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Existe solução para a invasão de mexilhões quagga?

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Um cano entupido com mexilhões quagga do Lago de Constança, na fronteira com a Alemanha. Keystone

Um pequeno molusco invasor está alterando ecossistemas, atacando fontes de água e causando prejuízos de milhões de dólares na Suíça e em todo o hemisfério norte. Em diversos países, a infestação da espécie tem mobilizado novas tecnologias e a cooperação internacional.

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Pesquisadores da Suíça, Alemanha, Áustria e Estados Unidos, que também sofrem com a infestação de mexilhões invasores, estão unindo suas descobertas para entender melhor o comportamento do mexilhão conhecido como quagga.

Os mexilhões quagga vêm da região do Mar Negro e foram encontrados pela primeira vez na Suíça em 2014, no Rio Reno, perto de Basel. Eles são parentes do mexilhão-zebra, que está presente em partes da Europa há 200 anos e na Suíça desde a década de 1960. A larva do mexilhão quagga é invisível a olho nu. Ela é transportada rio abaixo ou levada por embarcações, onde se fixa. O mexilhão pode se reproduzir quase o ano todo e, ao contrário do mexilhão-zebra, pode habitar zonas de águas profundas, onde há poucos predadores. Os mexilhões quagga e zebra chegaram pela primeira vez aos Estados Unidos no final da década de 1980 e agora estão amplamente disseminados nos Grandes Lagos.

Quagga estimula pesquisa internacional

Lyuba Burlakova, cientista pesquisadora sênior da Buffalo State University, nos Estados Unidos, tem estudado os mexilhões-zebra e quagga há muitos anos e atualmente está em licença sabática no Swiss Federal Institute of Aquatic Science and Technology, Eawag. Burlakova se interessou em colaborar com os suíços por conta dos milhares de dados detalhados de monitoramento de vários lagos do país alpino. Com a parceria, a pesquisadora planeja poder compartilhar as descobertas de cientistas norte-americanos com os colegas suíços.

“Já temos mais de trinta anos de invasão de mexilhões quagga nos Grandes Lagos”, conta. “Agora temos métodos muito melhores, como o DNA, que pode detectar a presença dos mexilhões antes mesmo de os encontrarmos. Os suíços podem usar esses métodos e também aprender com nosso conhecimento.”

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Pesquisadores da Eawag e da Universidade de Constança coletam amostras de sedimentos do Lago de Constança para monitorar a ocorrência e a reprodução de mexilhões quagga. Keystone / Gaetan Bally

“Profissionais em reprodução”

Burlakova estima que os mexilhões quagga já representem mais de 95% de toda a biomassa nos Grandes Lagos. Ela afirma que, na América do Norte, os moluscos se apropriaram das fontes de alimento da diporeia, um crustáceo de águas profundas e importante fonte de alimento para peixes brancos, e colonizaram seus habitats, causando um declínio completo da espécie, especialmente no Lago Ontário.

O que mais impressiona os cientistas sobre o mexilhão quagga é a rapidez com que ele se reproduz. Piet Spaak, do Eawag, explica: “Uma fêmea de mexilhão pode produzir até um milhão de células de ovos, um macho de mexilhão produz até mais esperma. Então, cada mexilhão pode, potencialmente, gerar milhares de novos mexilhões. Eles são mestres em reprodução.”

Outro problema é a falta de predadores, como explica Spaak: “Os mexilhões quagga podem descer até a profundidade onde há oxigênio nos lagos, até 250 metros. Nas partes mais profundas, os inimigos naturais não conseguem mais regular os mexilhões quagga, então há um crescimento descontrolado.”

Sete instituições de pesquisa da Suíça, Alemanha e Áustria estão agora concentradas nos quaggas no Lago de Constança, que faz fronteira com os três países. O projeto SeeWandel-Climate (Mudança de Lago) é liderado por Spaak, cujo foco de pesquisa está na redução de nutrientes, mudanças climáticas, espécies invasoras e alienígenas e como elas influenciam a biodiversidade do lago. A equipe de Spaak também utiliza dados coletados na América do Norte para entender o impacto dos mexilhões.

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A equipe da EAWAG mede o tamanho dos mexilhões quagga capturados no Lago de Constança. Keystone / Gaetan Bally

Mexilhão quagga destrói infraestruturas

Os mexilhões não são apenas um perigo para a biodiversidade – eles também atacam a infraestrutura hídrica nos lagos. Andreas Hirt, gerente da Energie Service Biel/Bienne, afirma que os moluscos são  imbatíveis. “Se eles chegarem a um corpo de água que ainda não está colonizado, eles se espalharão em poucos anos. E isso não pode mais ser revertido,” diz.

