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Última chamada para o vôo…forçado

Cena do filme: requerente de asilo no centro de detenção provisório aguarda sua expulsão da Suíça. pardo.ch

"Vol spécial" (Vôo especial) é considerado por muitos críticos como um forte candidato ao principal prêmio no concurso internacional do 84° Festival de Cinema de Locarno.

O documentário do diretor suíço Fernand Melgar trata de um tema sensível na Suíça: um centro de detenção para estrangeiros em vias de expulsão do país, próximo ao aeroporto de Genebra. swissinfo.ch esteve na sua estreia mundial e recolheu impressões.

Eles se chamam Alain, Chamain, Elvis, Geordry ou Serge. Todos são estrangeiros, originários de países como Kosovo, Nigéria, Senegal ou Marrocos e tem em comum o fato de não serem desejados na Suíça. Eles são os principais protagonistas do documentário “Vol spécial” (Voo especial) de Fernand Melgar, candidato ao principal prêmio no Festival de Cinema de Locarno.

O cineasta suíço originário de uma família espanhola de trabalhadores sazonais e, ele próprio também trazido ilegalmente à Suíça aos dois anos de idade, decidiu, com seu mais recente trabalho, fazer uma continuação ao premiado documentário “La Forteresse”, que ganhou o Pardo de Ouro em 2008 na competição de cineastas do presente. Dessa vez, ao invés de acompanhar o cotidiano de um centro de solicitante de asilo político, Melgar dedicou 103 minutos a um centro de expulsão de estrangeiros localizado nas proximidades do aeroporto de Genebra.

“Frambois” (Framboesa) é o nome do centro, um dos 28 que existem na Suíça para abrigar as pessoas, cujo status legal no país ou o processo de solicitação de asilo foram indeferidos pelas autoridades. Quando o estrangeiro chega a um deles, o período de espera pode durar até dois anos até a decisão final da última apelação jurídica. Porém a expulsão pode ocorrer mais rápido, apesar de não ser, em muitos casos, voluntária. Voos especiais são organizados pelas autoridades, onde os renitentes são presos por amarras e acompanhados por agentes especiais.

Trabalho de convencimento 

Segundo o cineasta, a inspiração para realizar “Vol spécial” ocorreu durante os trabalhos de realização do documentário sobre o centro de solicitantes de asilo. “Chegamos por acaso em Frambois através da amizade com o Fahad, um dos protagonistas do Forteresse. Ele tinha sido confinado na prisão depois de receber uma resposta negativa ao seu pedido de asilo. Então decidi investigar e daí nasceu o projeto”, declarou à swissinfo.

Devido à boa acolhida do documentário “La Forteresse” também pelas autoridades judiciárias, que o utilizam até em projeções em escolas para tratar da questão do asilo, Melgar não teve dificuldade para conseguir as autorizações necessárias para as filmagens no centro de detenção em Genebra.

Depois passou meio ano visitando regularmente os detentos e funcionários até conquistar sua confiança. “Oitenta por cento dos agentes concordaram em ser filmados com o rosto descoberto e isso foi muito importante para nós. Quanto aos detentos, contar sua história foi para eles uma maneira de não sentir-se esquecidos pelo mundo, quase um grito de desespero”, revela. A equipe de filmagem gravou cenas durante três meses e produziu 150 horas de material.

Como o próprio diretor suíço explica, seu objetivo não foi de fazer julgamentos políticos. O documentário não aborda a vida anterior dos detentos, nem seu futuro após terem sido expulsos da Suíça. “Não faço filmes políticos. Sou um cineasta, um testemunho da realidade. Meu trabalho é mostrar apenas os fatos”, reforça. A abordagem ocorre estritamente dentro do centro “Frambois”, passando por cenas prosaicas do cotidiano, até mesmo momentos dramáticos como o controle policial e os últimos minutos antes das algemas serem colocadas para os voos especiais.

Aproximação dos personagens 

Para conseguir aproximar o espectador da situação no centro de detenção, “Vol spécial” exibe nos primeiros momentos as grades, através das quais é possível ver o voo baixo dos aviões antes de pousarem no aeroporto de Genebra, distante apenas alguns quilômetros. Um jovem kosovar é informado pelo diretor do centro que seu pedido de permanecer na Suíça foi recusado e que deverá partir em poucas horas. Ele protesta, lembrando que vive há vinte anos no país e que não pode retornar ao Kosovo, pois é da minoria cigana e corre risco de vida. Ao chegar ao aeroporto acompanhado por policiais, ele recusa-se entrar voluntariamente no avião e é levado de volta ao centro.

