Perspectivas suíças em 10 idiomas

Tribunal de Haia analisa responsabilidades internacionais

imagem
Moradores de Kiritimati, um atol do Pacífico, constroem um quebra-mar de pedra para combater o aumento do nível do mar causado pela crise climática. Keystone-SDA

A pequena ilha de Vanuatu, no Pacífico, exigiu que o Tribunal Mundial de Haia dê um parecer sobre as obrigações legais dos países no combate às mudanças climáticas. Entenda como o tribunal mundial pode interpretar as responsabilidades internacionais pelo aquecimento do planeta nesse caso inovador.

Assine AQUI a nossa newsletter sobre o que a imprensa suíça escreve sobre o Brasil, Portugal e a África lusófona.

O que são as audiências climáticas?

Uma maratona de audiências toma grande parte do mês no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), conhecido como Tribunal Mundial de Haia, na Holanda. As sessões ocorrem após anos de campanhas encampadas por nações vitimadas pelas mudanças climáticas, lideradas pelo pequeno estado insular do Pacífico, Vanuatu. O tribunal deve tecer uma definição sobre o direito internacional para os casos envolvendo mudanças climáticas.

Vanuatu e outros países vulneráveis alegam que têm sofrido desproporcionalmente os efeitos das mudanças climáticas, lidando com tempestades cada vez mais intensas, inundações e elevação do nível do mar. O grupo de países quer que as nações poluidoras ricas, responsáveis pelo colapso climático, sejam responsabilizadas legalmente e pressionam por apoio financeiro e compensação por perdas e danos.

Como o caso iniciado por estudantes de direito de Vanuatu foi parar no Tribunal Mundial?

Três anos atrás, Vanuatu anunciou que iria buscar uma opinião consultiva climática do Tribunal. Link externoEstudantes de direito de estados das Ilhas do PacíficoLink externo reunidos na ONG Pacific Island Students Fighting Climate Change foram a força motriz inicial.

Após um lobby intenso, Vanuatu levou o plano à Assembleia Geral da ONU em Nova York. O órgão global finalmente aprovou uma Link externoresoluçãoLink externo em 29 de março de 2023, inspirando-se em documentos jurídicos da própria ONU.

Em seguida, a ONU pediu ao TIJ, o mais alto tribunal mundial, que elaborasse um parecer consultivo sobre quais obrigações os estados têm para enfrentar as mudanças climáticas e quais seriam as consequências legais caso não o fizessem.

imagem
As audiências sobre o clima foram realizadas perante um painel de 15 juízes internacionais na Corte Internacional de Justiça (CIJ) em Haia, na Holanda, entre 2 e 13 de dezembro de 2024. Keystone-SDA

As audiências do TIJ são históricas – este é o maior caso na história do tribunal em termos de número de demandantes. Entre os dias 2 e 13 de dezembro, mais de 100 países e organizações testemunharam. Com o fim da etapa de escuta em 13 de dezembro, agora um grupo de 15 juízes deliberará sobre as submissões e argumentos. A perspectiva é que o Tribunal divulgue um parecer em meados de 2025.

O que aconteceu em Haia até agora?

Especialistas chamaram as audiências de uma “batalha de Davi e Golias” entre nações ricas pedindo aos juízes que cumpram as obrigações legais atuais e estados vulneráveis pedindo mais.

“Estamos na linha de frente de uma crise que não criamos, uma crise que ameaça nossa própria existência”

Ralph Regenvanu, enviado especial de Vanuatu para mudanças climáticas e meio ambiente

“Nós nos encontramos na linha de frente de uma crise que não criamos; uma crise que ameaça nossa própria existência”, declarou Ralph Regenvanu, enviado especial de Vanuatu para mudanças climáticas e meio ambiente, no início dos procedimentos. A responsabilidade pela crise climática recai diretamente sobre “um punhado de estados facilmente identificáveis” que produziram a maioria das emissões de gases de efeito estufa, ele acrescentou.

Em seguida, os representantes dos Estados Unidos, o maior emissor histórico de gases de efeito estufa do mundo, argumentaram contra os estados serem legalmente obrigados a combater a crise climática e rejeitaram a ideia de que o CIJ deveria propor que os emissores históricos fossem responsabilizados pela poluição provocada. Eles disseram que as regras climáticas globais atuais – a convenção-quadro da ONU sobre mudanças climáticas (UNFCCC) e o marco do Acordo de Paris de 2015 e outros tratados não vinculativos existentes – são o melhor caminho a seguir.

Outras grandes economias baseadas em combustíveis fósseis e nações desenvolvidas, como Austrália, China, Índia, Arábia Saudita e Alemanha, adotaram uma linha semelhante, argumentando contra a responsabilização legal e mudanças nas estruturas legais existentes.

imagem
Manifestantes do clima do lado de fora da Corte Internacional de Justiça, em Haia, em 2 de dezembro de 2024. Keystone-SDA

Essa abordagem que busca manter “os negócios como sempre” foi duramente criticada por ativistas. “Mais uma vez, testemunhamos uma tentativa desanimadora dos EUA de fugir de suas responsabilidades como um dos maiores poluidores do mundo”, disse Vishal Prasad, diretor da Pacific Islands Students Fighting Climate Change.

Suíça: ‘em algum lugar no meio’

A Suíça – o Link externo13º maior emissor per capita do mundo de emissões de CO2 baseadas no consumoLink externo – apresentou sua posição ao tribunal em 11 de dezembro, após uma Link externodeclaração em escritoLink externo.