A Energie Service Biel/Bienne está buscando desenvolver um sistema para combater os mexilhões sem o uso de produtos químicos, que são proibidos no cantão (estado) de Berna. O cloro pode ser usado em algumas ocasiões para evitar que os canos de água fiquem obstruídos com mexilhões, mas, em muitos cantões, as permissões para o uso de cloro não são mais concedidas para proteger a qualidade da água. De qualquer forma, a dosagem de cloro não oferece proteção absoluta contra o mexilhão quagga.

Muitas centrais de purificação de água agora fazem uma ultrafiltração, um processo que utiliza uma membrana semipermeável para remover partículas e macromoléculas da água. O método impede a entrada de mexilhões quagga na água potável. Na nova estação de bombeamento de água potável no Lago de Biel/Bienne, as autoridades estão dando um passo além para eliminar os mexilhões antes que a água chegue à estação de ultrafiltração. O novo sistema de bombeamento utilizado foi inspirado em uma tecnologia originalmente usada para limpar tubos de petróleo offshore.

Moritz Heiser, porta-voz do Escritório Federal do Meio Ambiente (FOEN), defende o tipo de sistema de limpeza mecânica utilizado em Biel/Bienne. Outra alternativa mecânica são cestas de sucção, que podem ser retiradas e limpas na superfície do lago sem o uso de mergulhadores.

Andreas Hirt aponta que houve muito interesse pelo novo sistema de limpeza de canos do lago suíço, parte de um novo sistema de abastecimento de água que custou cerca de CHF 100 milhões (US$ 110 milhões). Ele reconhece que o preço é um obstáculo, mas acredita que o sistema suíço eventualmente ficará mais barato. “Nosso protótipo tem muitos fatores de segurança incorporados. Após um período de teste, esses fatores podem ser removidos, o que tornaria o sistema mais barato”, afirma Hirt. Ele ressalta que a tecnologia de bombas não pode ser usada em canos tratados para prevenir corrosão.

Lave seu barco!

Os Estados Unidos e alguns cantões suíços, como Berna, introduziram regras de limpeza para barcos que são transferidos de um lago para outro. Spaak, do Eawag, explica: “Ainda há muitos lagos na Suíça onde não foi registrada a presença de quagga. E é por isso que vários cantões introduziram medidas de limpeza de barcos.”

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Se você quiser levar seu barco para passear no Lago de Lucerna, é preciso limpá-lo primeiro. Caso contrário, você poderá ser multado em até CHF 10.000. Christian Oechslin SRF

Heiser, do escritório do meio ambiente, aponta que não há base legal para o governo obrigar os cantões a adotar medidas para eliminar os moluscos. Ele escreve: “Atualmente, não existem medidas regulatórias ambientalmente e economicamente viáveis para lagos do tamanho dos lagos suíços. O mexilhão quagga, portanto, não pode ser removido de um lago – nem mesmo com abordagens químicas.”

Como vencer a invasão?

A pesquisa de Burlakova na Suíça se concentra em parte na previsão de quando a invasão dos mexilhões quagga atingirá o pico no país alpino. Com uma equipe de cientistas da América do Norte e Europa, ela recentemente coletou e analisou dados de longo prazo sobre lagos rasos colonizados por mexilhões-zebra e, posteriormente, por mexilhões quagga. Com isso, ela observa as consequências de longo prazo nesses pequenos lagos, o que oferece alguma esperança.

“Alguns dos lagos foram invadidos por mexilhões-zebra e, após cerca de 20 anos, havia mais organismos planctônicos lá. Então, algumas partes do ecossistema podem se recuperar após o pico da invasão”, diz ela.

Para verificar se isso também pode ocorrer em lagos profundos, cientistas estão coletando dados de longo prazo sobre a qualidade da água e as comunidades biológicas em outros lagos suíços e europeus. Os dados ajudarão a prever quando a invasão atingirá seu pico e quando deve começar a diminuir. As informações auxiliam na implementação de decisões de manejo em lagos colonizados pelos mexilhões quagga.

Spaak também baseia suas previsões para o mexilhão quagga no que aconteceu nos Estados Unidos.

“Claro, sempre esperamos que apareça um vírus ou mutante que mate pelo menos parte da população. Mas isso não aconteceu na América do Norte nos últimos 30 anos, então acho que não há muita chance de isso acontecer aqui”, afirma a pesquisadora.

Edição: Veronica De Vore/fh
(Adapta4ão: Clarissa Levy)

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