Um peixe pode desaparecer, mas seu legado pode salvar um ecossistema

Um peixe ameaçado de extinção inspirou os esforços da França e da Suíça para restaurar o habitat da vida selvagem ao longo do rio Doubs, que fica na fronteira entre os dois países. No entanto, essas medidas podem ter chegado tarde demais para salvar uma das espécies nativas do rio.
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O avental (“Zingel asper”) é um peixe marrom-bege, de corpo esguio, da família das percas, conhecido no cantão suíço de Jura como Roi du Doubs. Devido à destruição de seu habitat e à poluição, a espécie corre sérios riscos na Suíça e encontra-se ameaçada também na França.
Os governos dos dois países vêm tentando salvar esse peixe há algum tempo. Em 2016, as instâncias governamentais das esferas federal e cantonal da Suíça adotaram planos para restaurarLink externo os ecossistemas ligados ao rio Doubs.
O país adotou essas medidas depois que ambientalistas apresentaram o que ficou conhecido como a “queixa do avental” na Convenção de Berna – um tratado internacional vinculativo que visa salvar espécies europeias em extinção.
A ajuda pode, contudo, ter chegado tarde demais. Em 2012, pesquisadores avistaram 52 peixes dessa espécie no rio Doubs, o maior número em 15 anos, mas eles foram diminuindo e o último foi visto em 2023. A televisão pública suíça RTS documentou uma busca noturna por esses peixes no verão daquele ano.
O último avental remanescente, uma fêmea encontrada na Suíça em 2023, permaneceu por pouco tempo no aquário Aquatis, na cidade suíça de Lausanne, onde foi criada com outros peixes franceses da mesma espécie antes de ser transferida para o Citadel Aquarium de Besançon, na França. A prole juvenil resultante encontra-se agora no Aquatis e no Zoológico da Basileia.
Será que eles sobreviveriam, se tivessem sido recolocados no rio Doubs? Aline Chapuis, do grupo de proteção à natureza “Doubs VivantLink externo”, tem suas dúvidas. “Não saberemos dizer até o dia em que tivermos tentado fazer isso”, diz Chapuis. A fêmea suíça agora fará parte dos esforços francesesLink externo para criar o “Zingel asper” em cativeiro e liberá-lo na natureza.

Por que todo esse alvoroço por causa de um peixinho?
O destino do avental é um sinal do colapso da biodiversidade em uma área de excepcional beleza naturalLink externo. Apenas 14 das 71 espécies de peixes da Suíça não estão sendo consideradas ameaçadas. “Portanto, em termos de fauna de peixes, vemos que a biodiversidade se encontra em um caminho errado na Suíça”, diz Chapuis. “Pode estar começando com o desaparecimento do avental no Doubs, mas pode continuar com outras espécies de peixes. Temos que tomar isso como um aviso”, completa.
Ecologistas apontam que a biodiversidade não diz respeito apenas a salvar espécies – trata-se de manter sistemas de suporte à vida para todo o planeta. Ecossistemas diversificados são mais resistentes a mudanças ambientais, como flutuações climáticas e desastres naturais. Diversos fundos genéticos dentro das populações permitem que as espécies se adaptem mais rapidamente às mudanças climáticas por meio da seleção natural.
Recomendações
Na “queixa do avental” de 2011, grupos suíços de defesa da natureza afirmaram à comissão permanente da Convenção de Berna, em Estrasburgo, que os peixes estavam enfrentando sérias ameaças. A agricultura e as descargas de estações de tratamento de águas residuais haviam poluído o rio Doubs, deixando excesso de minerais e nutrientes na água.
Em 2013, a comissão permanente recomendouLink externo que a Suíça e a França acirrassem o controle de todas as emissões e descargas de poluentes nas águas do Doubs e do Loue, no leste da França, um afluente do Doubs, e que a Suíça restaurasse a conectividade entre os habitats críticos do “Zingel asper”. A comissão enfatizou que a coordenação nas fronteiras é um elemento fundamental nesse sentido. Dessa forma, pesquisadores franceses e suíços estão agora compartilhando dados sobre a qualidade da água, populações de peixes e mudanças ambientais.
Em 2017, os dois países assinaram um acordo para aperfeiçoar a gestão conjunta de três represas hidrelétricas no rio Doubs. Os regulamentos ajudaram a proteger os locais de desova, reduzindo as interrupções causadas quando as represas liberam água.

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Quais medidas são necessárias agora?
Rebekka Reichlin, coordenadora de comunicação do Ministério suíço do Meio Ambiente, diz que a maioria das medidas do plano de ação foi implementada e é “eficaz”. Uma estação de tratamento de águas residuais na cidade suíça de Le Locle está sendo construída, e problemas com açudes nos municípios franceses de Ocourt e Bellefontaine estão sendo contornados. Os açudes são uma preocupação para o avental e outros peixes, pois podem alterar o fluxo de um rio e impedir a migração dos peixes, além de afetar a temperatura e o transporte de sedimentos.
Em dezembro de 2024, a comissão permanente da Convenção de Berna saudou a implementação “gradual e sustentável” do plano suíço para o rio Doubs. No entanto, a comissão sugeriu mais uma vez que a Suíça e a França intensifiquem a colaboração mútua. O plano de ação nacional suíço foi estendido até 2030. A França está agora em seu quarto plano de ação, que também expira em 2030.
O grupo “Doubs Vivant” solicita medidas concretasLink externo para proteger a bacia hidrográfica de práticas agrícolas e florestais potencialmente prejudiciais e defende uma colaboração mais estreita entre a França e a Suíça no que diz respeito à qualidade da água, já que “a poluição não respeita fronteiras”.
Um peixinho pode ter desaparecido para sempre das águas suíças, mas os esforços inspirados por ele vão beneficiar outras espécies. “Sempre vale a pena trabalhar em prol de um ecossistema que seja o mais próximo possível de um estado natural. É bom para o meio ambiente, é bom para nós”, ressalta Chapuis.
Adaptação: Soraia Vilela
A Suíça e a França não são as únicas a enfrentar a extinção de espécies de peixes em função da atividade humana. O peixe-espada chinês, nativo do rio Yangtzé, na China, não é visto desde 2003. A pesca excessiva e as represas causaram seu desaparecimento. O cisco de barbatana preta já foi abundante nos Grandes Lagos da América do Norte, mas não é visto desde 2006. A pesca excessiva está entre os culpados por essa situação. Em 2024, duas espécies de bagres migratórios da Amazônia foram colocadas em uma lista internacional de proteção como vítimas da pesca excessiva e da construção de usinas hidrelétricas em rios da região.

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