EUA minimiza proposta para Gaza após onda de indignação
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O governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pareceu dar um passo atrás nesta quarta-feira (5), depois que sua proposta de assumir o controle da Faixa de Gaza causou grande repercussão e provocou uma advertência do secretário-geral da ONU contra uma “limpeza étnica” no território palestino.
Um dia depois de o magnata republicano declarar que “os Estados Unidos tomarão o controle” de Gaza e que os palestinos “se mudarão para outros países”, seu governo pareceu minimizar o anúncio.
A porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, afirmou que Trump queria que os palestinos fossem “realocados temporariamente” fora de Gaza, em vez de reassentados permanentemente em países de maioria árabe como o Egito.
“O presidente não se comprometeu a enviar tropas para Gaza”, detalhou. Quando um jornalista pediu mais detalhes, Leavitt respondeu: “Ele ainda não se comprometeu com isso.”
Os Estados Unidos “não financiarão a reconstrução de Gaza”, acrescentou.
Trump foi “muito claro” quanto à expectativa de que aliados na região, “particularmente o Egito e a Jordânia, aceitem refugiados palestinos temporariamente, para que possamos reconstruir suas casas”, prosseguiu Leavitt.
Em visita à Guatemala, o chefe da diplomacia americana Marco Rubio enfatizou que “a proposta de reconstrução e de cuidar da reconstrução” é uma oferta “generosa” e não “hostil”.
O porta-voz do secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou, no entanto, contra qualquer tentativa de “limpeza étnica” em Gaza.
Apesar das críticas, Trump insistiu, nesta quarta-feira, em que “todos adoram” a sua oferta.
O magnata fez a proposta em uma coletiva de imprensa com o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, justamente quando Israel e o grupo islamista palestino Hamas negociam a “segunda fase” de um acordo de cessar-fogo para pôr fim à guerra em Gaza.
O primeiro-ministro israelense acredita que a proposta pode “mudar a história”.
Netanyahu depende de suas alianças com forças políticas que sonham em reinstaurar colônias na Faixa de Gaza, de onde Israel se retirou unilateralmente em 2005, por decisão do então primeiro-ministro Ariel Sharon.
O ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, do partido Sionismo Religioso, de extrema direita, prometeu fazer tudo o que for possível para “enterrar definitivamente” a ideia de um Estado palestino.
Após mais de 15 meses de guerra, desencadeada pelo ataque do Hamas em outubro de 2023 em solo israelense, grande parte da Faixa de Gaza está devastada. Um cessar-fogo está em vigor desde o fim de janeiro, permitindo a troca de reféns israelenses por prisioneiros palestinos.
A ideia de Trump parece impossível de ser concretizada, pois enfrenta vários obstáculos: o apego dos palestinos à sua terra, a oposição dos países árabes e as regras do direito internacional.
– ‘Enterrar definitivamente’-
O Hamas, que governa o território palestino desde 2007, rejeitou a proposta, e um porta-voz do movimento, Abdel Latif al Qanu, a classificou como “racista… alinhada com a extrema direita israelense”.
O movimento palestino acredita que a ideia “apenas colocará mais lenha na fogueira”.
O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, também rejeitou “veementemente” o plano.
“Não permitiremos que os direitos do nosso povo sejam violados”, disse Abbas, à frente de um governo com poder limitado na Cisjordânia.
– ‘Morrer ou viver aqui’ –
Para os palestinos, qualquer tentativa de obrigá-los a sair de Gaza evoca o trauma da Nakba (“catástrofe” em árabe), o deslocamento em massa e a expulsão de centenas de milhares de palestinos de suas casas durante a criação do Estado de Israel em 1948.
“Sou de Gaza, meu pai e meu avó são daqui […] Só temos uma opção: morrer ou viver aqui”, afirmou Ahmed Halasa, de 41 anos.
O rei da Jordânia reiterou sua oposição a “qualquer tentativa” de deslocamento da população palestina. Egito e Catar – países mediadores da trégua em Gaza – também condenaram essa possibilidade.
A Liga Árabe afirmou que a proposta é uma “receita para a instabilidade”, que também foi rejeitada por Turquia, China, Chile, entre outros.
O Brasil, por sua vez, classificou a proposta de “incompreensível”.
“E os palestinos vão para onde? Onde eles vão viver? […] Quem tem que cuidar de Gaza são os palestinos, porque eles precisam ter uma reparação de tudo aquilo que foi destruído”, disse o presidente Lula nesta quarta.
Países como França, Espanha e Alemanha também expressaram sua oposição, e a União Europeia afirmou que Gaza é uma “parte integral” de um futuro Estado palestino.
O grupo israelense de direitos humanos B’Tselem classificou a oferta de Trump de “loucura”, e a secretária-geral da Anistia Internacional, Agnes Callamard, de “colonialismo do século XXI”.
“Grande parte da destruição em Gaza reflete uma política israelense calculada para tornar partes da Faixa inabitáveis”, opinou Lama Fakih, da ONG Human Rights Watch. “Os Estados Unidos passariam de cúmplices de crimes de guerra para cometer atrocidades diretamente”, acrescentou.
A guerra teve início com o ataque do Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023, que deixou 1.210 mortos, a maioria civis, segundo uma contagem da AFP baseada em dados oficiais israelenses.
A retaliação de Israel deixou pelo menos 47.518 mortos em Gaza, majoritariamente civis, segundo o Ministério da Saúde do território governado pelo Hamas.
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