreto é encontrar parceiros na indústria dos países mais atingidos pela aids para continuar as pesquisas, mas o trabalho de convencimento tem se mostrado penoso. “Estivemos há pouco tempo em um congresso na Índia para apresentar os nossos resultados, onde estavam presentes diversas empresas, mas o retorno foi fraco”, lamenta. O investimento inicial necessário estaria acima de quatro milhões de dólares. “Somente depois desse passo é que poderemos obter mais financiamento.”
Segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (Unaids), mais de 2,5 milhões de pessoas se infectaram em 2007 com o vírus do HIV. No último ano, aproximadamente 33 milhões de pessoas estavam vivendo com o vírus, dos quais 95% delas em países em desenvolvimento.
Em grande parte, essa população não tem acesso a programas de prevenção ou tratamento de HIV e aids. Vários medicamentos utilizados para prolongar a vida das pessoas infectadas não estão disponíveis devido ao seu custo elevado. Também a proteção preventiva através de preservativos é dificultada por questões culturais, como preconceito ou também de aceitação. “O fato é que muitas mulheres não dispõem do seu próprio corpo em vários países do mundo e, por isso, as taxas de infecção são tal elevadas neles”, explica Hartley.
swissinfo, Alexander Thoele
A síndrome da imunodeficiência adquirida (sida, normalmente em Portugal, ou aids, mais comum no Brasil) é o conjunto de sintomas e infecções em seres humanos resultantes do dano específico do sistema imunológico ocasionado pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH, ou HIV segundo a terminologia anglo-saxónica).
O alvo principal são os linfócitos T CD4+, fundamentais para a coordenação das defesas do organismo. Assim que o número destes linfócitos diminui abaixo de certo nível (o centro de controle de doenças dos Estados Unidos da América define este nível como 200 por ml), o colapso do sistema imune é possível, abrindo caminho a doenças oportunistas e tumores que podem matar o doente. Existem tratamentos para a sida/aids e o HIV que diminuem a progressão viral, mas não há nenhuma cura conhecida. (Texto: Wikipédia em português)
A Fundação Mintaka para a pesquisa médica foi criada oficialmente em 25 de outubro de 2005 pelos pesquisadores Robin Offord (Inglaterra), Oliver Hartley e Amos Bairoch. Ela gera vários projetos de desenvolvimento de tecnologia de ponta, cujo principal objetivo é oferecer soluções simples aos problemas de saúde pública nos países em desenvolvimento. A fundação já recolheu pouco mais de um milhão de francos suíços em fundo. Ela é considerada de utilidade pública pelo cantão de Genebra.
O nome “Mintaka” é originado de uma estrela da constelação de Orion. Junto com Alnitak e Alnilam, ela forma o chamado “Cinturão de Orion”, mais conhecido como as “Três Marias”. Sua característica é poder ser vista tanto no hemisfério sul como no hemisfério norte à olho nu.
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