Os funcionários de “Frambois” são retratados por Fernand Melgar não apenas como agentes interessados apenas em aplicar friamente as determinações da lei, mas também como pessoas que compartilham sentimentos e até mesmo uma certa compaixão com o destino difícil dos estrangeiros. “Alguns deles são até mesmo ex-soliciantes de asilo e que justificam fazer esse trabalho, pois senão outros estariam fazendo de uma forma pior”, lembra o diretor. Não é à toa, que o diretor do centro sempre trata os estrangeiros como “clientes” e sempre procura informar-lhes do andamento do seu processo e até despedir-se com abraços nos momentos das expulsões, um dos momentos mais tocantes no documentário.

Porém Melgar não esconde no documentário situações trágicas, como a ocorrida em 17 de março de 2010. Nesse dia um solicitante de asilo originário da Nigéria faleceu, quando estava no avião que o levava de volta, amarrado e algemado, à pátria em um voo especial de expulsão. Os voos foram interrompidos por alguns meses e depois duas autópsias revelaram problemas cardíacos no cidadão nigeriano. A família entrou com recurso contra o arquivamento do processo.

O cineasta revelou a imprensa que, no momento do incidente, sua equipe estava no último dia dos trabalhos de filmagem. Após ser informado, ele ainda filmou as reações dos detentos e agentes do centro em Genebra, que não escondiam sua consternação. A eles o diretor garantiu que as próximas expulsões deveriam ocorrem de forma humana e segura.

Ao ser apresentado em estreia mundial no Festival de Locarno, “Vol spécial” foi ovacionado por muitos aplausos pela plateia presente, que lotava um ginásio adaptado para as exibições. Ao seu lado, Melgar trouxe um dos protagonistas do documentário, um dos africanos que seriam expulsos, mas cuja permanência na Suíça acabou sendo autorizada no último minuto pelo governo cantonal e ele pode retornar a sua família.

O diretor não esconde que fez o filme com bastante emoção. “Emocionalmente foi muito duro fazer esse filme e viver o sentimento de injustiça ao ver detentos inocentes. Para mim, estar irregular é um fato da vida e não um crime. É uma grande hipocrisia na Suíça hoje, onde 150 mil imigrantes trabalham, mas não têm papéis. Nem todos eles são traficantes de drogas, como afirma um partido de direita.”

Nascido em 1961 de uma família de sindicalistas espanhóis exilada em Marrocos durante o período da ditadura franquista. Ele chegou aos dois anos na Suíça, trazido pelos pais, que eram trabalhadores sazonais.

Melgar interrompeu seus estudos em 1980 para abrir com amigos um bar – Le Cabaret Orwell – que se tornou conhecido no contexto da cultura alternativa na Suíça francófona.

Em 1983 realizou seus primeiros trabalhos em cinema, formato que aprendeu a dominar como autodidata.

Em 2007 produziu o documentário “Exit, le droit de mourir” (Exit, o direito de morrer), sobre a assistência ao suicídio na Suíça. A obra ganhou no ano seguinte o prêmio de melhor documentário no Festival de Solothurn.

Em 2008, seu documentário “La Forteresse” (A Fortaleza), sobre um centro de refugiados, ganhou o prêmio Pardo de Ouro de cineastas do presente, além de outras premiações internacionais.

Em 17 de março de 2010, um solicitante de asilo originário da Nigéria faleceu quando estava no avião que o levava de volta à pátria em um voo especial, após o mandato de expulsão determinado pelas autoridades helvéticas.

As duas autópsias revelaram que o africano sofria de problemas cardíacos. A família entrou com recurso contra o arquivamento do processo. Durante alguns meses, as expulsões forçadas de estrangeiros foram interrompidas pelas autoridades helvéticas.

Anualmente são expulsos aproximadamente 7 mil estrangeiros depois que seu processo de solicitação de asilo ou detenção por estadia ilegal na Suíça é decidido pelas autoridades helvéticas.

Em 2009 foram realizados 43 voos “especiais”, onde os candidatos à expulsão são levados à força para os aviões e acompanhados por agentes judiciais e médicos até seus países de origem.

Citações de Stefania Summermatter

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