Vamos nadar no rio em Berna?
Na Suíça, tecnologias de ponta fazem de microorganismos o principal agente responsável pela eliminação do esgoto urbano: 99% da água poluída é reciclada.
Não só a natureza agradece, mas também a população das cidades, que no verão pode nadar em lagos, rios e riachos.
A água está por todas as partes, porém são as metrópoles do mundo que permitem o mergulho seguro nas suas praias, rios ou lagos. Em grande parte, esses locais estão gravemente poluídos.
Essa triste realidade ecológica não se limita às megalópoles de países do Terceiro Mundo como a Indonésia e o Brasil. Também a Alemanha, um campeão mundial no uso de tecnologias ambientais, ainda não conseguiu limpar as águas de seus próprios rios como o Reno, o Elba ou o Danúbio. Centenas de anos de desenvolvimento industrial estão depositados irreversivelmente nos seus leitos e suas águas. O saneamento dessas áreas teria custos altíssimos.
Porém existem exemplos no mundo de cidades que unem o desenvolvimento com o respeito a natureza: Berna, a capital da Suíça. O país é considerado, afinal, o castelo de águas da Europa. A água dos seus rios e lagos nasce nos Alpes, através do degelo da neve. Da fonte na montanha até chegar nos rios ou lagos das cidades, a água ainda não sofreu a contaminação provocada pelas indústrias ou grandes espaços urbanos, como ocorre na Alemanha. Essa água dá origem posteriormente a grandes rios europeus como o Reno.
Por isso, uma das maiores atrações de Berna, a cidade tombada como patrimônio histórico da humanidade pela UNESCO, não é somente suas construções medievais, mas sim o rio Aare. Nos tórridos dias de verão, ele se transforma numa grande piscina natural para a população local.
O privilégio de viver num país onde os rios e lagos são limpos
Como um país desenvolvido como a Suíça, onde a maior parte da sua população é urbana, consegue manter limpo seus rios e lagos?
A resposta está em rigorosas leis de saneamento e no uso de tecnologias ambientais de última geração. A empresa Ara Region Bern AG é um exemplo da união desses dois fatores.
Fundada em 1967 como empresa pública de saneamento, a Ara Region Bern AG atende não somente a cidade de Berna, mas também nove municípios da região. Privatizada em 1996, depois de aprovação em plebiscito popular, os acionistas da empresa de saneamento são hoje as próprias prefeituras dos municípios atendidos.
Transformar uma estatal encarregada do tratamento de esgotos numa empresa privada não foi um processo simples, porém ele trouxe muitas vantagens. “Esse foi uma grande melhora para a nossa administração, pois deixando de ser estatal, nós nos preocupamos mais com a rentabilidade e temos mais independência em relação à política local”, explica Beat Ammann, engenheiro e diretor da empresa desde outubro de 2002.
A natureza no trabalho de limpar o esgoto
A Ara não dispõe do mesmo glamour internacional de empresas suíças como o conhecido fabricante de canivetes Victorinox, porém o resultado do seu trabalho seria o sonho de muitas cidades no mundo: mais de 95% da população do cantão de Berna está ligada ao sistema de esgoto. Este é 90% é eliminado através de um moderno sistema químico e biológico. A água retorna quase pura ao rio Aare e os sedimentos sólidos tirados do esgoto viram repasto de micro-organismos ou são aproveitados na indústria do cimento. O resultado se vê ao longo de toda a cidade: o rio Aare é utilizado pela população como piscina pública gratuita.
Porém o trabalho de despoluir água caseira tem seus custos. Para atender os 370 mil moradores da região, a Ara tem instalações de última geração avaliadas em 260 milhões de francos (US$ 191 milhões). “Somente a canalização, com 350 quilômetros, vale mais de um bilhão de francos (US$ 736 milhões)”, explica Ammann.
O objetivo principal e fazer com que a água dos esgotos retorne limpa ao ciclo natural dos rios e lagos. Nesse processo a própria natureza é o principal agente na tarefa de eliminar os resíduos.
A estação de tratamento de esgotos da Ara Region Bern AG emprega essa técnica. Localizada numa bucólica quebrada do rio Aare em Bern-Neubrück, seus tanques estão distante poucos minutos do centro da cidade. O esgoto aproveita o relevo acidentado da região para ser canalizado sem muito esforço mecânico à estação de tratamento. No centro antigo de Berna, ele chega a atravessar canalizações que têm mais de 700 anos uso.
Depois de chegar em Bern-Neubrück, o esgoto atravessa peneiras gigantes, que retiram a areia e outros resíduos maiores. As águas são levadas posteriormente para grandes cisternas, onde é aplicado um tratamento químico para eliminar poluentes como os fosfatos. A terceira fase do tratamento é biológica. O esgoto atravessa diversos reservatórios, onde microorganismos especiais como bactérias, crustáceos, algas e protozoários se alimentam dos sedimentos encontrados. A última fase é a filtragem das últimas partículas na água, antes que ela seja jogada como líquido cristalino no rio Aare.
No processo intensivo de filtragem do esgoto urbano, as sobras têm a forma de uma massa sólida e negra, “que é composta, sobretudo, de células mortas e materiais inorgânicos”, explica o diretor Ammann. Essa massa “apodrece”, produzindo gás metano, que é aproveitado na empresa para alimentar seus geradores. Por isso ela não necessita de energia externa para o funcionamento das suas instalações. Depois de seca e granulada, a massa é levada para indústrias de cimento, que aproveitam o material na composição dos seus produtos e também como combustível nas caldeiras de aquecimento.
O desafio para o futuro
Apesar da Suíça fazer grandes esforços para poupar o meio-ambiente dos efeitos colaterais da urbanização, ainda existem grandes desafios para o futuro.
“Um dos temas que mais ocupa os especialistas atualmente é a eliminação, no esgoto, de resíduos de medicamentos, hormônios e minerais diversos. Essas substâncias não são absorvidos pelos microorganismos no nosso processo de purificação e a ciência ainda não conseguiu determinar o grau de risco desses materiais para os seres humanos”, explica Ammann.
Esse temor não é infundado. Existem exemplos práticos: desde 2000, as empresas de saneamento estão proibidas de empregar o material sólido, que sobra na filtragem do esgoto, como fertilizante para a agricultura. A doença da vaca-louca (BSE) é a causadoras dessa proibição.
A ciência mostra que o mal da vaca-louca (BSE) não é produzido e transmitido por vírus ou bactérias , mas sim, por uma proteína animal denominada prion. Ela interage com o DNA do animal doente, produzindo uma maior quantidade dessa proteína modificada, atingindo diversos orgãos como o cérebro. A doença mata os animais e pode ser transmitida aos seres humanos.
“Muitos abatedouros na Suíça jogavam suas sobras no esgoto público. O prion não é eliminado no processo de filtragem e podia retornar para a natureza na forma dos fertilizantes que fabricávamos. Esperamos agora que isso não ocorra mais”, conclui Ammann.
swissinfo, Alexander Thoele
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