“A Suíça sustenta que não é possível atribuir uma obrigação quantificável e específica de reparação a cada estado”, disse um funcionário do governo suíço ao painel. A nação alpina insiste em aderir ao Link externoprincípio do ‘poluidor pagador’Link externo para orientar negociações políticas e decisões judiciais, e para uma resposta coletiva.

Em sua declaração, a Suíça também enfatizou que os orçamentos do carbono e a alocação de emissões de CO2 para estados são questões políticas – e não questões  para serem decididas pelo direito internacional para criar obrigações. O país alpino também argumentou que a política de mitigação não deve estar sujeita a uma revisão baseada em direitos humanos.

Resumindo, Corine Heri, pesquisadora de direitos humanos e clima na Universidade de Zurique, sentiu que a posição da Suíça estava “em algum lugar no meio” do espectro dos depoimentos. Embora tenha acolhido partes da declaração, a pesquisadora criticou os suíços por contestar obrigações legais vinculativas para reparação ou compensação de perdas e danos.

Sébastien Duyck, do Centro de Direito Ambiental Internacional (CIEL), de Genebra, disse que a Suíça desperdiçou uma oportunidade de apresentar uma “estrutura equilibrada e abrangente” que incentivasse uma maior ambição climática.

Mostrar mais
Pessoas em uma escada

Mostrar mais

Velhinhas ganham ação contra Suíça em tribunal europeu

Este conteúdo foi publicado em A Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu que as autoridades suíças são responsáveis por não implementar políticas eficientes de mudança climática e por violar o direito à vida de um grupo de idosas na Suíça.

ler mais Velhinhas ganham ação contra Suíça em tribunal europeu

“Ficou claro que uma razão forte por trás da posição da Suíça era destruir decisões climáticas significativas no julgamento do KlimaSeniorinnenLink externo. A Suíça não estava se envolvendo em liderança climática; estava jogando junto com o sistema para evitar responsabilidades”, disse ele à SWI swissinfo.ch.

Em abril, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (ECHR) sediado em Estrasburgo emitiu um veredito histórico no Link externocaso Link externoKlimaSeniorinnenLink externo, com uma sentença que afirma que a Suíça não está fazendo o suficiente para enfrentar as mudanças climáticas. O governo rejeitou a posição do tribunal, Link externocriticandoLink externo a interpretação dos juízes da Convenção Europeia de Direitos Humanos em relação à proteção climática que consideram que as políticas suíças não são inadequadas.

Por que o caso do TIJ é emblemático?

O litígio climáticoLink externo envolvendo Link externocorporaçõesLink externo e estados têm aumentado na Europa, na América Latina e além. O número de casos de julgamentos climáticos em tribunais  mais do que dobrou desde 2017, Link externode acordo com a ONULink externo.

Mas há necessidade de maior clareza jurídica. O CIJ é um dos três tribunais internacionais encarregados de produzir uma opinião consultiva sobre a crise climática, juntamente com o tribunal internacional para o direito do mar (Itlos) e o tribunal interamericano de direitos humanos. O CIJ levará essas duas opiniões em consideração, bem como julgamentos judiciais significativos, incluindo a decisão da CEDH sobre a Suíça.

Mostrar mais

As apostas são altas, pois dinheiro e reparações são centrais. Países em desenvolvimento seguem frustrados com o financiamento curto para ajudar no combate aos efeitos das mudanças climáticas, com o exemplo mais recente dos US$ 300 bilhões anuais prometidos na COP29 em Baku.

O que pode acontecer depois que o tribunal enfim opinar?

As opiniões consultivas do TIJ não são vinculativas, mas são legais e politicamente significativas. Embora não forcem diretamente as nações ricas a agir para ajudar os países em dificuldades, seriam mais do que um símbolo poderoso, dizem os especialistas. A opinião do TIJ provavelmente será citada em processos movidos por mudanças climáticas ao redor do mundo.

Sébastien Duyck acredita que um parecer do TIJ terá um impacto forte.

“Servirá como um precedente legal e dará diretrizes para todos os outros órgãos legais e políticos que trabalham em questões de justiça climática e cooperação internacional relacionada ao clima”, disse à rádio pública suíça, RTS.

Corine Heri aponta que as audiências climáticas e o parecer consultivo são um “momento crucial” que é difícil de ser ignorado pelos países.

“O parecer esclarecerá o que o direito internacional exige e como diferentes áreas do direito internacional se relacionam entre si”, ela disse à SWI swissinfo.ch. Por exemplo, o direito dos direitos humanos ou o direito internacional consuetudinário exigem mais dos estados do que o Acordo de Paris ou a UNFCCC?

“Isso reduzirá o leque de argumentos legais que são considerados viáveis – potencialmente tornando impossível argumentar que a mudança climática e especialmente a mitigação das emissões de gases de efeito estufa é uma questão puramente política que deve ser discutida apenas no contexto das negociações internacionais da COP e não nos tribunais”, disse Heri.

Muita coisa dependerá do texto final, mas potencialmente o parecer “fornecerá uma ferramenta que os estados em desenvolvimento vulneráveis às mudanças climáticas poderão usar para pressionar por reparações”, disse o pesquisador jurídico.

Edição: Veronica De Vore/fh

Adaptação: Clarissa Levy

Mostrar mais
Newsletter

Mostrar mais

Newsletters

Assine as newsletters da swissinfo.ch e receba diretamente nossos melhores artigos.

ler mais Newsletters

Mais lidos

Os mais discutidos

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR